A merecer inúmeros comentários irónicos negativos - creio
que invejosos também – dos acomodados - que, naturalmente, omito. Extraordinária
análise esta, de Paulo Rangel: “Boris Costa” em Lisboa”
OPINIÃO: Greve: “Boris Costa” em Lisboa
Quando muitos afirmam que felizmente o
populismo não atingiu ainda Portugal, ele entra, com furor e honras de Estado,
pela porta escancarada do Governo.
PAULO RANGEL PÚBLICO, 13 de Agosto de 2019
1. Quem esteve atento ao fim-de-semana político no Reino
Unido não pode deixar de estar preocupado pelos avanços do populismo no mais
moderado dos regimes democráticos. Boris Johnson dedicou-se a
mais umas jornadas de governo em campanha e campanha em governo, desta feita
sobre o terceiro mote da sua epopeia: “lei e ordem” (o primeiro é o “Brexit” e o segundo é o serviço nacional de saúde). Lei e ordem: garantir mais 20.000
polícias, endurecer as penas para os crimes mais violentos, assegurar que os
presos cumprem períodos cada vez mais longos da sua pena (sem acesso à
liberdade condicional). Tudo num estilo omnipresente, feito de aparições
cirúrgicas ao longo de cada dia, em diversos contextos e sempre num modo
altamente visível. Boris Johnson, desde que ascendeu à posição de
primeiro-ministro, ainda não parou de fazer campanha eleitoral. Uma campanha
totalmente focada na sua pessoa e nas suas façanhas. Marcada pelo discurso
enfático, pelos gestos simbólicos, pela ocupação molecular do espaço mediático.
2. Por
Londres e arredores, Boris Johnson fazia o seu acto de fé na lei e na ordem. No
mesmo fim-de-semana, por Lisboa e arrabaldes, António
Costa envergava as vestes do grande zelador da ordem e da lei.
Investido da energia de Boris, faz-se aparecer a cada duas horas. Ora em reuniões de um gabinete ministerial de
emergência, copiosamente fotografadas e filmadas. Ora em visitas à protecção
civil, cheias de legendas incandescentes de “última hora”. Ora em reuniões com
os responsáveis da segurança interna, com um digno contexto policial e militar.
Ora em prudentes e pacatos avisos à população, com tom e tiques que evocam as
conversas em família. Ora em sérias admoestações e ameaças aos possíveis
prevaricadores, que fazem lembrar as prédicas do seu amigo Orbán. Ora em pose
de supremo garante de toda a autoridade, no decretamento electrónico e solene de requisição
civil. A toda a hora, a todo o minuto, a todo o instante, a palavra,
o gesto, a supina imagem paternal e patronal de António Costa. Os meios de
comunicação social, à míngua de assuntos e de incêndios, reproduzem a cada meia
hora as palavras do magno conservador da ordem social e da tranquilidade
pública. Transmitem, com o grau de alarme adequado, a mensagem ordeira do
grande velador.
3. Na
resposta política à greve dos camionistas, como na resposta política à crise
dos professores, Costa não resistiu ao ar do tempo e enveredou pelo mais
puro populismo. O populismo é seguramente o mais preocupante desenvolvimento da
vida política nas democracias actuais. Tem tido, todavia, assinalável sucesso,
ante a gravíssima crise da democracia representativa. Costa, hábil e
inteligente, oportuno e oportunista, sabe disso. Há derivas populistas que não
servem para aqui, por nada terem que ver com a realidade que precisamente aqui
se denuncia: a Itália de Salvini – em que este acaba de chegar ao perigosíssimo extremo de pedir “plenos poderes”
– ou a Hungria de Orbán – em que há uma sistemática debilitação das
instituições independentes e de controlo.
Mas há exemplos que colhem, em que
Costa se inspira ou dos quais comunga. O caso de Boris Johnson é um bom
exemplo. A simplificação da mensagem que leva à diabolização dos adversários,
que tanto podem ser os “europeus” como o “establishment” político. A
concentração metódica na imagem do líder. A promessa de resultados que são
inatingíveis ou que já estão atingidos (porque os perigos agitados simplesmente
não existem). Para Costa, os adversários são os “camionistas”, os “professores”
ou os “enfermeiros”, classes profissionais maquiavelicamente empenhadas em
prejudicar o interesse geral. O tal que “nunca vai de férias”. Mas a diabolização é mais eficaz, se
tiver um rosto e, por isso, a acção maligna das classes profissionais está
sempre personificada num vilão (um “Pardal Henriques”, um “Mário Nogueira” ou
uma “malfadada bastonária”), que serve de antagonista de Costa e que, por não
ser político, simplesmente “despolitiza” a oposição. À simplificação da
mensagem e ostracização dos “culpados” soma-se, à maneira de Boris, a
omnipresença mediática com discursos, conferências de imprensa, declarações,
visitas, gestos simbólicos, reuniões institucionais. Sozinho, Costa suga o
pretexto, reinventa a crise, gere a crise reinventada e devora a crise que ele
próprio se empenhou em amplificar.
4. Quando
muitos afirmam que felizmente o populismo não atingiu ainda Portugal, ele
entra, com furor e honras de Estado, pela porta escancarada do Governo. Ele aí
está em todo o seu esplendor, pela mão, pela boca e pela pose do chefe do
executivo. São muitos os anestesiados, são muitos os desencantados, são muitos os
acomodados, que não dão nem querem dar conta da deriva em curso. Mas quando um
governo usa de toda a retórica e parafernália populista, deviam soar alertas e
alarmes. Esta manipulação política e mediática, feita meticulosamente em
véspera de eleições, é um sintoma e um factor de séria degradação da nossa
condição democrática.
