sábado, 31 de agosto de 2019

De ir às lágrimas



Uma panorâmica perfeita das excentricidades pedantes deste nosso mundo fraudulento que não se coíbe de escarrar, do fausto das suas empreitadas de custos vultuosos, figurinhas da nossa ternura inócua, endeusando-as, como meios de alerta previdentes, quais pitonisas avisadoras, dos destinos da humanidade, para a nossa parolice dengosa e cega ante o paradoxo. Tal é o artigo de Alberto Gonçalves, de uma causticidade sem peias, na sua troça impagável, que muitos comentadores admiram – troça que merecemos, mas sem resultados práticos, laracheiros que somos, para mais hoje, tempo de selfies…
A pequena Greta e os seus minúsculos devotos /premium
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 31/8/19
A pequena Greta mostrou aos brutos que atentam contra a natureza a maneira correcta de se viajar: em veleiros que pertencem a príncipes e custam milhões.
Após enfrentar a fúria dos mares e as más-línguas que a dizem patrocinada por lobbies políticos e empresas de energias “verdes”, Greta Thunberg chegou enfim à costa americana. Em Nova Iorque, foi recebida por 200 pessoas, ou cerca de 0,002% da população local. Melhor ainda, recebeu uma mensagem do eng. Guterres, sujeito com olho para identificar causas nobres e descobrir novos talentos. O eng. Guterres elogia a “determinação e a perseverança” da pequena Greta durante a epopeia marítima (entrou num barco e ficou nele até atracar). O elogio é merecido. Desde logo, a pequena Greta mostrou aos brutos que atentam contra a natureza a maneira correcta de se viajar: em veleiros que pertencem a príncipes e custam milhões. Se você, pobre de espírito, não desencantar um veleiro semelhante para se deslocar ao Algarve ou a Torremolinos, resta-lhe permanecer em casa, e investir os mil e duzentos euros das férias a emoldurar retratos da pequena Greta, a santinha que faz jus à época.
Entretanto em Manhattan, a pequena Greta regressou ao activo, ou ao “activismo”, que é o trabalho dos que não trabalham em profissões chatas e mal remuneradas. Segundo o “Público”, a missão da pequena Greta começará com uma “greve pelo clima” em frente à sede das Nações Unidas. O “Público” não explica a que é que a pequena Greta faz greve. A um emprego nas minas de Skellefteå? À escola? A um workshop de rendas de bilros? Certo é que a pequena Greta saberá educar os americanos sem educação (um pleonasmo) nas matérias ambientais. É curioso ter sido necessário uma criança de 16 anos – diagnosticada com autismo ligeiro e à espera de um diagnóstico de presunção terminal – para alertar a humanidade sobre os perigos que a ameaçam. E é curiosíssimo que a criança nem sequer precise de dizer nada de especial. E não diz. No meio da ignorância própria da idade e do deslumbramento, a pequena Greta, que pede ao sr. Trump que “ouça a ciência”, limita-se a repetir os clichés da ortodoxia e, quando estes não parecem suficientemente assustadores, a inventar versões distorcidas dos clichés. No fundo, a pequena Greta traduz o típico alarmismo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para uma linguagem mais alarmista, mais simples e mais adequada a cabecinhas como a do eng. Guterres e dos eleitores do PAN.
Exemplos? Há três ou quatro meses, um relatório do IPCC avisava “ser provável que o aquecimento global atinja 1,5ºC entre 2030 (ou daqui a 11 anos) e 2052 se continuar a aumentar à taxa actual”. No dialecto da pequena Greta, a frase transformou-se em “De acordo com o relatório do IPCC, estamos a 11 anos de se iniciar uma reacção em cadeia humanamente incontrolável”. É a mesma coisa? Não é a mesma coisa: é mais alarmista, mais simples e mais mentirosa. E é o estilo de primarismo notável e demagogia pedagógica que convém aos tempos que correm, tempos que não deixam os meros factos atravessarem-se no caminho de um bom pânico generalizado. Se a salvação da Terra implica reduzir a respectiva população a níveis medievais de crendice e fanatismo, força. O importante é legar um planeta imaculado aos nossos filhos. Na condição, claro, de os nossos filhos serem tão conscienciosos quanto a pequena Greta. Se não forem, os fedelhos e o planeta que se lixem.
