Um texto decisivamente condenatório de
um presidente insaciável na busca de uma notoriedade de pieguice lorpa e vã, um
outro texto que aparenta ser o que talvez não seja, de condenação da actuação
dum ministro que provavelmente até defende, como informam alguns comentários.
Um triste circo em que nos sentimos quais bichos que o treinador preparou, por
meio das pancadas próprias, para chegarmos ao estado de adestramento exigido em
cena – de obediência estrita.
A trágica criatura /premium
OBSERVADOR, 11/8/2019
Marcelo
anunciou que tem um princípio básico: atestar o carro no fim de cada viagem.
Não é uma anedota. É isso mesmo que o PR faz perante cada crise: diz que logo
se pronunciará entretanto vai atestar.
Graças
à greve dos motoristas de matérias perigosas confirmei algo que me intrigava há
vários anos e muito me atormenta desde 9 de Março de 2016, data de tomada de
posse do PR: Marcelo tem princípios, ou melhor tem um princípio, para mais
básico, o que tendo em conta o que para aí vai nem é coisa pouca. Mas qual é esse
princípio básico do mais alto magistrado da nossa assombrosa e assombrada
Nação: atestar o carro quando termina uma viagem.
Como
explicou o nosso Presidente, mais de mil e duzentos dias depois de se ter
tornado PR : “Eu tenho um princípio básico. Quando termino uma viagem, atesto sempre o
carro”. “Como acabei de vir do fim de semana que estive no Algarve, atestei
logo o carro e, portanto, estou em condições de partir, naquilo que está na
minha cabeça para ser o dia das minhas férias, que é dia 12″, explicou ainda o
Presidente.
Um
país ter como Presidente um homem que tem apenas um princípio, para mais
restrito à questão do atestar do carro, pode parecer estranho. Pode mas não é,
como adiante explicarei, pois para já há que atalhar o populismo do habitante
da periferia (e da periferia da periferia) que todos os dias passa à Bonjoia
(não há local de engarrafamento matinal com um nome tão apelativo, pela parte
que me toca já pensei várias vezes ao ouvir aquela lengalenga dos
engarrafamentos, abrandamentos e marcha lenta, um dia hei-de ir à Bonjoia) ou
que faz o IC19 em direcção a Sintra para conseguir entrar um pouco antes na
fila que o há-de levar a Lisboa. Obviamente o populista que há em cada um de
nós, perante este princípio básico presidencial, logo se põe a argumentar que,
ao contrário do que acontece com Marcelo Rebelo de Sousa, não tem ao dispor uma
frota de dezenas de automóveis e respectivos motoristas e portanto é obrigado a
usar o seu automóvel diariamente e não apenas para ir de férias. Ou que só
alguém que desconhece a vida comum (dar beijinhos e abraços aos “populares” não
serve para mais nada do que para reforçar o elitismo) pode declarar “Eu
tenho um princípio básico. Quando termino uma viagem, atesto sempre o carro”
como se fosse apenas por causa da falta desse princípio que acabaremos com os
depósitos vazios.
De
qualquer modo eu não excluiria a possibilidade de, finda a viagem de cada dia,
nos dirigirmos à bomba, ou mais precisamente à fila que se arrasta até chegar à
dita bomba, e declarar “Eu tenho um princípio básico. Quando termino uma
viagem, atesto sempre o carro” para ver o que acontece. Caso não se consiga
abastecer o melhor será demandar o Palácio de Belém ou o Algarve (se tiver
combustível) para explicar ao Presidente que o seu princípio básico não está a
ser entendido pelos gasolineiros. Quem sabe o Presidente troca de calções num
ápice e vai a uma bomba onde ele mesmo atestará os carros enquanto dá conta aos
jornalistas, entretanto ali reunidos, da importância do seu “princípio básico”.
Combustíveis
e depósitos à parte, o princípio básico de Marcelo é de facto algo que dentro
em breve será estudado em todo o mundo como uma técnica de sobrevivência e
manutenção da popularidade para políticos em tempos de declínio: perante cada
crise, Marcelo anuncia que já se pronuncia mas entretanto tem de ir atestar. Em
Junho de 2016, o Governo aprovou as 35
horas na função pública. O que fez Marcelo? Aprovou mas admitia recorrer ao
Constitucional caso ocorresse um aumento real da despesa. Desde então Marcelo está a atestar o carro e
portanto ainda não teve tempo para verificar que a despesa de facto cresceu.
(Ou mais propriamente que cresceu em todo o país pois em 2018 o presidente da República
justificou o aumento dos gastos com horas extraordinárias em Belém argumentando
que tal se devia, sobretudo, à entrada em vigor das 35 horas.)
