quarta-feira, 1 de março de 2023

Verdades


De que tantos se apercebem, como o comprovam o colunista Nuno Gonçalo Poças e os seus muitos Comentadores. O que se deseja é que o equilíbrio retome – com a seriedade…

Um país que precisa de ricos e não gosta deles

A pior coisa que fizeram às elites com a chegada de tantos estrangeiros com capital foi o facto de esse movimento demográfico lhes ter esfregado na cara a sua mediocridade e até a sua pobreza.

NUNO GONÇALO POÇAS Colunista do Observador. Advogado, autor de "Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril"

OBSERVADOR, 28 fev. 2023, 00:1518

Os alunos que estão agora a terminar a 4.ª classe não tiveram um único ano lectivo passado em condições de normalidade. Entre encerramentos de escolas, confinamentos obrigatórios por casos de infecção de terceiros, greves e falta de professores, as crianças mais desfavorecidas ficam mais para trás, com danos de aprendizagem provavelmente irreparáveis. Para ajudar, com o fim dos contratos de associação, centenas de alunos que frequentavam colégios privados foram, por falta de capacidade económica para neles continuar, despejados na rede pública, onde faltam professores e abundam as greves. As classes médias que ainda conseguem suportar propinas privadas, fazem-no em detrimento de outros investimentos. As elites passam por tudo isto como cão por vinha vindimada: é a tal história da ex-secretária de Estado Alexandra Leitão; os pobrezinhos que vão para a escola pública, porque os privados são para quem os pode pagar, como era o caso dos seus filhos.

Os tempos de espera para consultas e cirurgias no Serviço Nacional de Saúde, em especial nas áreas da cardiologia e da oncologia, têm aumentado. No Hospital da Guarda, para a primeira consulta de cardiologia, a espera já é de mais de 1400 dias. São mais de três anos só para a primeira consulta. Também para ajudar, os hospitais em regime de parceria público-privada, nomeadamente os de Loures e Braga, tidos como dos melhores do país, são hoje verdadeiros buracos na gestão e no cuidado prestado aos doentes. As famílias mais pobres, por falta de capacidade para suportar seguros de saúde privados, são, mais uma vez, as mais prejudicadas. A classe média que ainda pode, paga também esses seguros, prescindindo também assim de outros investimentos que podia fazer com o fruto do seu trabalho. As elites, naturalmente, já o faziam: para essas, o SNS é o último recurso, utilizável em situações limite, com os pés a entrar para a cova, para depois o elogiarem publicamente como o «melhor do mundo».

Os processos judiciais de natureza administrativa demoram, em média, 31 meses, e os de natureza fiscal 50 meses, sem contar com recursos. A média de duração de um processo judicial cível ronda um ano. Fazer valer os seus direitos em tribunal, graças às taxas de justiça e ao sistema de acesso ao direito, e suportar financeiramente os tempos de espera por decisões e execuções, é algo acessível a quem pode pagar – ou a pessoas abaixo da miséria, a quem o Estado garante o direito. Os «apenas» pobres e a classe média têm cada vez mais dificuldade em aceder à justiça.

A lista é interminável e chega a todos os sectores. Dos transportes públicos, de má qualidade e em greves constantes, aos elevados custos laborais, passando pelos aumentos da tributação indirecta, há um denominador comum nas políticas seguidas pelo PS desde 2015: com base no princípio de que é preciso atacar a riqueza, os pobres acabam por ser os mais prejudicados. Isso tem sido, porque a propaganda é necessária, artificialmente colmatado com apoiozinhos, subsidiozinhos, chequezinhos e, claro, com muitos e muitos anúncios de boas intenções atirados para gerar percepções públicas.

A mais recente «crise da habitação» (daqui a uns tempos talvez se fale em «emergência da habitação», é aguardar) e a fórmula que o Governo encontrou para responder a problemas que não conhece (sobre a ministra da Habitação, por exemplo, percebe-se que ela sabe o que é uma casa, suponho até que tenha vivido numa a vida inteira, mas mais do que isso é possível que desconheça) é mais um episódio que segue os mesmos trâmites: boas intenções, resultados agravados sobre os mais pobres, dinheiro despejado para subsidiar a miséria.