O que vale é que há esperança, e pequenas Gretas em abundância. Passei a semana anterior com amigos numa casa de praia na Catalunha, região em que jurara nunca pôr os pés (salvo pela temperatura do mar, evidentemente resultado das perturbações meteorológicas, não valeu a pena quebrar a jura). Os amigos têm prole, uma garota de 5 anos e duas adolescentes. Todas reproduzem o que aprendem na escola. Na escola, aparentemente, a petizada não aprende português, matemática ou a discernir que “funk” brasileiro não é música. Em compensação, absorve farrapos soltos de informação inútil ou discutível. Ou seja, os meninos e as meninas partilham os palpites da pequena Greta e do semi-alfabetizado médio.A separação do lixo é fundamental” (concedo que o lixo unido é difícil de aturar). “O homem está a destruir tudo” (não identificaram o homem em questão, pelo que não pude apresentar queixa nas autoridades). “A Amazónia é o pulmão do mundo” (e o parque de Monsanto, um joanete?). Etc.
Significa isto que a reciclagem não é importante? Depende. E que a intervenção humana não é influente? Depende. E que a Amazónia não é o pulmão do mundo? Depende. No que toca à ecologia, tudo depende imenso, e por depender assim é que evito convicções firmes nesses domínios do conhecimento. Veja-se o caso da exacta Amazónia, que ardeu numa escala incomparável nos idos de 2004, 2005, 2006 e 2007. Alguém elevou o tema a manchete angustiada? Alguém organizou petições internacionais? Alguém convocou milhares de criaturas a fim de protestarem nas capitais? Alguém pediu a intervenção de chefes de Estado e milagreiros diversos? Alguém, em suma, se maçou? Ninguém. Porquê? Porque na altura o presidente do Brasil era o sr. Lula e não dava jeito criticar um amigalhaço dos pobres, dos oprimidos, da cachaça e de uns trocos por fora. Hoje, que o presidente é o sr. Bolsonaro, ai Jesus que a Amazónia está em chamas. Ai Jesus, vírgula: as aflições versam apenas a parte da Amazónia que pertence ao Brasil. A da Bolívia, governada por outro camarada com consciência social, pode desaparecer à vontade. Aliás à imagem das florestas de Angola e do Congo, em processo de combustão acelerada e ignorada. O ambiente é um assunto complicado, tão complicado que só uma criança o entende. Uma, ou milhões delas.
COMENTÁRIOS
Pedro Reis: Tempos medievais aproximam-se. Antigamente era a falta de informação, agora é o excesso de dela. A informação e desinformação é tanta que andam que nem baratas tontas, ao sabor de modas e de novos credos. Como que à espera de encontrar um caminho, esperou-se por um homem providência, hoje dá-se crédito a uma Greta endeusada.
Antonio Fonseca: " Há três ou quatro meses, um relatório do IPCC avisava “ser provável que o aquecimento global atinja 1,5ºC entre 2030 " Estas previsões são uma forma de terrorismo. Quando o ZERObama foi presidente dos USA encomendou um estudo ECOTERRORISTA onde se concluía que partes dos USA iriam ficar submersas. Entre elas Martha's Vineyard. Agora o mesmo ZERObama vai comprar uma mansão em Martha's Vineyard por 15 milhões. É ver como levam a sério essas previsões.
Manuel Marques 1. Após 2001, 2018 foi o ano recordista do menor número de fogos, em 2019 cresceram uns 60% mas mesmo assim é um dos anos com menos fogos florestais no Brasil. https://forbes.uol.com.br/wp-content/uploads/2019/08/gra%CC%81fico_ince%CC%82ndios_florestais_26.jpg 2.O luxo industrial de um veleiro que permite retornar à Europa cavalgando um único sistema frontal https://www.youtube.com/watch?v=diM1h4WTSgc  Qual a pegada humana envolvida na construção deste iate hi-tech?
Cinete: Eu sou dos que gosto imenso desta pipi das meias altas (não reparei no tamanho, mas concedo) e, solidário com ela, também quero ir a NY protestar, fazer greve ou atirar tomates ao Trump. Pouco importa, sou a favor do ambiente e tudo o mais. Como não tenho dinheiro nem um príncipe com um barquito de € 34.000.000 (número que li algures como sendo o custo do dito) fico por cá, a lamentar Pedrógão, Monchique, etc., que não queimou nada de relevo e, no entretanto, aproveitei ver um programazito no canal Odisseia intitulado, salvo erro, "Como o clima mudou a História", o qual foi um pouco mais elucidativo que as tretas da pipi acima referida e concluiu, como é óbvio, que a única permanência ao longo dos milénios a nível do clima é que está sempre a mudar (eu já desconfiava disso, pois quando uma vez estive na cidade de Óstia, em Itália, só assim se percebia porque é que aquele imenso e antigo porto romano de mar do século I da nossa era estava tão longe... do mar. É que, como é óbvio, o clima entretanto foi mudando e o porto... secou!)
