terça-feira, 13 de agosto de 2019

Triste circo



Um texto decisivamente condenatório de um presidente insaciável na busca de uma notoriedade de pieguice lorpa e vã, um outro texto que aparenta ser o que talvez não seja, de condenação da actuação dum ministro que provavelmente até defende, como informam alguns comentários. Um triste circo em que nos sentimos quais bichos que o treinador preparou, por meio das pancadas próprias, para chegarmos ao estado de adestramento exigido em cena – de obediência estrita.
A trágica criatura /premium
OBSERVADOR, 11/8/2019
Marcelo anunciou que tem um princípio básico: atestar o carro no fim de cada viagem. Não é uma anedota. É isso mesmo que o PR faz perante cada crise: diz que logo se pronunciará entretanto vai atestar.
Graças à greve dos motoristas de matérias perigosas confirmei algo que me intrigava há vários anos e muito me atormenta desde 9 de Março de 2016, data de tomada de posse do PR: Marcelo tem princípios, ou melhor tem um princípio, para mais básico, o que tendo em conta o que para aí vai nem é coisa pouca. Mas qual é esse princípio básico do mais alto magistrado da nossa assombrosa e assombrada Nação: atestar o carro quando termina uma viagem.
Um país ter como Presidente um homem que tem apenas um princípio, para mais restrito à questão do atestar do carro, pode parecer estranho. Pode mas não é, como adiante explicarei, pois para já há que atalhar o populismo do habitante da periferia (e da periferia da periferia) que todos os dias passa à Bonjoia (não há local de engarrafamento matinal com um nome tão apelativo, pela parte que me toca já pensei várias vezes ao ouvir aquela lengalenga dos engarrafamentos, abrandamentos e marcha lenta, um dia hei-de ir à Bonjoia) ou que faz o IC19 em direcção a Sintra para conseguir entrar um pouco antes na fila que o há-de levar a Lisboa. Obviamente o populista que há em cada um de nós, perante este princípio básico presidencial, logo se põe a argumentar que, ao contrário do que acontece com Marcelo Rebelo de Sousa, não tem ao dispor uma frota de dezenas de automóveis e respectivos motoristas e portanto é obrigado a usar o seu automóvel diariamente e não apenas para ir de férias. Ou que só alguém que desconhece a vida comum (dar beijinhos e abraços aos “populares” não serve para mais nada do que para reforçar o elitismo) pode declarar  “Eu tenho um princípio básico. Quando termino uma viagem, atesto sempre o carro” como se fosse apenas por causa da falta desse princípio que acabaremos com os depósitos vazios.
De qualquer modo eu não excluiria a possibilidade de, finda a viagem de cada dia, nos dirigirmos à bomba, ou mais precisamente à fila que se arrasta até chegar à dita bomba, e declarar “Eu tenho um princípio básico. Quando termino uma viagem, atesto sempre o carro” para ver o que acontece. Caso não se consiga abastecer o melhor será demandar o Palácio de Belém ou o Algarve (se tiver combustível) para explicar ao Presidente que o seu princípio básico não está a ser entendido pelos gasolineiros. Quem sabe o Presidente troca de calções num ápice e vai a uma bomba onde ele mesmo atestará os carros enquanto dá conta aos jornalistas, entretanto ali reunidos, da importância do seu “princípio básico”.
Combustíveis e depósitos à parte, o princípio básico de Marcelo é de facto algo que dentro em breve será estudado em todo o mundo como uma técnica de sobrevivência e manutenção da popularidade para políticos em tempos de declínio: perante cada crise, Marcelo anuncia que já se pronuncia mas entretanto tem de ir atestar. Em Junho de 2016, o Governo aprovou as 35 horas na função pública. O que fez Marcelo? Aprovou mas admitia recorrer ao Constitucional caso ocorresse um aumento real da despesa. Desde então Marcelo está a atestar o carro e portanto ainda não teve tempo para verificar que a despesa de facto cresceu. (Ou mais propriamente que cresceu em todo o país pois em 2018 o presidente da República justificou o aumento dos gastos com horas extraordinárias em Belém argumentando que tal se devia, sobretudo, à entrada em vigor das 35 horas.)
A Câmara de Viana resolve espatifar milhões a demolir por capricho um prédio, viola o direito de propriedade dos residentes, o ministro do Ambiente ameaça-os com uma perseguição judicial e o que diz o Presidente que tudo comenta? Que não teve tempo para se documentar sobre o assunto, obviamente, concluo eu, porque enquanto o país debatia o prédio Coutinho ele, Marcelo, estava na bomba de gasolina a debater-se com a escolha entre gasolina Plus ou Premium.