A
Câmara de Viana resolve espatifar milhões a demolir por capricho um prédio,
viola o direito de propriedade dos residentes, o ministro do Ambiente ameaça-os
com uma perseguição judicial e o que diz o Presidente que tudo comenta? Que não teve tempo para se documentar sobre o assunto, obviamente, concluo eu, porque enquanto o país debatia o prédio
Coutinho ele, Marcelo, estava na bomba de gasolina a debater-se com a escolha
entre gasolina Plus ou Premium.
Pedrógão
ardeu, morreram
dezenas de pessoas e Marcelo declarou “O que se fez foi o máximo que se podia fazer” certamente porque enquanto cresciam as evidências do
falhanço clamoroso das autoridades o Presidente estava na bomba a atestar.
A
PGR Joana Marques Vidal foi despachada pelo
Governo com a solícita colaboração do Presidente não porque este não consiga ter outros princípios além do atestar do carro mas precisamente porque
estava com o depósito quase vazio e não podia ir contra o seu princípio básico
para defender outros princípios que não são os seus.
Em
resumo, o princípio básico de Marcelo é isso mesmo: um princípio básico.
Aconteça o que acontecer, podemos ter a certeza que Marcelo terá sempre o
depósito do seu carro atestado. O que lhe permitirá estar sempre noutro
lado quando os problemas acontecem.
Uma
criatura assim na Presidência da República pode parecer no imediato uma
anedota. Tal como se assemelha a uma piada chamar geringonça ao bloco de
interesses que nos governa e faz de conta que temos oposição. Mas a médio prazo
a anedota revelar-se-á uma tragédia e a geringonça uma fatal engrenagem. As
outras criaturas dessa engrenagem, é o que espero detalhar este Verão.
PS. «Secretário de Estado da Saúde quer cortes nas deduções
fiscais para financiar o SNS»
Antigamente as crianças pediam uma esmolinha para o Santo António. Obviamente o
santo não via um tostão e as crianças lá compravam uns doces. Agora os
governantes exigem mais impostos para, dizem eles, financiar o SNS. No fim nem
um euro chegará aos utentes, cada vez mais mal servidos pois a máquina estatal gasta tudo
consigo mesma como os portugueses já interiorizaram ainda que não o verbalizem:
afinal o que está em causa na greve dos motoristas senão a diferença entre o
salário-base logo tributado e o salário realmente levado para casa? A
cascata de subsídios e prémios em que muitos salários estão transformados é a
resposta à voracidade fiscal. Patrões e trabalhadores estão presos na
armadilha desta pergunta: por cada cem euros que um patrão paga quanto recebe o
trabalhador e quanto fica para o Estado?
II - EDITORIAL: Agit-prop sem vergonha nenhuma
Tudo
o que se passou nesta semana intensa, com declarações de serviços máximos,
recursos à Procuradoria-Geral da República, conferências de imprensa, visou
criar o pânico e o ódio na opinião pública contra o sindicato selvagem.
ANA SÁ LOPES
PÚBLICO, 12 de Agosto de 2019
Quem
passou o fim-de-semana a ver notícias assistiu provavelmente à mais acabada
operação de agitação e propaganda de um Governo tendo como pano de fundo uma greve de camionistas. A programação milimétrica da operação de agit-prop –
com vista à conquista do eleitorado da direita órfã e obtenção de um propulsor
para a maioria absoluta – demonstra um tacticismo que pode funcionar em termos
eleitorais mas que, de caminho, atira para o lixo bebés e água do banho. A ala
esquerda do PS, protagonizada pelo ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno
Santos, acabou de cometer suicídio e parece que não percebeu. Estas coisas
pagam-se caro, com juros, mais tarde ou mais cedo.
A
demonização do sindicato dos motoristas (aliás, também feita pelo PCP,
que os culpa pelo pontapé no direito à greve a que acabámos de assistir) por
quem sempre se sentou à mesa dos ricos e poderosos é um traço populista de quem
sabe que há classes que se pode humilhar e outras que não. Gente que quando
está doente ou se reforma recebe menos de 600 euros por mês é evidente que se
pode humilhar. E o povo, confundido com recibos com horas extraordinárias e
outras componentes salariais, anda confuso e tende a gostar da autoridade – e
todo o populismo nasce aqui, entre o “é por nós” ou “é contra nós”.
Tudo
o que se passou nesta semana intensa, com declarações de serviços máximos, recursos à Procuradoria-Geral da República,
conferências de imprensa, visou criar o pânico e o ódio na opinião pública
contra o sindicato selvagem. Seguiu-se no sábado o Conselho de Ministros em
mangas de camisa, a reunião da Protecção Civil, depois a ida de António Costa à
Entidade Nacional para o Sector Energético, a conversa telefónica com o general
com quem esta segunda-feira se vai reunir, e, como cereja, a declaração
ameaçadora de que o não cumprimento da requisição civil é crime: “A violação da requisição civil constitui um crime de desobediência”.