José Ramos A pequena Greta, e os miúdos da sua idade, devido à sua pouca idade e nenhuma experiência, estão sujeitos ao tipo de doutrinação em voga em cada época ministrada por gente crescida, responsável e com interesses enormes, geralmente camuflados. A diferença entre os miúdos de hoje e, por exemplo, os dos anos de 1960 - garanto que houve tipos encharcados em ervas de proveniências diversas, ácido lisérgico e outras substâncias, que acreditaram conseguir fazer levitar o Pentágono através da concentração das suas alucinadas mentes - é que os de hoje são levados a sério por uma sociedade cada vez mais infantilizada e acrítica, A mundivisão e os desejos da pequena Greta não andam longe dos disparates e discursos feitos por outras Gretas de décadas passadas, ligeiramente mais crescidas que esta e geralmente candidatas ao título de Miss Universo ou algo parecido. Hoje, como essas coisas são consideradas "incorrectas" por censoras puritanas de carregar pela boca e, geralmente, com o prazo de validade ultrapassadíssimo há lustros, as Gretas metem-se no veleiro fino e rumam às NU. Antigamente, com um bocado de sorte, iam apanhar sol junto à piscina de Hugh Hefner e talvez viessem a ser Miss July ou September.
Fernando Gomes da Costa Pelo menos construímos um elo com a petizada. No nosso tempo, a Pipi das Meias Altas. Agora a Pipi das Marés Altas...
Paulo Silva: Lido o artigo na íntegra apraz-me registar que as expectativas não foram defraudadas. Caro AG, que a voz nunca lhe doa na denúncia da infantilização em curso pelos educadores do ‘socialismo de cátedra’, nesta e em muitas outras matérias...
Jorge Maria Soares Lopes de Carvalho: Gil Vicente:” RIDENDO CASTIGAT MORES” Absolutamente Extra o ordinário habitual dos lacaios da comunicação canhestra. Obrigado A. Gonçalves
Manuel Ferreira: Dois exagerados; a pequena Greta e o Sr. Alberto!
Liberal Impenitente > Manuel Ferreira: Equipará-los é um grande erro.
André Ondine: Gosto sempre de ler as crónicas de Alberto Gonçalves. Desta vez, tendo gostado de ler, não concordo. Independentemente das contradições e do iate milionário, se o percurso de Greta contribuir (e julgo que está a contribuir) para uma tomada de consciência de novas gerações para um problema evidente e urgente, e com uma consequente mudança de comportamentos, isso não é bom? Eu penso que é. Claro que estas questões têm sido hipocritamente apropriadas por cínicos como o BE, PAN e PS novo turco, mas não podemos ser cinicamente Costistas em relação a tudo e todos.
Liberal Impenitente "Veja-se o caso da exacta Amazónia, que ardeu numa escala incomparável nos idos de 2004, 2005, 2006 e 2007.": O embaixador do Brasil em Paris disse isto mesmo. Seria importante que os jornalistas averiguassem, mas confio em Alberto Gonçalves. Porquê? Porque não tenho nenhum motivo para desconfiar.
Quanto ao artigo, é simplesmente delicioso.
Pedro Ferreira: Excelente artigo. Uma sociedade infantilizada e de consumidores de lixo está extremamente vulnerável  à manipulação, mas dá gosto ver o AG a desmontar as torpes técnicas que usam.
Stra. Anabela Faísca: É um gosto ler as crónicas do Alberto Gonçalves. É um absurdo existir um pobre de espírito chamado Guterres, um bando de malfeitores radicados na ONU a querer controlar o mundo e a Greta, para miúda e ainda por cima com asperger não se orienta nada mal. Terá um agente para tratar de patrocínios e contratos?
Tiago Queirós > Stra. Anabela Faísca: Alguns dos mais confessos e ardentes defensores da Revolução Bolchevique foram ricos proprietários.


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