Pedrógão ardeu, morreram dezenas de pessoas e Marcelo declarou “O que se fez foi o máximo que se podia fazer” certamente porque enquanto cresciam as evidências do falhanço clamoroso das autoridades o Presidente estava na bomba a atestar.
A PGR Joana Marques Vidal foi despachada pelo Governo com a solícita colaboração do Presidente não porque este não consiga ter outros princípios além do atestar do carro mas precisamente porque estava com o depósito quase vazio e não podia ir contra o seu princípio básico para defender outros princípios que não são os seus.
Em resumo, o princípio básico de Marcelo é isso mesmo: um princípio básico. Aconteça o que acontecer, podemos ter a certeza que Marcelo terá sempre o depósito do seu carro atestado. O que lhe permitirá estar sempre noutro lado quando os problemas acontecem.
Uma criatura assim na Presidência da República pode parecer no imediato uma anedota. Tal como se assemelha a uma piada chamar geringonça ao bloco de interesses que nos governa e faz de conta que temos oposição. Mas a médio prazo a anedota revelar-se-á uma tragédia e a geringonça uma fatal engrenagem. As outras criaturas dessa engrenagem, é o que espero detalhar este Verão.
PS. «Secretário de Estado da Saúde quer cortes nas deduções fiscais para financiar o SNS» Antigamente as crianças pediam uma esmolinha para o Santo António. Obviamente o santo não via um tostão e as crianças lá compravam uns doces. Agora os governantes exigem mais impostos para, dizem eles, financiar o SNS. No fim nem um euro chegará aos utentes, cada vez mais mal  servidos pois a máquina estatal gasta tudo consigo mesma como os portugueses já interiorizaram ainda que não o verbalizem: afinal o que está em causa na greve dos motoristas senão a diferença entre o salário-base logo tributado e o salário realmente levado para casa? A cascata de subsídios e prémios em que muitos salários estão transformados é a resposta à voracidade fiscal.  Patrões e trabalhadores estão presos na armadilha desta pergunta: por cada cem euros que um patrão paga quanto recebe o trabalhador e quanto fica para o Estado?
II - EDITORIAL:   Agit-prop sem vergonha nenhuma
Tudo o que se passou nesta semana intensa, com declarações de serviços máximos, recursos à Procuradoria-Geral da República, conferências de imprensa, visou criar o pânico e o ódio na opinião pública contra o sindicato selvagem.
ANA SÁ LOPES
PÚBLICO, 12 de Agosto de 2019
Quem passou o fim-de-semana a ver notícias assistiu provavelmente à mais acabada operação de agitação e propaganda de um Governo tendo como pano de fundo uma greve de camionistas. A programação milimétrica da operação de agit-prop – com vista à conquista do eleitorado da direita órfã e obtenção de um propulsor para a maioria absoluta – demonstra um tacticismo que pode funcionar em termos eleitorais mas que, de caminho, atira para o lixo bebés e água do banho. A ala esquerda do PS, protagonizada pelo ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, acabou de cometer suicídio e parece que não percebeu. Estas coisas pagam-se caro, com juros, mais tarde ou mais cedo. 
A demonização do sindicato dos motoristas (aliás, também feita pelo PCP, que os culpa pelo pontapé no direito à greve a que acabámos de assistir) por quem sempre se sentou à mesa dos ricos e poderosos é um traço populista de quem sabe que há classes que se pode humilhar e outras que não. Gente que quando está doente ou se reforma recebe menos de 600 euros por mês é evidente que se pode humilhar. E o povo, confundido com recibos com horas extraordinárias e outras componentes salariais, anda confuso e tende a gostar da autoridade – e todo o populismo nasce aqui, entre o “é por nós” ou “é contra nós”. 
Tudo o que se passou nesta semana intensa, com declarações de serviços máximos, recursos à Procuradoria-Geral da República, conferências de imprensa, visou criar o pânico e o ódio na opinião pública contra o sindicato selvagem. Seguiu-se no sábado o Conselho de Ministros em mangas de camisa, a reunião da Protecção Civil, depois a ida de António Costa à Entidade Nacional para o Sector Energético, a conversa telefónica com o general com quem esta segunda-feira se vai reunir, e, como cereja, a declaração ameaçadora de que o não cumprimento da requisição civil é crime: “A violação da requisição civil constitui um crime de desobediência”.