Nós devíamos estar a fazer perguntas e a tentar perceber o que não estamos a fazer ou o que estamos a fazer de forma errada; para perceber que tipo de problemas existe em concreto, em vez de andarmos feitos tontinhos a falar da «crise da habitação» como se se tratasse de um problema uniforme e generalizado, era mesmo útil discutir-se primeiro o problema, até para perceber se existe mesmo um problema, vários ou nenhum. Mas como nós não fazemos perguntas, até porque quem ocupa espaço público sabe perfeitamente que respostas quer e o resto vai andando, sim senhor, o Governo fez o que sabe fazer melhor e é apreciado pela generalidade dos portugueses: acolheu uma narrativa, diabolizou os inimigos que toda a gente neste país detesta (os ricos, os estrangeiros, os senhorios, os proprietários, os fundos imobiliários, os investidores, o alojamento local, enfim, qualquer espécie de vida dinâmica e independente), inventou um panfleto, fez um anúncio com pompa, teve o reconhecimento generalizado de que «recuperou iniciativa política», o beneplácito presidencial acerca dos «melões», fará algumas alterações legislativas para inglês ver, a maioria ficará na gaveta por manifesta impraticabilidade, as aprovadas revelar-se-ão novo fiasco para todos os interessados e, por fim, conseguiu cavar novas trincheiras na tribalização política e social.

Nos últimos anos, Lisboa e Porto encheram-se de estrangeiros que ali investiram o seu dinheiro e pagaram os impostos devidos. Instalaram-se em cidades onde o número de casas disponíveis não aumentou, fazendo aumentar a procura. Fizeram com as cidades o que o Estado, a miséria generalizada e uma política de congelamento de rendas secular não conseguiram: reabilitaram os centros históricos. Fizeram-no, naturalmente, à medida de quem o procurava e tinha dinheiro para o pagar. Mas também criaram riqueza e asseguraram empregos: empreiteiros, mediadores, canalizadores, electricistas, ladrilhadores, pedreiros, pintores, carpinteiros, advogados, contabilistas, notários, empregados de mesa, cozinheiros, gestores de condomínios, engenheiros, arquitectos, enfim, a lista dos beneficiados é imensa. Os preços das casas subiram, claro. Mesmo assim, para eles Portugal continuou e continua a ser barato. Por algum motivo, os rendimentos dos portugueses não acompanharam esta subida de preços. Num contexto de livre circulação de pessoas e capitais que o país vive, por alguma razão nós não acompanhamos o mesmo nível de rendimentos que muitos dos que aqui chegam possuem. Em vez de estarmos a fazer perguntas sobre as razões que nos levam a permanecer neste estado de estagnação salarial e crescimentos anémicos, resolvemos aceitá-los como naturais e rejeitar qualquer mudança que permita sair do marasmo e da podridão.

O segredo não está, pois, em querer um país que consiga competir com os mais ricos, mas antes em garantir a sua miséria relativa estabilizada e inquestionada. Um país, como o nosso, que aquilo de que mais precisa é de ricos, fica, afinal, afectadíssimo quando os vê chegar. É que a pior coisa que fizeram às elites da capital nos últimos anos, com a chegada de tantos estrangeiros com capital e rendimentos, foi o facto de esse movimento demográfico lhes ter esfregado na cara a sua mediocridade e até a sua pobreza, só disfarçada num país onde a maioria das pessoas circula entre o remediado e o sofrido. Como sempre, não é a ambição de melhorar a vida dos nossos mais pobres que está em causa. Esses continuarão a viver, como sempre viveram, fora dos grandes centros, dos subúrbios ao interior, sem transportes, sem rendimentos dignos, sem qualidade de vida, sem perspectivas. O que está de facto em causa é assegurar que a sofrível elite portuguesa possa continuar sem gente ao lado que lhe destape as misérias. Desde que não tenham de ir viver para o Lavradio ou para Mem Martins, que é de onde mandam vir as empregadas e o discurso sobre os pobrezinhos, tanto se lhes dá.

P.S.: Eventualmente, com a subida dos juros e com as novas regras de acesso ao crédito à habitação, é possível que a procura de imóveis reduza e os preços sejam forçados a descer qualquer coisa. Ao primeiro anúncio de descida de preços das casas, por mais pequeno que seja, o Governo fará questão de vir mandar dizer que essa descida se deveu às medidas que implementou ou que, se não implementou, quis implementar.

