Um reviver simpático de emoções e conhecimento sócio-económico que nos
deixa comovidos e agradecidos nas referências toponímicas, como na referência
às gentes com quem vivemos - na superioridade paternalística de odiosos colonizadores
apenas, segundo conceitos racistas em voga hoje, jamais olhados como pessoas
que ali trabalharam, bem ou mal, como por cá, com preconceitos raciais,
naturalmente, mas não impedindo o crescimento cultural das populações nativas
que tivessem possibilidade disso. Salles da Fonseca foi capaz de voltar a
Lourenço Marques, porque gostou daquela terra de gente simpática. Eu não seria
capaz de o imitar. Em 1955, na primeira viagem de férias que o governo português
permitiu aos estudantes universitários ultramarinos, de que fiz parte,
desfiz-me em lágrimas ao sobrevoarmos a bela e esquadriada capital moçambicana,
onde nascera e crescera, mas hoje não quereria voltar. É claro que as
experiências de Salles da Fonseca são mais recentes, mais inteligentemente
apreciadas e menos afectivas, mas transbordam de dados que tanto me apraz ler à
distância e ficar-lhe grata por isso. Afinal, sinto amor por essas gentes de
terras que foram portuguesas e que amámos como coisa ligada à nossa pátria e
aos valentes que lá chegaram. Por isso os sentimos também nossos. E desejamos
só que cresçam, felizes, livres e não presa de outros mais exploradores ainda, nos
artifícios habituais de quem pode mais. Como por aqui, afinal.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 04.08.19
A causa do desenvolvimento foi
traída de várias formas. A cada um a escolha do seu traidor.
Traídos,
havia que salvar os dedos deixando ir os anéis. Regressei a Lisboa.
Desembarcado,
colaborei activamente na criação da democracia pluripartidária, criei
estabilidade profissional, casei, tivemos duas filhas e quando elas já estavam
encaminhadas, foi altura de rever Moçambique.
Foi
numa conversa informal que, por mero acaso, disse ao Francisco Lucas Pires
que ia rever Moçambique e logo ele me respondeu que uns tempos antes tinha
ido a Angola (já com José Eduardo dos Santos) e a Moçambique (ainda com Samora
Machel) onde vira duas realidades completamente diferentes. E descreveu-as
de modo bem sintético: em Luanda, os prédios estavam todos degradados; em Maputo, depois
da devolução dos prédios aos proprietários que regressavam, o parque
imobiliário estava em vias de recuperação; em Luanda, com os preços definidos
por decreto, não havia nada nas prateleiras das lojas; em Maputo, com a
liberalização dos preços, uma couve podia ser cara ou mesmo muito cara mas
estava na banca do mercado municipal para que alguém a comprasse.
Não
tencionava ir a Angola e não fui mesmo. Voámos directamente de Lisboa a Maputo
num voo de 10 horas.
Descolando
para Sul, sobrevoámos Setúbal, rumámos a Sevilha e daí a Argel onde já era
noite. Voo sem história, amanheceu quando entrávamos pelo norte de Moçambique e
aterrámos com manhã aberta em Maputo. Esperava-nos o transfer do Hotel Polana. Estava tudo nos
mesmos sítios em que eu tudo tinha deixado 32 anos antes mas com mais gente ao
longo das avenidas e ruas por que íamos passando. Os nomes das ruas é que
deviam ser diferentes mas como os de antigamente pouco ou quase nada me diziam,
não me preocupei em conhecer a nova toponímia maputense (ou será maputana?). O
motorista que conduzia a dúzia de «transferidos» foi-nos avisando de que os funcionários
municipais da recolha dos lixos estavam em greve e que não nos admirássemos
se víssemos a cidade suja. Alertado, olhei e não vi a cidade especialmente
suja. Vi, sim, montes de lixo a encher e à volta dos contentores e a leitura
que fiz foi a de que a população juntava ali o lixo, não o deixava a esmo. Nota
positiva para a população; registo de que a greve era legal.
Chegados
ao destino, foi com emoção que vi o «meu» Polana a
reluzir, igual ao que era quando eu por ali andara. Entrámos e tudo reluzia
como antigamente. Fizemos o check in para o Polana Mar e ao atravessarmos o
jardim da piscina, eis-me a regressar a 32 anos antes. Só as pessoas eram
diferentes, não reconheci ninguém. Por que seria…??? Até que, já a entrar no hall das escadas que desciam da
piscina para o Polana Mar, ouvi chamar -Doutor! Doutor! Era um
funcionário todo fardado de branco como por ali sempre se usara com quem
trabalhava na piscina. – O Senhor, de volta, seja
bem-vindo. Eu era o “mufana” das toalhas no antigamente. Correspondi
ao simpático acolhimento da forma mais consentânea com o espanto de um
reconhecimento tão longínquo e segui escada a baixo. Mas logo comentei com a
Graça que não me lembrava nada dele. “Mufana” significa criança e o Polana nunca nos «meus» tempos usou
trabalho infantil. Aquilo era discurso-chapa que aquele Fulano usava quando
via um português a chegar. Era estratégia de simpatia para se fazer à gorja.
