De sabor agónico. Já nem dá para
apreciar amoravelmente hoje o “Ils sont
fous, ces Romains!, tão sinistra se afigura a definitiva perda de
ingenuidade da mocidade aqui mordazmente tratada, por Alberto
Gonçalves. Poor
things!
Os Cinco no Manicómio “Woke”
A tia Clara regressara com um pires de larvas
desidratadas para David, dieta que adoptara dois dias antes em prol da
sustentabilidade ecológica. "E então, menines? Viram a nova story da
Greta?"
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 25
mar. 2023, 00:225
Soube-se
há dias que, na Inglaterra, os livros de Enid Blyton, incluindo os dos Famous
Five, foram reescritos para evitar ofender pessoas que se ofendem com o que
está escrito em livros. A má notícia é que a reescrita foi insuficiente,
limitando-se a substituir umas palavras e a suprimir outras. No essencial, aquilo
permanece uma obra representativa da maioria branca, cisgénero e, logo,
discriminatória. A fim de contribuir para o que deve ser a literatura juvenil
inclusiva, susceptível de produzir gerações sadias, publica-se abaixo o
primeiro capítulo de uma história realmente contemporânea de Os Cinco. Que
sirva de exemplo aos capítulos que faltam. E a todx vós.
–
Zé, estás nisso há horas! – disse a tia Clara – Descansa um pouco. Daqui a
bocado não tens bateria…
–
Sem stress: ainda estou com 40%. E estes TikToks a denunciar o bodyshaming estão
brutais. Compraste bolachas? Estas acabaram…
–
Comprei, filho. Vou à despensa trazer-te outro pacote. Depois manda-me os
vídeos por Airdrop. Mas olha que os teus primos estão a chegar.
O
Zé, José Luís, pronomes ele/dele, chamava-se assim desde que aos 14 anos
iniciou tratamento hormonal. Nessa altura era a Zé, Maria José, demiboy
cisgénero empenhada em causas diversas e com 1,60m. Agora, aos 15, era um
rapagão com 112 quilos e 1,60m, o cabelo azul rapado dos lados e imenso orgulho
em ser ele próprio. Após abrir a embalagem de bolachas, Zé olhou para o
mostrador das horas no canto do telemóvel: – É bué tarde! Tim! Tim! – gritou.
Au!
– disse Tim. Tim era diminutivo de Timóteo, um adolescente que se identificava
como Golden Retriever. Zé, que detestava o irmão quando este se identificava
como rapaz, adorava o Golden Retriever.
–
Quem quer muito ir lá fora? – Zé afagava a cabeça do cão – Quem quer muito ir
lá fora? Mãe, leva o Tim lá fora.
Nisto
ouviu-se uma notificação do WhatsApp: os primos estavam na entrada do prédio. –
Eles chegaram. – comentou Zé, ao mesmo tempo que dava like a uma publicação no
Insta contra a disseminação de “fake news”. – Mãe, vai abrir a porta.
Olha
quem está aqui… – sorriu a tia Clara. Quinze segundos depois, o Zé desviou o
olhar do Insta e olhou para os primos: Júlio, pronomes ele/dele, Ana, pronomes
ela/dela e David, pronomes cujo/outrem. Os três jovens eram irmãos e
activistas. Naquela semana, sentiam-se profundamente motivados pela causa das
alterações climáticas.
–
Olá, tia! – cumprimentou Júlio – O tio Alberto não está?
– Olá,
menines! O tio ainda está nas pesquisas dele. Só chega para jantar – informou a
tia Clara.
– Alerta
sexista! Alerta sexista! – Gozou Ana, levemente irritada com semelhante
conformismo de género.
–
Vou trazer-vos uns petiscos, disse a tia Clara, desaparecendo no corredor.
Júlio
sentou-se no sofá ao lado do primo Zé e fez scroll no iPhone 14 Pro. – Ei, é
novo! – exclamou Zé.
–
Chegou ontem… – explicou Júlio sem olhar para o primo.
–
Brutal. – concluiu Zé.
Sentados
no chão, David e Ana brincavam com Tim, que não cabia em si de entusiasmo
perante tantos visitantes. A certa altura, Tim urinou num vaso, o que provocou
a gargalhada geral. Entretanto, a tia Clara regressara da cozinha com snacks
para todos e um pires de larvas desidratadas para David, dieta que adoptara
dois dias antes em prol da sustentabilidade ecológica. – E então, menines?
Viram a nova story da Greta?
–
Dãã! – respondeu a Ana. – Tem tipo dois dias! Mas está brutal, tia.
– Vocês
viram, tipo, o olhar dela quando disse que o relógio do clima está a andar cada
vez mais depressa? – perguntou David.
–
Brutal, decidiu Júlio.
–
E quando ela acusa os heterossexuais brancos de serem os culpados pela
destruição do planeta? Até fiquei arrepiada! – acrescentou Ana.
–
E os chineses não? – inquiriu a tia Clara, com um ar trocista.
–
Isso é tipo racismo! – gritaram em uníssono os três irmãos.
–
Que nojo, mãe! Já paravas, não? – berrou Zé, que continuava a olhar desconsolado para o velhinho
iPhone 13.
–
Calma! Eu estava a brincar… – esclareceu a tia Clara. – Sei muito bem que as
ameaças ao planeta são sempre originárias no heteropatriarcado colonialista.
–
O racismo sistémico não é brincadeira… – resmungou Júlio.
–
Nem a emergência climática! – apressou-se David.
–
É óbvio que não. Peço desculpa. – admitiu a tia Clara, que tentou mudar de
assunto: – Não contas aos teus primos as novidades, Zé?
–
Mãe, que seca!, impacientou-se Zé.
–
Então? – indagou Júlio, curioso.
–
Nada de especial. Na semana passada cancelámos uma homofóbica que ia ao liceu
defender, tipo, a opressão das minorias. – desenvolveu David.
–
Que máximo! – disseram os três manos em conjunto – Quem era a fascista?
–
Uma nutricionista qualquer – sentenciou Zé.
–
Recomendar, tipo, padrões físicos estereotipados é bué microagressão –
contextualizou Ana, indignada.
–
Senti-me bué microagredido, admitiu Zé.
–
Estamos solidários contigo, primo! – confortou Júlio, que trocava mensagens com
alguém. Tim voltou a urinar, desta vez nas calças.
A
tia Clara levou o cachorro pela trela até à casa de banho. Ao voltar à sala
estava contente. O Tim também estava. Ambos gostavam de ver o Zé com os primos,
assim crescidos, unidos por uma forte sede de justiça social e, naquele exacto
momento, pela contemplação dos respectivos telemóveis. – Menines, hoje começam
as férias grandes! Quais são os vossos planos?
–
Mãe, que chata! Chega-me aí a sweat preta – reagiu Zé.
– Negra,
Zé: estás parvo? Mas sim, temos bué cenas para as férias, tia – respondeu
David – Há dois ou três festivais de música com actividades ambientais.
Há a vigília para derrubar a estátua de um cota tipo capitalista que está no
parque. Há a organização da exposição dedicada a refugiados que vêm de países…
–
E há aquela coisa do museu… – interrompeu a Ana.
–
Iá! – excitou-se Júlio – Vamos colar-nos a uma pintura tipo antiga para
protestar contra os combustíveis fósseis, acho eu… Ou a energia nuclear…
–
Iá, é uma cena dessas – especificou David – Vai ser brutal!
–
E vamos andar sempre pelas redes a descobrir cenas fachas para denunciar e
proibir – detalhou Júlio.
–
Espectáculo! – disse a tia Clara – Quem me dera ter a vossa idade para lutar
por um planeta melhor…
–
A tia é bué fixe! – constatou a Ana – Podes vir na boa a uma flash mob pelo
direito dos trans à menstruação. É já na terça-feira.
–
É que nem penses, Mãe! – zangou-se o Zé – Vai mas é buscar mais bolachas.
A
tia Clara sorriu. Os primos riam às gargalhadas. Até o Zé pareceu divertido. E
Tim, felicíssimo, abanava a cauda que não tem – Au! Au! – O Verão chegara e
os Cinco estavam preparados para novas aventuras.
POLITICAMENTE
CORRETO SOCIEDADE LIVROS LITERATURA CULTURA COMENTÁRIOS
Alexandra Barreira:
Pois. Ah grande AG. É preciso coragem. Para
fazer o "auto-retrato". Tiro o "chapéu"....!
Manuel Martins:
Aconselho o AG a ler as histórias da
Anita. Os wokes ficariam doidos com a violência racista, machista, homofóbica
destas histórias infantis...
Eduardo Cunha: e a enid a
dar voltas ao túmulo...
F. Mendes: Chegou, no
meio de tanta agitação, o Tio Alberto, mais distraído do que nunca, depois da
segunda tentativa falhada de mudança do mundo em 80 dias. Alarmado com tamanha
barulheira, pediu, por esta ordem, desculpa ao Tim, ao cozinheiro João (Joana,
na vergonhosa versão original), à Tia Clara e à (ao) pequenada(o), pelos
atrasos na descoberta da fusão a frio, de alternativas a alimentos geneticamente
modificados, de telemóveis de 25ª geração sem impacto ecológico, e de
manipulações genéticas que garantam que racistas brancos e heterossexuais
passem a nascer hermafroditas com carapinha:
-
Oh Tio Alberto, francamente, os cientistas do patriarcado branco e
heterossexual, andam cada vez mais ignorantes. Bastava falar com a Greta sobre
o clima, que ela está quase a acabar o liceu e já tem as pistas para a
solução!, exclamou a Ana, tão indignada que pisou, involuntariamente, a cauda
do Tim.
-
Hiiiiii, ganiu o Tim, dando um pulo e fugindo de casa.
-
Bolas, Ana tem cuidado com o Tim. Olha que ainda não abriu a nova clínica do
serviço de TASCA (Tratamento Assistencial Sanitário a Canídeos Atormentados)!,
indignou-se o Zé, esbugalhando os olhos.
-
Não fales assim com a minha irmão, atirou o David, chegando-se à frente. Sabes
bem que foi sem querer. Se queres ser rapaz, comes uma bolacha e não é dessas
que te fazem gorda.
-
Ah malandro, retorquiu o Zé. Cheio, redondo ou pesado, queres tu dizer.
-
Meninos(as) não discutam. Vou preparar as bolachas, as sandes com o João, uns
cobertores e partam rapidamente para mais uma aventura das antigas. São muito
menos perigosas do que ficar cá por casa, exclamou assustada a tia Clara.
E
lá foram os pequenas. O Tio Alberto coçou a cabeça, quando teve uma ideia
brilhante sobre como desenvolver uma tecnologia de reconhecimento vocal, capaz
de corrigir e denunciar, à nova polícia do pensamento, todas as expressões
politicamente incorrectas. O Tim, esse, não voltou a casa, arranjou maneira de
viajar no tempo, e regressou alegre à Ilha do Tesouro e a uma época de alguma
sanidade mental.
Maria Paula
Silva: ohmygod..........
oscilo entre as gargalhadas e o horror de um admirável mundo novo!!!
Desculpe,
AG, mas confesso que fiquei um bocadinho agoniada. Isto é pior que andar na
montanha russa !!! p.s. - fiquei cheia de saudades dos livros dos Cinco e tenho
pena de já não os ter para os reler. Mas tenho quase todos do "Recruta
Zero" (geniais).
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