Quando na crónica anterior, SF referiu que foram ao Kruger, julguei que,
entrado em área estrangeira, não voltava mais a Moçambique – anjices de quem tão
pouco conheceu – daí, o meu “Kanimambo”- ou seja, o
do Tudela – antecipado.
Afinal, o passeio fora o que tantos portugueses faziam, no meu tempo, para
conhecerem de perto a selva africana e voltarem ao ponto de partida. Aliás,
muitos portugueses – dos mais abonados - faziam viagens à África do Sul, para
tratarem dos dentes ou de casos mais complicados de saúde. De leões ao natural,
eu também só conheci o do Jardim
Zoológico, e das jaulas onde os pobres bichos estavam confinados, longe das suas
planuras, e sempre senti pena desses animais, que apenas visitei na infância.
Não me lembro de lá ter levado os meus filhos, apenas o fiz aqui, prova de uma “ocupação”
confinada a azáfamas e passeios revigorantes, apenas aos fins-de-semana,
sobretudo à praia da Polana. Mas ainda bem que a viagem de SF vai continuar… Kanimambo,
quand même, repito.
MOÇAMBIQUE
REVISITADO – 11: O LEÃO RAMIRO
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A
BEM DA NAÇÃO, 08.08.19
Durante
a minha estadia em Moçambique de Abril de 1971 a Julho de 1974 andei à procura
de leões mas…
…
certa vez, passando um fim de semana na Ilha de Moçambique, ouvimos dizer que
estava um leão na praia do lado do continente à sombra da ponte. Meti-me no
carro com quem mais nele cabia e fomos até lá. Quando lá chegámos, vimos-lhe o
rasto fecal e nada mais. Até se poderia dar o caso de estar ali bem perto de
nós, oculto pelo capim e essa a razão pela qual sugeri às minhas amigas que se
deixassem de aventuras no mato e não pensassem sequer em abrir as portas do
carro. Mais: que tivessem a mão nos manípulos das manivelas dos vidros não
fosse necessário fechá-los mais rápidamente do que o calor nos sugeria. Eu
sabia que aquela era zona de leão pois uns tempos antes da minha chegada a
África, os banhistas na praia das Chocas (onde Vasco da Gama fez
aguada para seguir viagem até Quiloa) ter-se-ão visto encurralados entre
os tubarões quase na areia e os leões junto dos automóveis estacionados no
parque sobranceiro à praia. Nunca mais ouvi falar da presença de leões até que na grande
viagem de Nampula a Lourenço Marques fomos três vezes à chamada «casa dos
leões» na Gorongosa e só lhes vimos os ditos rastos acima referidos.
Já
como civil, decidido a regressar a Portugal depois do «glorioso», pensei que
seria uma vergonha chegar a Lisboa e ter que confessar que estivera aquele
tempo todo em África sem ver um leão. De nada serviria garantir que os ouvia
todos os dias rugir à hora das refeições no Jardim
Zoológico ali mesmo ao lado do
«meu» Centro Hípico. Então, para não passar por um vexame a-leónidas, apeei-me do
cavalo, meti-me nos calcantes, paguei bilhete de visitante e entrei no Jardim
Zoológico de Lourenço Marques para finalmente ver um leão em
África. E lá estava o casal que eu todos os dias ouvia à hora das respectivas
refeições. Lembro-me de ter dito a quem se foi despedir
de mim junto das escadas do portaló do «Infante D. Henrique» que conseguira
mesmo ver leão em África, o que nem todos eles tinham ainda conseguido. Mas
não lhes disse do Zoo pelo que só agora, se lerem estas linhas, o ficarão a
saber.
Passados
32 anos, estava decidido a ver leões em liberdade e não mais num zoo. Essa, a
razão da ida ao Krueger Park, na África do Sul, ali mesmo junto da fronteira e apenas a 111
quilómetros de Maputo. E assim foi: minibus só para nós à porta do Polana que a meu pedido foi em viagem
de passeio até ao destino (por uma estrada nova e boa que substituiu a vergonha
do nosso tempo a que me referirei noutra crónica) para poder matar saudades; uma hora e picos depois, formalidades
de fronteira que me fizeram lembrar que a União Europeia é «outra loiça»;
mais meia dúzia de quilómetros e entrámos no Parque; alguns quilómetros depois e eis-nos a entrar no recinto do Hotel
Pestana junto do Crocodile River, afluente do Limpopo.
Três
dias de bicharada de manhã à noite e mesmo pela noite dentro para vermos os
noctívagos. E destes, os leopardos, nada vimos porque o frio era tanto
que a trintena de turistas na camioneta (ficámos então a saber que éramos todos
portugueses e que tínhamos feito figura de parvos ao falarmos uns com os outros
em inglês até então) deu ordem ao motorista que deixasse os leopardos
tranquilos e nos pusesse de novo no hotel.
Regresso
a Maputo pela mesma estrada e num minibus equivalente mas de matrícula sul africana, o que não me
preocupou absolutamente nada porque as formalidades de fronteira foram (ou
nos pareceram) menos morosas. Do lado sul africano, agricultura por toda a parte até aos arames
que demarcam a linha de fronteira com óbvia excepção da área pertencente
ao Krueger; do lado moçambicano, «África minha».