Antes assim do que de modo menos simpático. Por acaso, não sou engenheiro e ele
acertou no título mas podia ter deitado tudo a perder se tivesse errado.
Chegados
ao quarto, aquela vista deslumbrante sobre a baía a que os «bifes» chamavam Delagoa Bay. E por aqui me fico hoje a ver a vista…
Amanhã há mais. Agosto de 2019 Henrique Salles da Fonseca
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 05.08.19
Passados
32 anos, lá estava, ali mesmo à nossa frente, a famosa «árvore de Natal», um
dos grande reflectores de radar que delimitavam o canal de navegação desde a
entrada na baía de Lourenço Marques até ao cais comercial e de passageiros
frente à baixa da cidade. E o dia, límpido, mostrou a outra margem da baía, a Inhaca, onde, há tantos anos eu fora de avião
passar o dia com a Guida, a Teresa e o Nixa (António) Lacasta. Mais à esquerda e
bem mais perto, a Xefina, aquela ilha
presídio militar cuja guarda mais eficaz era constituída por vorazes tubarões.
Ali mesmo à direita, no cimo da arriba pela qual o nosso hotel se deixava
descer, o «Prédio Horizonte» em cujo 6º
andar eu morei durante o meu período moçambicano já como civil (ver foto da
crónica anterior, o prédio mais alto no canto superior direito da imagem).
Dadas
as explicações à Graça, desfeitas as malas e refrescada a cara, estava na hora
de irmos dar um giro pela cidade. Mas havia que trocar Euros por
Meticais.
No
próprio hotel o fizemos e lembro-me perfeitamente da conversa que tivemos com o
bancário para além da cotação que já esqueci, que estava afixada e não era
discutível:
-
Quanto acha que devemos levar para um dia na cidade, incluindo almoço, um táxi
para baixo e um táxi de volta?
- Ah!
Para aí uns 6 milhões devem ser suficientes mas na baixa há muitos bancos onde
podem cambiar mais se for necessário.
Caramba!
6 milhões era um volume enorme em qualquer bolso que chamaria muito a atenção
de qualquer gatuno. Distribuídos os milhões todos por tudo quanto era
esconderijo, lá nos fizemos à rua com a informação de que se tratava duma cidade
relativamente segura mas, claro que seria conveniente a Senhora não
exibir muitas jóias verdadeiras ou de imitação. Tudo bem, a Graça já tinha
decidido deixar no quarto essas decorações pelo que o problema não se
colocaria. E não se colocou. Nem esse problema nem qualquer outro: o dia
correu lindamente e já conto um episódio ou outro.
Mas,
antes disso, fiquei a pensar no valor do Metical. Como foi possível aquela
moeda chegar tão baixo? Estamos a falar dum país com economistas ilustres
colocados em lugares tão importantes como Governador do Banco Central, como
Ministro das Finanças, como Vice-Primeiro Ministro e como Primeiro Ministro.
Não estamos a tratar de uma moeda sujeita a vilanias típicas de déspotas
ignorantes. Bem sei que tudo teve que ser feito a partir do zero quase absoluto
pois o «ouro dos magaíças» voava rapidamente para
Lisboa de cada vez que chegava «do John».
Mas, entretanto, esses voos já tinham acabado havia uns anos, o turismo
retomara alguma importância, as exportações de caju nunca tinham cessado por
completo, com o país já sob a presidência de Chissano e com o Acordo de Paz já
em vigor entre a Frelimo e a Renamo, não tinha havido convulsões no seio do
grupo de países doadores nem no FMI. Porquê, então, um câmbio tão baixo para
não dizer vergonhoso?
Pelos vistos, o «rombo» provocado
pela guerra civil fora maior do que eu imaginara, a emissão monetária poderá
nessa época não ter sido tão conforme às regras que aprendemos nas escolas de
economia, o desequilíbrio do comércio externo durante esse período tão
conturbado não ajudou à «festa», etc. E como estávamos longe do gamanço das
dívidas ocultas! Eu creio que naquela época, o país tenha sido gerido o melhor
que as circunstâncias permitiam mas os gatunos já deviam andar a espreitar e a
fazer das suas como se viu depois. Mas naquela época isso era futuro e gente
séria não pensava nessas coisas.
Entretanto,
talvez seja bom para todos nós que apareça quem saiba mais do tema e venha aqui
explicá-lo. Aguardemos…
Amanhã há mais. Agosto de 2019. Henrique Salles da Fonseca
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