sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Precipitação



Quando na crónica anterior, SF referiu que foram ao Kruger, julguei que, entrado em área estrangeira, não voltava mais a Moçambique – anjices de quem tão pouco conheceu – daí, o meu “Kanimambo”- ou seja, o do Tudela – antecipado. Afinal, o passeio fora o que tantos portugueses faziam, no meu tempo, para conhecerem de perto a selva africana e voltarem ao ponto de partida. Aliás, muitos portugueses – dos mais abonados - faziam viagens à África do Sul, para tratarem dos dentes ou de casos mais complicados de saúde. De leões ao natural, eu também só conheci o do Jardim Zoológico, e das jaulas onde os pobres bichos estavam confinados, longe das suas planuras, e sempre senti pena desses animais, que apenas visitei na infância. Não me lembro de lá ter levado os meus filhos, apenas o fiz aqui, prova de uma “ocupação” confinada a azáfamas e passeios revigorantes, apenas aos fins-de-semana, sobretudo à praia da Polana. Mas ainda bem que a viagem de SF vai continuar… Kanimambo, quand même, repito.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA    A BEM DA NAÇÃO, 08.08.19
Durante a minha estadia em Moçambique de Abril de 1971 a Julho de 1974 andei à procura de leões mas…
… certa vez, passando um fim de semana na Ilha de Moçambique, ouvimos dizer que estava um leão na praia do lado do continente à sombra da ponte. Meti-me no carro com quem mais nele cabia e fomos até lá. Quando lá chegámos, vimos-lhe o rasto fecal e nada mais. Até se poderia dar o caso de estar ali bem perto de nós, oculto pelo capim e essa a razão pela qual sugeri às minhas amigas que se deixassem de aventuras no mato e não pensassem sequer em abrir as portas do carro. Mais: que tivessem a mão nos manípulos das manivelas dos vidros não fosse necessário fechá-los mais rápidamente do que o calor nos sugeria. Eu sabia que aquela era zona de leão pois uns tempos antes da minha chegada a África, os banhistas na praia das Chocas (onde Vasco da Gama fez aguada para seguir viagem até Quiloa) ter-se-ão visto encurralados entre os tubarões quase na areia e os leões junto dos automóveis estacionados no parque sobranceiro à praia. Nunca mais ouvi falar da presença de leões até que na grande viagem de Nampula a Lourenço Marques fomos três vezes à chamada «casa dos leões» na Gorongosa e só lhes vimos os ditos rastos acima referidos.
Já como civil, decidido a regressar a Portugal depois do «glorioso», pensei que seria uma vergonha chegar a Lisboa e ter que confessar que estivera aquele tempo todo em África sem ver um leão. De nada serviria garantir que os ouvia todos os dias rugir à hora das refeições no Jardim Zoológico ali mesmo ao lado do «meu» Centro Hípico. Então, para não passar por um vexame a-leónidas, apeei-me do cavalo, meti-me nos calcantes, paguei bilhete de visitante e entrei no Jardim Zoológico de Lourenço Marques para finalmente ver um leão em África. E lá estava o casal que eu todos os dias ouvia à hora das respectivas refeições. Lembro-me de ter dito a quem se foi despedir de mim junto das escadas do portaló do «Infante D. Henrique» que conseguira mesmo ver leão em África, o que nem todos eles tinham ainda conseguido. Mas não lhes disse do Zoo pelo que só agora, se lerem estas linhas, o ficarão a saber.
Passados 32 anos, estava decidido a ver leões em liberdade e não mais num zoo. Essa, a razão da ida ao Krueger Park, na África do Sul, ali mesmo junto da fronteira e apenas a 111 quilómetros de Maputo. E assim foi: minibus só para nós à porta do Polana que a meu pedido foi em viagem de passeio até ao destino (por uma estrada nova e boa que substituiu a vergonha do nosso tempo a que me referirei noutra crónica) para poder matar saudades; uma hora e picos depois, formalidades de fronteira que me fizeram lembrar que a União Europeia é «outra loiça»; mais meia dúzia de quilómetros e entrámos no Parque; alguns quilómetros depois e eis-nos a entrar no recinto do Hotel Pestana junto do Crocodile River, afluente do Limpopo.
Três dias de bicharada de manhã à noite e mesmo pela noite dentro para vermos os noctívagos. E destes, os leopardos, nada vimos porque o frio era tanto que a trintena de turistas na camioneta (ficámos então a saber que éramos todos portugueses e que tínhamos feito figura de parvos ao falarmos uns com os outros em inglês até então) deu ordem ao motorista que deixasse os leopardos tranquilos e nos pusesse de novo no hotel.
Regresso a Maputo pela mesma estrada e num minibus equivalente mas de matrícula sul africana, o que não me preocupou absolutamente nada porque as formalidades de fronteira foram (ou nos pareceram) menos morosas. Do lado sul africano, agricultura por toda a parte até aos arames que demarcam a linha de fronteira com óbvia excepção da área pertencente ao Krueger; do lado moçambicano, «África minha».
Chegando ao hotel, tínhamos o meu amigo Sebastião à nossa espera. Conhecera-o em Lisboa durante o exílio a que ele se viu forçado por incompatibilidade com o comunismo mas regressara depois do Acordo de Paz assinado em Roma. Convidado a entrar, preferiu convidar-nos para sua casa. Lindamente recebidos pela sua família que eu já conhecia de Lisboa, quis honrar-me e beneficiar-me oferecendo-me um bastão de madeira bem polida que parecia uma bengala. Mas não era uma bengala e era suposto não só simbolizar o poder de quem o possuísse como também… algo mais que ele não especificou. Ficámos, a Graça e eu, a imaginar que haveria por ali… o quê???
Jantar no Polana, um show qualquer igual a todos os outros que se vêem no resto do mundo e cama pois no dia seguinte voamos para Vilanculos e Arquipélago do Bazaruto.
Amanhã há mais.           Agosto de 2019, Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo, 08.08.2019: Também, em 1998, fiz essa viagem de Maputo ao Krueger, tendo saído de lá com um diploma a certificar que havia visto (bem ao longe, nalguns casos) os big five. Apesar de ter escolhido a viagem a iniciar de madrugada, recordo-me do frio que acompanhou o início do percurso. Nunca fui à Gorongosa, mas fiquei com pena. Já agora, Henrique, permites-me que faça um desabafo sobre a toponímia da cidade de Maputo, a que tu afloras nas tuas duas últimas crónicas (9 e 10). É naturalíssimo que tivesse havido uma alteração profunda do nome das ruas da cidade. Em Portugal também isso ocorreu na sequência das três revoluções do século passado (5/10; 28/5; 25/4). Mas o que mais me chamou a atenção na cidade que tinha o nome do comerciante e explorador português do século XVI, foi o recurso significativo a nome de entidades estrangeiras, que nada têm a ver com o País ou com a cidade. O feito dos navegadores vale por ele próprio, sejam os protagonistas portugueses ou não. Assim, foi com pena que vi eliminados os nomes de Pedro Álvares Cabral ou de Diogo Cão. Manteve-se o de Fernão Magalhães, talvez por estar ao serviço da Coroa de Espanha. Compreendo que tenha havido a preocupação de homenagear os vultos maiores moçambicanos (e muito bem), designadamente os que contribuíram, com armas na mão ou não, para a independência de Moçambique, bem como alguns presidentes de países africanos que colaboraram nesse desiderato (melhor fora que alguns deles não tivessem sido simples ditadores, acumuladores de fortunas). Mas o que me surpreendeu, e me fez sorrir, foi deparar com avenidas e ruas com nomes, como Kim II Sung, Ho Chi Min, Karl Marx e Mao Tsé Tung, por exemplo. Se não havia nomes moçambicanos suficientes para denominar as ruas, que se recorresse ao nome de outras cidades, de rios, de montanhas e até (porque não?) de pássaros. Em S. Paulo, há um bairro (Moema), que confinava com o meu, em que o nome dos pássaros baptizam as ruas. Confesso que é muito mais romântico, e até ecológico, passear na Avenida Rouxinol ou Colibri, no que na Avenida Vladimir Lenine ou Friedrich Engels… Há que aguardar uns 20 anos, para que a geração que levou Moçambique à independência desapareça, para que, com serenidade e distanciamento, se rebaptizem algumas das ruas. Talvez também com a consolidação, definitiva da paz interna, se veja algumas avenidas ou ruas de Maputo a ostentarem nomes de personalidades portuguesas, que hajam contribuído para a evolução do Mundo ou de Moçambique. Tenhamos essa esperança. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca  08.08.2019: Acho muito boa a ideia dos nomes dos pássaros para a despolitização da toponímia de Maputo. Para os efeitos que tenhas por convenientes, informo que o actual Presidente do Conselho Minicipal de Maputo é o nosso colega Eneias Dias Comiche que, pela certa, gostará de receber essa sugestão.
Anónimo, 08.08.2019:_ Bom Amigo, infelizmente é matéria que ultrapassa a vontade de um homem, mesmo chamando—se ele Comiche. Temos de dar tempo ao tempo. Espero que quando concluas as tuas narrativas sobre Moçambique, as mandes publicar em livro, juntamente com os comentários, e que possas oferecer ao Comiche. Gostaria de ver, pelo menos, nomes de homens e de mulheres de cultura de Língua Portuguesa a denominar algumas ruas do Maputo. Carlos Traguelho
NOTA: Parque Nacional Kruger    Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O Parque Nacional Kruger é a maior área protegida de fauna bravia da África do Sul, cobrindo cerca de 20 000 km2. Está localizado no nordeste do país, nas províncias de Mpumalanga e Limpopo e fazendo fronteira com os distritos moçambicanos de Moamba e Magude, na província de Maputo e Massingir e Chicualacuala na de Gaza. Tem uma extensão de cerca de 350 km de norte a sul e 60 km de leste a oeste. Juntamente com o Parque Nacional do Limpopo, em Moçambique, e com o Parque Nacional Gonarezhou, no Zimbabwe, forma o Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo. Os parques nacionais africanos, nas regiões da savana africana são importantes pelo turismo com safári de observação e fotográfico, ao contrário de antigamente onde havia a caçada de animais selvagens. O Parque Nacional Kruger faz parte da Reserva da Biosfera Kruger-Canyons.
História[editar | editar código-fonte]: O seu nome foi dado em homenagem a Stephanus Johannes Paul Kruger, último presidente da República Sul-Africana bôere. Foi criado em 31 de Maio de 1926

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