Temos
homem, homem da autoridade e da ordem –
como dizia Vasco Pulido Valente neste sábado no PÚBLICO. Talvez fosse isto que Costa eleitoralmente
precisava depois do slogan das “contas certas”. Mas submeter tudo a estratégias eleitorais, tentando
mimetizar Cavaco e Sócrates (antes de terem entrado em desgraça), é poucochinho
para aquele que era o grande líder do “PS de esquerda”, versão 2014/2015.
A
propósito de Sócrates: Pedro Silva Pereira, o homem menos dotado do país –
vivia praticamente ao lado de Sócrates, até ao fim defendeu-o caninamente e
nunca percebeu nada –, foi premiado com uma vice-presidência do Parlamento
Europeu. Enquanto isto, o povo do PS, que ignorou ou quis ignorar o caso
Sócrates, exalta-se com o advogado dos camionistas. Uma tristeza.
COMENTÁRIOS
Helena
Almeida, 12.08.2019: Concordo
com este artigo, faz-me impressão como a política se tornou num teatro
incrível, em que não interessa o que é, interessa o que parece. O governo
consegue montar este carnaval à volta desta greve com tudo no país por
resolver... Faz-me impressão um governo de esquerda ter esta atitude contra uma
greve, faz-me impressão, porque hoje o poder está todo nas mãos dos donos, dos
tais 10 mais ricos de portugal que controlam mais de metade da economia ... Os
técnicos, os trabalhadores diferenciados não são reconhecidos ... E o PS a
fazer isto nesta greve ... Tudo ao contrário ...
Manuel
AR, 12.08.2019 : Mas
afinal de que lado está? Sá Lopes? Do lado de uma greve que, a ser deixada sem
controle por exigências que ultrapassam tudo o que é razoável, ou do nosso
lado, os cidadãos que seriam todos prejudicados, ou, ainda, dos que, para verem
oportunisticamente satisfazerem a sua ganância, comandados por um perverso e
falso sindicalista com ambições políticas pessoais? E onde ficavam
inclusivamente os outros que também são muito sacrificados e responsáveis pelos
seus trabalhos! É o fantasma da maioria absoluta que leva este também meu
jornal a escrever editoriais que, por o ser, deixam de ser apenas opiniões
pessoais.
ana
cristina, 12.08.2019: eu,
como cidadã, sinto-me mais prejudicada por uma operação de propaganda do
governo do que por uma greve, seja ela qual for. as greves resolvem-se e são um
direito. um governo irresponsável que usa uma crise laboral para proveito
eleitoral é bem pior: é sinal de falta total de escrúpulos e que não está a
governar o país com os olhos postos no interesse dos cidadãos.
Antonio
Leitao, 12.08.2019: Concordo
com a análise. De facto, a histeria sobre a greve é toda a orquestração deram
ao governo uma imagem de "força" que raramente se consegue sem ser
com medidas impopulares. De resto, PCP e BE encostados às cordas têm pouco a
dizer, enquanto a Antram dá conselhos ao governo.
JOSÉ
MANUEL PALMEIRO: Claro que o PS aproveitou a boleia, mas daí a ser
tratado por esta senhora como o está a tratar vai uma enorme distância. Ainda
vamos ver quem está por detrás desta greve, cara amiga.
CISTEINA: Desta vez
gostei, Ana Sá Lopes. Não me admira nada que isto não esteja tudo já cozinhado
entre o Pardal do sindicato rebelde, a águia do PS (Pedro Nuno Santos e o
gavião Comprido das petrolíferas que conseguiu vender o produto em alta. Daqui
a uns dias (poucos) virá a populaça bater palmas ao Governo, gabar-lhe a
estratégia e autoridade para ser reposto combustível nas bombas (mais barato).
E, lá mais para diante, também os motoristas vão ver os seus recibos mais
gordinhos. É tudo uma guerra de bicos ... só faltam mesmo os papagaios do PS,
andam muitos nas redes sociais a tecer loas ao patrão António.
Carlos Costa, 12.08.2019: O que talvez ASL quisesse era o caos no país causado
pelos motoristas selvagens. Costa fez muito bem tudo o que tem feito. Num país
democrático há regras mesmo para as greves por mais justas que sejam. ASL não
percebeu que os motoristas são instrumentalizados por um fantoche que canta ao
ouvido o que os camionistas gostam de ouvir. Costa percebeu isso há muito e fez
o que um bom PM faria para evitar o pior.
trosario51,
12.08.2019: Senhora
jornalista, esta greve não defende os interesses dos camionistas, esta greve é
contra o regime democrático, não é uma greve normal. Se assim fosse , PR ,PGR,
Governo, Partidos, não teriam tomado as posições que tomaram, estamos perante
um Pardal proto-fascista, a senhora sabe disso. A sua crónica revela
ingenuidade, ou está ao serviço da mesma força oculta do Dr. Pardal e, da
realização do encontro fascista em Lisboa no domingo.
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