segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Fecho musical


Para desanuviar do tom entre sorridente e acrimonioso que este último capítulo da crónica mereceu, entretive-me a ouvir várias vezes a música de Tudela, para copiar as letras das canções Lourenço Marques e Moçambique, em agradecimento e homenagem a Sales da Fonseca que transportou para os tempos de hoje recordações de um percurso feito outrora, e outro mais recente, pelo país que ficou na alma de muitos de nós e que João Maria Tudela tão definitivamente soube impregnar de magia. Um obrigado, pois a HSF, por uma “revisita” tão plena de sabor – ora mais salgado e picante, ora mais doce – que os seus amigos acompanharam em memórias próprias – e que deixou aos que a amaram provável lágrima de saudade.
LOURENÇO MARQUES
JOÃO MARIA TUDELA
Há um não sei quê nesta cidade
Cor em seus jardins que o mar (convida?)
Um jeito de bem sorrir
Que só por si atrai
Há um não sei quê nesta cidade
Que nos faz pensar alegremente
O cheiro bom que a terra tem
Depois que a chuva cai.

Lourenço Marques  Minha flor, meu derriço,  O teu nome não sei que faz 
Só sei que traz  Feitiço.
Lourenço Marques  Quem te deixa, cidade,  Que veneno não sei que dás.
Só sei que traz  Saudade. (BIS)


AS MINHAS PARA CONTIGO SÓ À VISTA TERÃO FIM

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÂO, 12.08.19
Chegada a Maputo a meio da tarde depois de voo sem história e sem hospedeira loira madraça. E será que a outra era mandriona e esclavagista como dei a entender? Não creio, bem vistas as coisas, ela apenas ia a examinar a adjunta para a «largar» e lhe passar carta profissional. Mesmo que esta versão não corresponda à verdade, pelo menos é mais simpática. Desta vez, a tripulação era toda negra. Como que por magia, o Polana deve ter adivinhado que nós estávamos a chegar e tinha uma carrinha de transfer à nossa espera. Melhor assim do que de táxi. Check in para o Polana Mar novamente mas apenas para duas noites na sequência do que voaríamos para Lisboa.
Retoma da bagagem que tínhamos deixado em depósito por não precisarmos dela no Bazaruto e… onde está o bastão mágico? Qual bastão? Uma bengala? Não! Um bastão não é uma bengala. Que não sabiam do que se tratava. Venha o Chefe disto. Veio o Chefe daquilo. Não sabia do que se tratava. Que eu não tinha registado o depósito do bastão. Porque me disseram que não era necessário. Venha o Chefe do Chefe. Veio o Chefe daquilo tudo que se fez de muito zangado com o pessoal de turno mas que não teve a magia para fazer aparecer o bastão mágico. Vamos dar o assunto por encerrado aqui mas que fique bem claro que se trata de um caso de gatunagem.
E se, quanto a mim, a magia ficou por se realizar, não sei se o bastão castigou o gatuno ou se, pelo contrário, lhe agradeceu por o ter livrado de vir para a Europa tirando-o da sua querida África.
Invocados os Xicuembos que por ali andassem, ficou tudo mais calmo com a nossa decisão de passarmos o dia seguinte no hotel com piscina a condizer com as salsas ondas da baía índica lá em baixo. Pequeno-almoço na grande varanda, almoço leve entre dois mergulhos, decidimos ficar por ali dando dois dedos de conversa para a direita e para a esquerda. Em português, só o pessoal que se desfazia em mesuras e vergonha vergonhosa por causa do bastão. Sim, a notícia circulara e todos sabiam do desaparecimento do bastão. E até que ponto o sentimento de repulsa era sincero? Não sei nem virei a saber porque se eu soubesse que um estrangeiro queria levar um bastão mágico para fora de Portugal, eu tudo faria para que isso não acontecesse. Da mesma forma que se fosse uma tela da Josefa de Óbidos e de modo contrário aos quadro do Miró que não fazem cá falta nenhuma. Mas estes, saindo, só depois do devido pagamento. E o «meu» bastão, afinal, não era meu porque faz parte da mágica africana.
No dia da piscina, pelo final da tarde e antes de nos dirigirmos à sala de jantar, passámos pelo sítio onde antigamente era a esplanada do «tout Paris» e demos lá de caras com um antigo guerrilheiro que se fazia rodear de vários guarda-costas para estar ali num espaço público a fazer não sei o quê. Sei apenas que fiquei impressionado com a segurança. É preciso temer muito para se fazer rodear de tanto «polícia». Eu, por exemplo, andava na terra dele totalmente desarmado e tranquilo. Mas eu nunca fiz mal a ninguém e isso deve ser o que o distingue de mim e da gente comum que me rodeava. Também nas terras boas há gente má e o mais grave é quando essas pessoas assumem cargos relevantes. Também nós, em Portugal, temos tido alguns casos desses mas ninguém que desmembre e decapite inocentes para, lançando o terror, desertificar humanamente certas áreas que se diz serem ricas em jazidas disto e daquilo.
Lastimo, Caros Leitores, concluir este conjunto de crónicas com uma anotação negativa mas a realidade não pode ser escamoteada: em Moçambique também há bandidos que ainda andam à solta e que ainda não foram expulsos do Partido que assume a governação.
FOTO: Pedaços de um corpo vestido decapitado e decepado, com tropas por trás, a ver (foto recente)
No dia seguinte, avião para Lisboa e a mulher do amigo que me dera o bastão mágico vinha no mesmo vôo. O pai dela vivia (ou ainda vive) em Tavira, onde eu escrevi estas linhas sobre Moçambique, um país que merece tudo de bom. FIM
                              Agosto de 2019      Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE
JOÃO MARIA TUDELA
Moçambique é com certeza
Uma expressão nacional
A palavra é portuguesa
E quer dizer Portugal
Há nela toda a nobreza
Que faz as palavras lindas
Um não sei quê de franqueza
Um sabor de boas vindas.
Moçambique  Que palavra tão bonita  Fique lá onde ela fique  Diga lá quem a disser
Moçambique  É alegre como a chita  Tem a graça e tem o pique  Dum sorriso de Mulher.
Moçambique é a razão
Traduzida em português
Aquela casa onde o pão
É p’ra dois e chega a três.
E como há gosto em servir
Quem acaba de chegar
O sorriso vai abrir
E a franqueza manda entrar.