O
populismo – ou, na classificação tradicional dos regimes políticos, a demagogia
– não tem nada de visceralmente novo. Desde os alvores gregos da filosofia
política que a demagogia está devidamente identificada: é a forma pervertida da
democracia, é a forma maligna de a exercer. A quase totalidade dos autores
clássicos – aí incluídos os mentores dos regimes moderados, com Aristóteles à
cabeça – sempre desconfiou da democracia, por temer a derrapagem praticamente
inevitável das democracias para o populismo. Mas eles pensavam apenas na
democracia directa (do modelo ateniense), desconhecendo a nossa forma moderna
de democracia representativa (com os seus mecanismos de controlo do poder). Sucede,
no entanto, que a sociedade das redes sociais tem enormes similitudes com a
sociedade que erigiu a democracia directa. A sociedade das redes sociais é
presa fácil do populismo. Eis os Boris, eis os Costas.
SIM e NÃO
NÃO. Matteo Salvini. O apelo a que os italianos lhe dêem plenos poderes é um dos
mais preocupantes desenvolvimentos da política italiana e europeia. Deve mesmo
ser tomado “à letra”.
NÃO. Donald Trump. A política de
separação de famílias no quadro migratório é deplorável; a insistência na
defesa do acesso livre a armas por parte dos cidadãos não pára de fazer
vítimas.
COMENTÁRIOS:
FS, 14.08.2019: Em geral, ao
Rangel, salta-lhe o pé para a chinela, mas desta vez escreveu um bom artigo.
José Carvalho, 13.08.2019: Mas que bela prosa.... Costa tinha que
fazer o que tem feito e ninguém gostaria de ter um PM que não fosse xico
esperto. Ora Costa é um xico esperto que tenta destruir assim de mansinho o
sindicalismo em portugal, perseguindo quem tenta pela via sindical fazer-lhe
frente e que não pertença às domesticadas UGT e CGTP. Assim sim, com este Costa
xico esperto a populaça está contente. Em contrapartida esse inútil Rangel não
sabe domesticar os ditadores da Europa e expulsa-los da UE. É um incompetente!
Já Costa é uma máquina, porque nada tem a ver com isso, mesmo que se sente ao
lado desses mesmos ditadores nos diversos conselhos europeus. E se a burrice
pagasse importo?! Como seria??!!
R Figueiredo Jacinto, 13.08.2019: Isto sim, é oposição objectiva, é
realçar o essencial deixando os tricks de lado. Rangel sabe onde estão os
podres de Costa e não se coíbe de os apontar. Mas perante a liderança de
desnorte de Rui Rio, e para tranquilidade de uma vasta camada de Portugueses
que não se revêem na política de sovietização do camarada Kosta, não será
altura de Rangel trocar a ostentação de Bruxelas pelo incómodo de servir
Portugal? O que quer que Rangel faça em Bruxelas, será muito pouco
comparativamente ao que pode fazer aqui. Por cada dia que passa maiores os
danos causados por Kosta ao bem-estar dos Portugueses. Os Socialistas são
assim, enquanto há dinheiro ou folga nos impostos "parece" porem
todos bem, o pior é depois, quando é preciso pagar a factura, é preciso outro
Passos para vestir a pele do lobo.
Ceratioidei, 13.08.2019: Não a Salvini,
não a Trump, não ao populismo. Sem dúvida. Como sempre, o que conta são os
actos. Palavras, leva-as o vento.
ANTÓNIO MARIA SILVA, 13.08.2019: PR só diz
verdades, mas os xuxalistas não gostam de as ouvir e vai daí...insultam.!!
P Galvao, 13.08.2019: Quando Passos
Coelho lançou suspeitas sobre os juízos, e os juízes do Tribunal
Constitucional, não foi essa a primeira manifestação de um populismo assumido
em Portugal? E este Paulo Rangel não se coibiu de fazer uma triste figura em
Bruxelas, só para agradar ao “chefe”. Não devemos desvalorizar a enorme
disponibilidade deste governo para montar um circo que abafasse as recentes
polémicas com contratos e dinheiros públicos mal explicados, mas é fundamental
não nos deixarmos levar por esta conversa mole, e pateta de gente que só pensa
no seu próprio destino.
ALRB, 13.08.2019: Costa, que só
precisou de uma contabilidade sobre incompatibilidades parlamentares para
chegar ao poder, faz agora uma contabilidade sobre votos para manter esse
poder. Age exclusivamente em função do que lhe dá votos e não quer saber de
princípios. A greve em curso é extremamente impopular e Costa aproveita-a para
fazer um show off e arrecadar votos. E fá-lo de forma tão brilhante que depois
de ter deixado a sua direita ligada às máquinas deixa agora os seus parceiros
da esquerda em estado cataléptico.
José Carvalho, 13.08.2019: Xico espiritismo.
Ao nível do que se passa hoje em Inglaterra, Itália, EUA ou Brasil.... Só numa
sociedade completamente desorientada é que estas figurinhas conseguem
popularidade. Não, não excluamos Costa deste clube. Tivesse a nossa sociedade
um momento de lucidez, sentido adulto e civilizacional e Costa seria varrido do
poder no próximo acto eleitoral. Sê-lo-á quando o cheiro for nauseabundo... Até
lá vai utilizando o xico espertismo e a burrice da populaça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário