sexta-feira, 17 de março de 2023

Corolário


Ao texto anterior, sobre o 386º dia de guerra na Ucrânia. O Dr. Salles, como sempre, pondo o dedo filosófico na ferida: Não, não será necessário um Deus, o Homem pode servir de bitola, nestas coisas da Moral, tão grande se julga. Mas não precisamos de desprezar o princípio que atribui um Deus à criação de um mundo de tão absoluta vastidão. Nada sabemos, afinal. E no fundo, a ideia de um Deus justiceiro é bonita. E necessária, embora não universal, o “só sei que nada sei” da nossa humildade superiorizando-se ao “conhece-te a ti mesmo” da nossa arrogância indiferente, ou submissa às aparências.

DO PRINCÍPIO AO FIM

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 16.03.23

ou

DO PARÂMETRO E DA SUA FALTA

«No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito, foi feito sem ele.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.» (João 1:1–4);

«Deus está morto» (Friedrich Nietzsche in «A Gaia Ciência»);

«Porque a ultrapassagem do metafísico pelo positivo só se sustentou enquanto este último viveu da herança dos estádios anteriores (teológico e metafísico). Porém, o sucessivo afastamento e descuido em relação àquelas fontes deixou-o animicamente esvaído e eticamente desamparado»;

«As coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más».(Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa in «PORQUÊ E PARA QUÊ – Pensar Portugal hoje»)

* * * *

Palavroso como todos os pensadores franceses, Gilles Lipowetsky escreveu até há poucos anos um conjunto de obras de grande interesse de que não extraio citações mas que sintetizo como segue:

- A laicização conduziu ao distanciamento da Moral e, daí, ao distanciamento em relação à Ética; rapidamente, os conceitos de Bem e de Mal viram a degradação; conceitos que, até então, eram absolutos, passaram a ser «interpretados» e, daí, a serem relativizados (graças, p.ex., a Marcuse); eis como o relativismo ganhou foros de doutrina fundadora do pós-modernismo.

Mas…

* * *

… será que só há Moral de génese religiosa?

A resposta é-nos dada por um Cardeal quando nos diz que ««As coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más». Ou seja, não é necessário invocar Deus para conseguirmos, laicamente, distinguir o bem e o mal e, daí, construirmos uma Moral laica.

Daqui se conclui que a laicidade não justifica a amoralidade nem, ipso facto, a imoralidade. Esta resulta, isso sim, do império do relativismo que se preocupa em destruir esses conceitos absolutos que são o bem e o mal.

O triunfo da via relativista levará logicamente os seus seguidores ao relativismo absoluto, ao desaparecimento de todos os parâmetros, ao caos quântico, à desorientação total. Daqui resultará a queda no abismo niilista de que só poderão sair pela porta do fim do caos, a do desespero, possivelmente  suicida.

Marcuse, o «apóstolo» do relativismo, não aponta a via da felicidade.

Nós, os que usamos Valores absolutos, não somos retrógrados – apenas não queremos viver no caos e porque vemos o relativismo como uma tentativa de justificação dos vícios dessa prática caótica.

Março de 2023

Henrique Salles da Fonseca

Tags: Filosofia

 

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