HABITAÇÃO E URBANISMO   PAÍS   GOVERNO   POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Nuno Oliveira: Infelizmente este é um retrato fidedigno da nossa realidade, para quem o quiser ler com honestidade intelectual e livre de "palas" ideológicas. Fico triste e com vergonha do que se tornou o meu país. O resultado das políticas socialistas aqui retratadas com exactidão, que têm o expoente máximo neste (des) governo do Sr. Costa desde 2015, e que tem como base o governo do Sócrates, de quem ele era número 2, mas vêm já de trás. Desde 1974. A escola pública deixou de ser o elevador social. O mérito não é premiado e para não deixar para trás, quem não se esforça, quem não estuda, quem não trabalha passam todos, até e também para não deixar mal na fotografia todo o sistema de ensino. " Encheram a cabeça" dos portugueses, desde tenra idade que tudo está ao seu alcance, que podem ter tudo, que todos " podem viver na Lapa" como diz a ministra da habitação. Depois esta narrativa esbarra com a cabeça na parede da realidade, a toda a velocidade e causa traumas. Traumas esses igualmente muito bem retratado no artigo. E vem ao de cima a inveja, o desporto nacional favorito das esquerdas. Como não conseguem fazer melhor, procuram culpados. E isso é perigoso. Como por exemplo a narrativa do direito à habitação sobrepor-se ao direito à propriedade... Procura legitimar os "OKupas". Que em Espanha foram os responsáveis por mais de 700 mil habitações, muitas delas que pertenciam a profissionais de saúde que durante a pandemia dormiam nos hospitais... Repito, estou muito triste e com vergonha do que se tornou o meu país e as perspectivas de futuro, que não tem. A miséria moral domina e gera a cada dia que passa mais fome e miséria. Nivelar por baixo é a única medida que permite ao governo e a esta pseudo-elite com cartão cor de rosa sobressair. E é tão facilmente fazê-lo. A maioria dos portugueses sabe ler, mas não percebe o que leu. E por isso o PS, este PS perpetua-se no poder. Sem uma ideia, um projecto racional para o país.              José Sequeira: Democratização da pobreza num País em que a mentalidade dominante é “eu não faço nada para ter mas não quero que o meu vizinho tenha”.              voto em branco: O pôr a maioria a votar para roubar os bens a uma minoria para que cada desgraçado receba um pouco do seu espólio da minoria roubada, é algo que a democracia permite mas nenhuma constituição democrática deveria permitir. e quanto mais desgraçados houver, quanto mais gente houver que não tem nada a perder, mais possível será fazer esse roubo de forma democrática. O Hitler fê-lo democraticamente com os judeus, o Hugo Chavez fê-lo democraticamente coma classe média e alta venezuelana, e os governos já o fazem com impostos que sobem exponencialmente consoante os rendimentos, com impostos sobre o património (isto é como que nacionalizar o património e o dono do mesmo ser arrendatário do Estado) e agora querem fazê-lo totalmente à descarada. O povo não pode votar em quem quer, porque escolhe quem vai a votos são os partidos, em processos totalmente corrompidos, e metade do território não se pode expressar democraticamente porque está num círculo eleitoral que elege tão pouca gente que (aliado ao método de hondt) o seu voto só faz sentido se for voto útil. e só os eleitores do Porto e Lisboa é que podem votar no seu partido favorito, mesmo que sendo um partido minúsculo, porque só nesses locais elege-se gente suficiente para que um voto num partido pequeno seja útil.             Fernando Cascais: Não é só o governo, o povo também está estragado. Cada vez existe mais gente a não querer vergar a mola e a preferir viver de subsídios. Isto já está perdido. A esquerda ganhou o país e já não há nada a fazer. Vaser sempre descer.                JP: O segredo não está, pois, em querer um país que consiga competir com os mais ricos, mas antes em garantir a sua miséria relativa estabilizada e inquestionada. Um país, como o nosso, que aquilo de que mais precisa é de ricos, fica, afinal, afectadíssimo quando os vê chegar. É que a pior coisa que fizeram às elites da capital nos últimos anos, com a chegada de tantos estrangeiros com capital e rendimentos, foi o facto de esse movimento demográfico lhes ter esfregado na cara a sua mediocridade e até a sua pobreza, só disfarçada num país onde a maioria das pessoas circula entre o remediado e o sofrido. Como sempre, não é a ambição de melhorar a vida dos nossos mais pobres que está em causa. Esses continuarão a viver, como sempre viveram, fora dos grandes centros, dos subúrbios ao interior, sem transportes, sem rendimentos dignos, sem qualidade de vida, sem perspectivas. O que está de facto em causa é assegurar que a sofrível elite portuguesa possa continuar sem gente ao lado que lhe destape as misérias. Desde que não tenham de ir viver para o Lavradio ou para Mem Martins, que é de onde mandam vir as empregadas e o discurso sobre os pobrezinhos, tanto se lhes dá. Tudo se resume a este parágrafo. Obrigado.             