Temos homem, homem da autoridade e da ordemcomo dizia Vasco Pulido Valente neste sábado no PÚBLICO. Talvez fosse isto que Costa eleitoralmente precisava depois do slogan das “contas certas”. Mas submeter tudo a estratégias eleitorais, tentando mimetizar Cavaco e Sócrates (antes de terem entrado em desgraça), é poucochinho para aquele que era o grande líder do “PS de esquerda”, versão 2014/2015. 
A propósito de Sócrates: Pedro Silva Pereira, o homem menos dotado do país – vivia praticamente ao lado de Sócrates, até ao fim defendeu-o caninamente e nunca percebeu nada –, foi premiado com uma vice-presidência do Parlamento Europeu. Enquanto isto, o povo do PS, que ignorou ou quis ignorar o caso Sócrates, exalta-se com o advogado dos camionistas. Uma tristeza.
COMENTÁRIOS
Helena Almeida, 12.08.2019: Concordo com este artigo, faz-me impressão como a política se tornou num teatro incrível, em que não interessa o que é, interessa o que parece. O governo consegue montar este carnaval à volta desta greve com tudo no país por resolver... Faz-me impressão um governo de esquerda ter esta atitude contra uma greve, faz-me impressão, porque hoje o poder está todo nas mãos dos donos, dos tais 10 mais ricos de portugal que controlam mais de metade da economia ... Os técnicos, os trabalhadores diferenciados não são reconhecidos ... E o PS a fazer isto nesta greve ... Tudo ao contrário ...
Manuel AR, 12.08.2019 : Mas afinal de que lado está? Sá Lopes? Do lado de uma greve que, a ser deixada sem controle por exigências que ultrapassam tudo o que é razoável, ou do nosso lado, os cidadãos que seriam todos prejudicados, ou, ainda, dos que, para verem oportunisticamente satisfazerem a sua ganância, comandados por um perverso e falso sindicalista com ambições políticas pessoais? E onde ficavam inclusivamente os outros que também são muito sacrificados e responsáveis pelos seus trabalhos! É o fantasma da maioria absoluta que leva este também meu jornal a escrever editoriais que, por o ser, deixam de ser apenas opiniões pessoais.
ana cristina, 12.08.2019: eu, como cidadã, sinto-me mais prejudicada por uma operação de propaganda do governo do que por uma greve, seja ela qual for. as greves resolvem-se e são um direito. um governo irresponsável que usa uma crise laboral para proveito eleitoral é bem pior: é sinal de falta total de escrúpulos e que não está a governar o país com os olhos postos no interesse dos cidadãos.
Antonio Leitao, 12.08.2019: Concordo com a análise. De facto, a histeria sobre a greve é toda a orquestração deram ao governo uma imagem de "força" que raramente se consegue sem ser com medidas impopulares. De resto, PCP e BE encostados às cordas têm pouco a dizer, enquanto a Antram dá conselhos ao governo.
JOSÉ MANUEL PALMEIRO: Claro que o PS aproveitou a boleia, mas daí a ser tratado por esta senhora como o está a tratar vai uma enorme distância. Ainda vamos ver quem está por detrás desta greve, cara amiga.
CISTEINA: Desta vez gostei, Ana Sá Lopes. Não me admira nada que isto não esteja tudo já cozinhado entre o Pardal do sindicato rebelde, a águia do PS (Pedro Nuno Santos e o gavião Comprido das petrolíferas que conseguiu vender o produto em alta. Daqui a uns dias (poucos) virá a populaça bater palmas ao Governo, gabar-lhe a estratégia e autoridade para ser reposto combustível nas bombas (mais barato). E, lá mais para diante, também os motoristas vão ver os seus recibos mais gordinhos. É tudo uma guerra de bicos ... só faltam mesmo os papagaios do PS, andam muitos nas redes sociais a tecer loas ao patrão António.
Carlos Costa, 12.08.2019: O que talvez ASL quisesse era o caos no país causado pelos motoristas selvagens. Costa fez muito bem tudo o que tem feito. Num país democrático há regras mesmo para as greves por mais justas que sejam. ASL não percebeu que os motoristas são instrumentalizados por um fantoche que canta ao ouvido o que os camionistas gostam de ouvir. Costa percebeu isso há muito e fez o que um bom PM faria para evitar o pior.
trosario51, 12.08.2019: Senhora jornalista, esta greve não defende os interesses dos camionistas, esta greve é contra o regime democrático, não é uma greve normal. Se assim fosse , PR ,PGR, Governo, Partidos, não teriam tomado as posições que tomaram, estamos perante um Pardal proto-fascista, a senhora sabe disso. A sua crónica revela ingenuidade, ou está ao serviço da mesma força oculta do Dr. Pardal e, da realização do encontro fascista em Lisboa no domingo.



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