COMENTÁRIOS A “MOÇAMBIQUE REVISITADO”:
 Anónimo, 12.08.2019: 
1. Começo por uma nota de esclarecimento, Henrique: quanto aos quadros de Miró/BPN (que uns dizem que é uma colecção e outros dizem que é um conjunto de quadros que não fazem uma colecção - vá lá nós entendermos) eles iam sair de Portugal para serem vendidos, em leilão, em Londres, a fim de o produto da venda reverter para a entidade credora, que era (e é) pública, pois estavam dados em garantia, reduzindo assim o prejuízo da operação BPN, suportado pelo Estado.
2. Renovo os agradecimentos pelos textos que elaboraste nos últimos meses sobre Moçambique bem como, pelo menos, um bem antigo, sobre a nossa vivência na Chefia de Contabilidade, em Nampula, intitulado "As medalhas que não tive", que ainda hoje, por vezes, o releio. Volto a sugerir que equaciones a possibilidade de os publicares. Um amigo meu, que foi tenente da reserva naval na Guiné, e que a visitou recentemente, lançou este ano, na Feira, um livro de memórias sobre essas duas épocas. Talvez queiras, primeiro, fazer um refreshing e deslocares-te mais uma vez a Moçambique, no voltar desta década do século XXI, para poderes lançar um livro com textos recordatórios de vários momentos da História recente de Moçambique. Procurei, meu Amigo, com o meu testemunho carrear informação, memória e sentimentos que os teus escritos me iam suscitando. Tu e o tema - Moçambique - fizeram o impossível: Eu escrever num blog.
3. Para compensar a tua "anotação negativa" com que terminaste esta tua última crónica, deixa que finalize o meu comentário com uma positiva, muito bonita, que envolve também Portugal e Moçambique. Peço, entretanto, a tua benevolência para a extensão do comentário, mas vale a pena, pois há aspectos que são muito pouco conhecidos (mas não confidenciais) e que vou revelar aqui para benefício teu e dos teus leitores. Aqui vai, Henrique:
O Banco de Fomento Nacional viu parte relevante do seu Balanço ser amputado quando o Estado Português, em sede dos processos de independência de Angola e de Moçambique, considerou, sem consultar o Banco, que os créditos deste sobre aqueles territórios eram inexigíveis. As administrações do Dr. João Salgueiro não se conformaram, pugnaram para que o Banco fosse indemnizado, o que acabou por acontecer, ao fim de algum tempo. Já com a administração do Dr. Miguel Cadilhe, decidiu o Banco de Fomento e Exterior (sua nova denominação), na decorrência também desse ressarcimento, e após ouvidos os seus principais accionistas (Estado e Cimpor, esta presidida pelo Eng. António Sousa Gomes), constituir (em Janeiro de 1995) uma Fundação, a que se chamou Portugal-África, com um capital inicial de um milhão de contos, para fomentar acções de carácter cultural e educacional a desenvolver em Portugal e em África, designadamente junto dos PALOP´s. Com a venda do Grupo BFE ao BPI, a Fundação transitou também. O site dela refere, entre outros, um projecto educacional importante em Moçambique de "Artes e Ofícios". Sei, por um amigo que tem acompanhado a vida da Fundação, que esse projecto envolveu especialistas portugueses que estiveram incumbidos em Portugal de relançar o ensino técnico, após o 25 de Abril. Segundo estou informado, estão mobilizadas dezenas de escolas técnicas moçambicanas, dando formação, por ano, a 15 mil alunos, estando já formados 80 mil técnicos e - cereja em cima do bolo - um deles exerce o seu ofício, ligado à engenharia, na Ferrari. 