José Manuel Pereira: Mais um excelente artigo de opinião. Infelizmente a nossa miséria material tem origem na imensa miséria intelectual e moral que obnubila qualquer simples resquício de ideias, eleva a chico espertice a dom sublime, faz da inveja negativa e destruidora de valor um imenso valor emocional e até intelectual, cria uma total satisfação com a mediocridade, fazendo-a parecer sofrível e por vezes sublime até... Tudo isto, e não é pouco, traz a morte anunciada a um país que assim se foi tornando iníquo. A actual elite não é elite, é um grupo de assalto enquanto os deixarem lambuzar-se naquilo que é dos outros em benefício próprio. Não estão lá com sentido de Estado e governar o país e o povo que o habita, estão lá para se governarem a si mesmos, traindo o povo onde for necessário trair para que eles próprios fiquem bem. Tudo isto só foi possível manter porque os Alemães e outros do Norte Europeu nos foram pagando as contas... Acabará, e vamos todos pagar por gerações o desmando destes boçais auto intitulados "animais políticos". Que enorme tristeza que isto tem sido... E parecia tão fácil fazer diferente... Agora já não sei se ainda vamos a tempo.        Lily Lx: É isto. Só discordo da parte que diz que os estrangeiros vêm e pagam os seus impostos. Pagam muito menos de impostos do que eu ou o autor.            Jorge Almeida > Lily Lx: Limitam-se a cumprir o que está na lei. Se a lei estabelecesse que você deveria pagar apenas 50% do que paga actualmente, iria contestá-la? Apresentava um requerimento para ser excluído desse benefício? Entregava a diferença ao Medina? Oferecia aos mendigos de Lisboa?                     Paulo Botica: lúcido como sempre            Rita Salgado: Parabéns! Retrato fiel da miséria de país que temos.               Carlos Real: A degradação dos serviços públicos é por demais evidente. Simplesmente não devemos tirar a conclusão de que os mais pobres foram totalmente mal tratados pela desgovernação chuchialista. O facto de o salário mínimo ter subido substancialmente na era Costa faz com que o PS tenha mais de 30% dos votos. Quem vive do turismo e da agricultura nunca esteve tão bem na vida. Eu que vivo numa aldeia alentejana, com os vizinhos das reformas mínimas, vejo a facilidade com que recorrem aos exames médicos, a medicação, a cervejola e no final ainda esgotam os bolinhos na padaria. A estagnação da nação é evidente nestas duas últimas décadas, mas as estatísticas dos 4 milhões de pobres, escondem e muito a economia subterrânea. Não é por acaso que eu chamo carros do povo aos Mercedes, BMW, e Audis. É o que se vê mais, mesmo no interior dito da pobreza            Manuel Chagas: Diagnóstico perfeito, parabéns! Já encontrar a cura será mais difícil que encontrar o Santo Graal, infelizmente.            Tristão: Portugal não precisa de estrangeiros, todos eles: - Os ricos causam o aumento do custo de vida dos portugueses e esfregam-nos na cara o quanto pobres somos, uma lástima. - Os pobres, para além de tirarem o emprego aos portugueses e baixarem os salários pela concorrência que lhes fazem, ainda criam caldos de cultura para gangs e afins aumentando a criminalidade e insegurança. - Quantos aos turistas, pois é, são uma praga, provocam a gentrificação urbana para além de transformarem o país numa Disneylândia. Conclusão: fechem-se as fronteiras e voltemos ao orgulhosamente sós … e pobres como quase sempre 😅            TIM DO Ó: É o socialismo. Nivela sempre por baixo. Os mesmos procedimentos dão sempre os mesmos resultados. Porque o povo português gosta de copiar a Venezuela? Se votassem por copiar a Irlanda, éramos todos ricos e não todos pobres.     Manuel Cardozo: Infelizmente é isso mesmo: incapaz de fazer com que os nossos ordenados subam o governo inventa leis para tentar assegurar a sua sobrevivência política com o apoio do melão que de tão maduro já está podre. O problema é que sem eleições não vamos ser capazes de correr com eles...a menos que o mercado estoure nas suas mãos enquanto deitam foguetes.             F. Mendes: Parabéns ao Gonçalo Poças, por este excelente artigo! Estou totalmente de acordo com o que escreve, e da forma como escreve. Infelizmente, o artigo resume-se assim: a nossa falta de ambição, combinada com a tão portuguesinha inveja e o pavor das "elites" a verem exposta a sua mediocridade e comprometidos os seus privilégios, está a contribuir para lamentáveis resultados, crescentemente visíveis. Não queremos acabar com os pobres, queremos acabar com os ricos. E toca a nivelar por baixo, tendo cada vez mais gente a depender do estado. Gostei da descrição feita sobre o circuito económico gerado a partir do investimento imobiliário. Devia ser lido pelas nossas "elites", que parecem ignorar princípios básicos de Economia.

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