Ao texto anterior, sobre o 386º dia de guerra na Ucrânia. O Dr. Salles, como sempre, pondo o
dedo filosófico na ferida: Não, não será necessário um Deus, o Homem pode
servir de bitola, nestas coisas da Moral, tão grande se julga. Mas não
precisamos de desprezar o princípio que atribui um Deus à criação de um mundo
de tão absoluta vastidão. Nada sabemos, afinal. E no fundo, a ideia de um Deus
justiceiro é bonita. E necessária, embora não universal, o “só sei que nada sei”
da nossa humildade superiorizando-se ao “conhece-te a ti mesmo” da nossa
arrogância indiferente, ou submissa às aparências.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 16.03.23
ou
DO PARÂMETRO E DA SUA FALTA
«No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por ele;
e nada do que tem sido feito, foi feito sem ele.
Nele
estava a vida, e a vida era a luz dos homens.» (João 1:1–4);
«Deus
está morto» (Friedrich Nietzsche in «A Gaia Ciência»);
«Porque
a ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este
último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico).
Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o
animicamente esvaído e eticamente desamparado»;
«As coisas não são boas ou más porque
Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque
são más».(Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa in «PORQUÊ E PARA QUÊ – Pensar Portugal hoje»)
* * * *
Palavroso como todos os pensadores
franceses, Gilles
Lipowetsky escreveu até há poucos anos um conjunto de obras de
grande interesse de que não extraio citações mas que sintetizo como segue:
- A
laicização conduziu ao distanciamento da Moral e, daí, ao distanciamento em
relação à Ética; rapidamente, os conceitos de Bem e de Mal viram a degradação;
conceitos que, até então, eram absolutos, passaram a ser «interpretados» e,
daí, a serem relativizados (graças, p.ex., a Marcuse); eis como o relativismo
ganhou foros de doutrina fundadora do pós-modernismo.
Mas…
* * *
…
será que só há Moral de génese religiosa?
A resposta é-nos dada por um Cardeal
quando nos diz que ««As coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as
proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más». Ou seja,
não é necessário invocar Deus para conseguirmos, laicamente, distinguir o bem e
o mal e, daí, construirmos uma Moral laica.
Daqui se conclui que a laicidade não
justifica a amoralidade nem, ipso facto, a imoralidade. Esta resulta, isso sim,
do império do relativismo que se preocupa em destruir esses conceitos absolutos
que são o bem e o mal.
O
triunfo da via relativista levará logicamente os seus seguidores ao relativismo
absoluto, ao desaparecimento de todos os parâmetros, ao caos quântico, à
desorientação total. Daqui resultará a queda no abismo niilista de que só
poderão sair pela porta do fim do caos, a do desespero, possivelmente suicida.
Marcuse, o «apóstolo» do relativismo, não
aponta a via da felicidade.
Nós, os que usamos Valores absolutos,
não somos retrógrados – apenas não queremos viver no caos e porque vemos o
relativismo como uma tentativa de justificação dos vícios dessa prática caótica.
Março de 2023
Henrique Salles da Fonseca
Tags: Filosofia
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