Um abraço e até sempre. Carlos Traguelho
1. Miró – A minha referência às pinturas de Miró tinha apenas um sentido irónico pois que elas se desenquadram totalmente do meu sentido estético. Um modo de dizer que não me fazem qualquer falta. Mas se saíssem do país, pois que fossem pagas por um montante tão elevado quanto os seguidores dessa estética, devidamente espicaçados entre si, estivessem dispostos a desembolsar. E que esse montante fosse de utilidade prática (como essa redução do défice da operação BPN) e não para entesouramento como parece terem sido os votos parlamentares. Concordo, pois, com a alienação por preços bem altos e discordo da solução de entesouramento.
2. Livro Já comecei a coligir os textos sobre a maior parte das minhas viagens num conjunto a que chamei «URBI ET ORBE». Ordenadas cronologicamente, vou agora juntar os comentários e dar ao conjunto a forma de livro. Seguir-se-á a procura de uma editora e de eventuais patrocinadores da edição. A ver… 

3. Fundação – «E tudo o vento levou». Fico duplamente triste por saber que a vontade do Fundador foi distorcida de «Portugal-África» para «Espanha-África» e que brevemente os moçambicanos terão que aprender castelhano se quiserem ter formação profissional. Não sei se não valeria aqui uma intervenção do Governo Português para se repor a vontade inicial do Fundador. Como está, parece-me absurdo.
Henrique Salles da Fonseca


Anónimo 14.08.2019:
Fim. Uma palavra 'final'.
Soube-me muito bem estes seus escritos.
Como parece não ser de bom tom, ninguém pergunta por si. Eu, o parvo, pergunto: como vai a sua visão?
Parece-me que melhorou, senão não teria feito estes contos.
Abraço

Muito obrigado pelo seu cuidado com a minha visão. Na última medição, estava com o olho direito apenas com visão periférica (o que impossibilita a medição) e no esquerdo estava com 70% depois de ter estado nos 40% dois meses antes. Entretanto, não estou a piorar mas continuo sem visão central no direito.
Quanto a escrever, faço-o lentamente e por vezes com cansaço inibitório. Depois desta maratona sobre Moçambique, sinto necessidade de descansar um pouco tanto as leituras (Nietzsche que espere uns dias) como as escritas. Entretanto, tenho o zoom do Word nos 220%. Espero por melhores dias.
Obrigado, cumprimentos.

Anónimo 15.08.2019: Regressado de um cruzeiro e retomada a rotina, deparo com o fim destas crónicas e resta-me saudar o cronista e incitá-lo a manter activa a sua pena. A imagem com que finaliza este texto é triste de se ver mas infelizmente é verdadeira, não é produto de montagem. Várias são as formas de violência sobre os povos das terras africanas. Umas são demasiado duras na sua explicitude e outras mas subtis nas suas formas mas não menos violentas. É o caso das riquezas de Angola que foram surripiadas pela família do Eduardo Santos. Ainda hoje, li que a Isabel dos Santos adquiriu uma casa em zona chique de Londres e por ela pagou 14 milhões de euros. É simplesmente repugnante que estes casos sucedam com gente que se dizia pertencente à família marxista-leninista. Li o ponto de situação sobre a saúde visual do Dr. Salles e faço votos por uma total recuperação.

Henrique Salles da Fonseca 15.08.2019: Senhor Coronel Miranda Lima, seja muito bem regressando ao blog. Vou descansar os olhos uns dlas e retomarei a escrita lentamente



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