Este do “Silêncio” - “gritado” - de Maria
João Avillez.
O silêncio
Na onerosa série nacional “A TAP” já
em quarta temporada, tudo é mau - guião, interpretes, realização. Reduzi-la a
is so ficaria porém longe de um escândalo que nos humilha,
nos ofende e nos rouba-
MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista,
colunista do Observador
OBSERVADOR, 08 mar.
2023, 00:2257
1Que estranho tempo português é este?
Desistiu-se? Parece.
Estamos perante uma voluntária demissão de nós mesmos? Parece. O berço onde
vimos a luz do dia passou a ser uma vulgar morada em vez de matriz que nos
responsabiliza e raiz que nos obriga? Também parece e “parecer” já é imenso. O
país habituara-nos á sua histórica oscilação entre a auto-depressão que o
aconchegava e a glória que o “orgulhava” mesmo que hoje só no futebol e não já
em expansões e Impérios. “Há duzentos anos que é assim”, lembra-me
persistentemente um amigo. Eis porém que agora se passou para um ambiente “em
modo de desistência”, numa imensa desconformidade com a realidade.
2a) A Saúde, que o
Estado diz garantir como direito, mas que há sete anos é ideológica antes do
mais, assiste a demissões em cadeia, atende entre a desordem e o caos
“fechando” serviços prioritários devido a planificação irresponsável, abrindo e
reabrindo sem método mas com intermitência. Deixando “em espera” (eterna) os
que “não”: não têm dinheiro,
não têm protecção, não têm alternativa.
b) A escola pública há sete anos
ideológica antes do mais, fecha semanas seguidas com alunos reféns de
negociações intrigantes: quem negoceia com quem? Quem representa quem, que se passa no intricado novelo de negociadores
governamentais, partidos, sindicatos, professores?
c) Após a continua indiferença
governamental pelo sector da Habitação traduzida na incompetência de anos do
maestro António Costa, chegou subitamente um “aqui d’el rei” sob a forma de
um power point inconcebível. Vale tudo numa pressa atamancada que
nunca substituirá um critério racional de intervenção. O assunto está aliás tão mal entregue que vão sobrar mais estragos
que resultados e mais guerra do que paz.
d) Na Justiça — onde há processos que parecem ter selo de
garantia de prescrição — os ricos pagam a advogados poderosos para que lhes
adiem as chatices até ao limite da decência enquanto o comum dos mortais,
incapaz de competir com jogo tão ardiloso, sofre anos a fio com uma burocracia
que tudo seca em seu redor (um dia alguém deveria fazer contas para saber quanto
o país pode ter empobrecido só á conta do que não se fez devido à sua
implacável burocracia).
e) Na onerosa série televisiva “A TAP”,
série nacional já em quarta temporada, podia apenas ser tudo mau – guião,
interpretes, realização. Reduzi-la a isso ficaria porém a anos luz de um
escândalo que nos humilha, nos ofende e nos rouba. Mas que não se confundam protagonistas:
não se equivalem de todo na responsabilidade, na culpa, no aproveitamento, no
comportamento. Custa de resto a crer que em quatro temporadas o que quer que
fosse ocorrendo no guião da série não fosse do total conhecimento do dr.
António Costa e feito com a sua autorização. Ou muito me engano ou não vai
haver mãos para a litigância.
3Portugueses com particulares
“obrigações” – senadores,
ex-governantes com assinatura no país, presidentes e ex-presidentes de
confederações e associações, altos quadros, gente da economia, gente que pensa
Portugal, gente que habitualmente intervinha – estão em modo de desistência? Como se
tivesse erguido um acolchoado biombo entre a sua voluntária instalação na
indiferença e a vontade de vestir a camisola do país. Indiferença adormecida.
Conformam-se com Portugal como ele está, aparentemente não se perturbando por
aí além que não deva estar. Dali não vem um som. A crítica ou a indignação
audíveis face a um governo em decomposição chega-nos muito dos écrans, pouco da
sociedade civil. A esperança de um melhor destino colectivo exigiria mais.
Enquanto a pátria recua, o
inimaginável avança, galgando pontos diariamente. Nada como a eloquência do “vivido”: quem diria
ontem que as nossas linhas férreas se poderiam alguma vez confundir com as
da Índia profunda com carruagens de comboios indescritivelmente atulhadas de
gente? Que a correcta e completa
aplicação do PRR, última esmola com que podemos contar com razoável segurança,
é afinal hoje mais incerta e sobressaltada do que nos garantiam ontem; que a gangrena da corrupção vai também
ela galgando o corpo do país, ampliando a infecção dia a dia; que o SNS – repito, pela ininterrupto
sofrimento que causa – consegue estar pior hoje que ontem (mas espantosamente
talvez menos mal que amanhã): de que serviu a contratação de um duplo para
Manuel Pizarro? Que tem feito o duplo? Se Roma e Pavia não se fizeram num dia,
a responsabilidade política teria aconselhado a Fernando Araújo algum gesto (
nem que pequeno, nem que apenas vagamente estimulante). Para que não se
considerasse hoje que afinal dois cavalheiros – Araújo e Pizarro – não
conseguem fazer melhor do que um deles, Pizarro, fazia ontem sozinho para
minorar um insuportável estado de coisas.
(Se Paulo Macedo fosse menos avesso a
expor-se à media, valia a pena perguntar-lhe como se orientou nos pesadíssimos
tempos da troika: alguém se lembra de algo de sequer semi-parecido – não
parecido, só semi-parecido – com o que ocorre hoje neste domínio, o mais
transversal, o mais urgente, aquele – regra sem excepção – que quando falha ou
falta, penaliza automaticamente os fracos e frágeis?*
4Dirão que são queixumes. Mais do mesmo.
A cantilena do costume (há outra? ) Neste
pequeno canto português á beira mar que não desiste de desistir, onde moram
muitos velhos e de onde abalam muitos novos, Portugal não é o país vendido pelo
governo e cantado pelo PS. Oxalá fosse ou venha a ser. Ate lá, e face a pré
-avisos de futuros sombrios, abala-se. Ou entristece-se.
5Admito que o que acima escrevi seja
considerado exagerado, quem sabe se violento, certamente injusto. Peço
desculpa. Digamos que a impressão de instalação na desistência e o silêncio cansado
que envolve o país é directamente proporcional à estranheza que me causam mas
isso ainda seria o menos. O mais é o péssimo sinal que Portugal emite de si
mesmo quando confrontado diariamente com o seu aparente alheamento.
Um filho perguntou: “que escreverá a mãe
de pior daqui uns meses, para o ano?”
Deixo a resposta à consideração do
leitor.
5Duas notas.
1) Se a Igreja somos todos nós, lamento que alguns dos
srs. Bispos tenham aparentemente esquecido a sua parte. O teor da última
conferência de imprensa da Conferencia Episcopal, a sua forma e conteúdo
permanecem para mim um mistério: não se viu uma estratégia, o anúncio de uma
actuação concertada, o sinal de vontade e decisão. Não se viu quase nada do que
se deveria ter visto. Observou-se
melhor o descaminho que uma proposta de caminho. Ninguém, a começar obviamente nas vítimas que
(indizivelmente) sofreram e sofrem com este flagelo e a acabar na plateia do país,
compreendeu nem mereceu o resultado da reflexão que nos foi apresentada e que
se suporia que tivesse sido outro. Como se explica que entre o dia 13 de
Fevereiro e o dia 3 de Março não se tivesse cuidado de que tudo, daí em diante,
ficasse decisivamente mais claro em vez de mais turvo, mais determinado em vez
de mais indefinido? Ou o Espírito Santo sopra com mais fôlego e fulgor ou não
sei.
Resta-me ainda lamentar que críticas
pessoais – infundadas e persecutórias mas logo automaticamente mediatizadas –
feitas a vultos da Igreja, por vultos dentro da Igreja e fora dela, substituam
a consideração e o respeito que esses vultos justamente nos merecem.
2) No último sábado um jantar reuniu no
Porto 100 ex-membros do Chega para assinalar a sua saída do partido e o
ingresso-regresso ao CDS. Esta invulgar operação não suscitou curiosidade, a
media pouco ou nenhum relevo deu, uns vagos rodapés nos écrans. E no entanto o
movimento merece atenção e o caso, politicamente interessante, suscita
perguntas (e respostas).
* Uma coisa é certíssima, já de resto a
observámos bem no longo padecimento da pandemia: O SNS está de pé graças à
dedicação e à generosidade dos seus recursos humanos, provadamente capazes de
sem limite, dar o seu melhor de si mesmos.
COMENTÁRIOS (de 66):
Manuel Joao Borges: Muito bem Manuel Martins: Concordo no geral. Nota-se muita resignação, sobretudo motivada pela constatação que o sistema montado pelo PS de tudo controlar, de se ter tornado intocável, secou qualquer alternativa de poder. Por outro lado, verifica-se um surpreendentemente elevado nível de revolta em muitos sectores, com manifestações, greves, demissões, etc. Não consigo inferir se esta revolta terá efeitos políticos, mas , para mim, a política de teatro, camuflagem e auto preservação já não está a ser tão eficaz pois os seus resultados já não conseguem ser escondidos... Maria Paula Silva: Muito bom! Não é de todo exagerada, nem violenta (credo!), nem injusta. Até falta dizer algumas coisas. Quanto ao SNS, já que pergunta, nunca o vi tão mal, tinha alguns problemas mas no geral funcionava bem: Sempre usei o SNS, sem queixas nem problemas, antes pelo contrário, fui sempre bem atendida e tratada e tive o privilégio de ter uma excelente médica de família que se reformou o ano passado. Nunca aderi aos seguros de saúde porque nunca achei necessário e sempre pensei que a adesão aos seguros de saúde contribuiria para a morte do SNS. Hoje, tenho medo de ter um treco e não saber para onde ir. Quanto ao resto.... atingimos, sem dúvida alguma, um nível de mediocridade assustador em que são premiadas a incompetência e a capacidade de obedecer (às ordens do grande maestro, como lhe chama). Peças de um mau xadrez cujo objectivo é a destruição do pouco que resta. É assustador. O poder em demasia na mão de uma só pessoa (seja ela de esquerda ou de direita) é sempre muito perigoso. Quanto à charada da habitação..... ahahah, sinceramente?, espero que venha a ser um tiro no pé do próprio Costa e não aquilo que parece à 1ª vista: um passo para o totalitarismo. Obrigada, MJA! Ana Torres: Excelente artigo! Que retrato tão sombrio e real deste país. Tenho pena que não haja na sociedade civil, pessoas de gabarito que levantem um movimento e que se acabe com este desgoverno! miguel cardoso: Exma. Senhora: Como Católico, Apostólico, Romano, (e não sendo ninguém) faz-me confusão que a Igreja que tem talvez o mais formidável passado de assistência e apoio às gentes (indiscutível até para os mais cépticos ou ateus, basta pensar, para o nosso micromundo, nas nossas Misericórdias) não recorra a meios mais pensados para transmitir a sua mensagem e a sua defesa, e esteja a utilizar as declarações de Bispos nitidamente impreparados para dar respostas.
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