Chegando
ao hotel, tínhamos o meu amigo Sebastião à nossa espera. Conhecera-o em
Lisboa durante o exílio a que ele se viu forçado por incompatibilidade com o
comunismo mas regressara depois do Acordo de Paz assinado em Roma. Convidado a
entrar, preferiu convidar-nos para sua casa. Lindamente recebidos pela sua
família que eu já conhecia de Lisboa, quis honrar-me e beneficiar-me oferecendo-me
um bastão de madeira bem polida que parecia uma bengala. Mas não era uma
bengala e era suposto não só simbolizar o poder de quem o possuísse como
também… algo mais que ele não especificou. Ficámos, a Graça e eu, a imaginar
que haveria por ali… o quê???
Jantar
no Polana, um show qualquer igual a todos os
outros que se vêem no resto do mundo e cama pois no dia seguinte voamos para
Vilanculos e Arquipélago do Bazaruto.
Amanhã
há mais. Agosto
de 2019, Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo, 08.08.2019: Também, em
1998, fiz essa viagem de Maputo ao Krueger, tendo saído de lá com um diploma a
certificar que havia visto (bem ao longe, nalguns casos) os big five. Apesar de
ter escolhido a viagem a iniciar de madrugada, recordo-me do frio que
acompanhou o início do percurso. Nunca fui à Gorongosa, mas fiquei com pena. Já
agora, Henrique, permites-me que faça um desabafo sobre a toponímia da cidade
de Maputo, a que tu afloras nas tuas duas últimas crónicas (9 e 10). É
naturalíssimo que tivesse havido uma alteração profunda do nome das ruas da
cidade. Em Portugal também isso ocorreu na sequência das três revoluções do
século passado (5/10; 28/5; 25/4). Mas o que mais me chamou a atenção na cidade
que tinha o nome do comerciante e explorador português do século XVI, foi o
recurso significativo a nome de entidades estrangeiras, que nada têm a ver com
o País ou com a cidade. O feito dos navegadores vale por ele próprio, sejam os
protagonistas portugueses ou não. Assim, foi com pena que vi eliminados os
nomes de Pedro Álvares Cabral ou de Diogo Cão. Manteve-se o de Fernão
Magalhães, talvez por estar ao serviço da Coroa de Espanha. Compreendo que
tenha havido a preocupação de homenagear os vultos maiores moçambicanos (e
muito bem), designadamente os que contribuíram, com armas na mão ou não, para a
independência de Moçambique, bem como alguns presidentes de países africanos
que colaboraram nesse desiderato (melhor fora que alguns deles não tivessem
sido simples ditadores, acumuladores de fortunas). Mas o que me surpreendeu, e
me fez sorrir, foi deparar com avenidas e ruas com nomes, como Kim II Sung, Ho
Chi Min, Karl Marx e Mao Tsé Tung, por exemplo. Se não havia nomes moçambicanos
suficientes para denominar as ruas, que se recorresse ao nome de outras
cidades, de rios, de montanhas e até (porque não?) de pássaros. Em S. Paulo, há
um bairro (Moema), que confinava com o meu, em que o nome dos pássaros baptizam
as ruas. Confesso que é muito mais romântico, e até ecológico, passear na
Avenida Rouxinol ou Colibri, no que na Avenida Vladimir Lenine ou Friedrich
Engels… Há que aguardar uns 20 anos, para que a geração que levou Moçambique à
independência desapareça, para que, com serenidade e distanciamento, se rebaptizem
algumas das ruas. Talvez também com a consolidação, definitiva da paz interna,
se veja algumas avenidas ou ruas de Maputo a ostentarem nomes de personalidades
portuguesas, que hajam contribuído para a evolução do Mundo ou de Moçambique.
Tenhamos essa esperança. Carlos Traguelho
Henrique Salles da
Fonseca 08.08.2019: Acho
muito boa a ideia dos nomes dos pássaros para a despolitização da toponímia de
Maputo. Para os efeitos que tenhas por convenientes, informo que o actual
Presidente do Conselho Minicipal de Maputo é o nosso colega Eneias Dias Comiche
que, pela certa, gostará de receber essa sugestão.
Anónimo,
08.08.2019:_ Bom Amigo,
infelizmente é matéria que ultrapassa a vontade de um homem, mesmo chamando—se
ele Comiche. Temos de dar tempo ao tempo. Espero que quando concluas as tuas
narrativas sobre Moçambique, as mandes publicar em livro, juntamente com os
comentários, e que possas oferecer ao Comiche. Gostaria de ver, pelo menos,
nomes de homens e de mulheres de cultura de Língua Portuguesa a denominar
algumas ruas do Maputo. Carlos
Traguelho
NOTA: Parque Nacional Kruger Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
O Parque
Nacional Kruger é a maior área
protegida de fauna bravia da África
do Sul, cobrindo cerca de 20 000 km2. Está localizado no nordeste
do país, nas províncias de Mpumalanga e Limpopo e fazendo fronteira com os
distritos moçambicanos de Moamba e Magude,
na província de Maputo e Massingir e Chicualacuala na de Gaza. Tem uma extensão de cerca de 350 km de
norte a sul e 60 km de leste a oeste. Juntamente com o Parque Nacional do Limpopo, em
Moçambique, e com o Parque Nacional
Gonarezhou, no Zimbabwe, forma o Parque Transfronteiriço do
Grande Limpopo. Os parques nacionais africanos, nas regiões da savana
africana são importantes pelo turismo com safári de
observação e fotográfico, ao contrário de antigamente onde havia a caçada de
animais selvagens. O Parque Nacional Kruger faz parte da Reserva da Biosfera Kruger-Canyons.
História[editar | editar código-fonte]: O seu nome foi dado em homenagem a Stephanus Johannes Paul Kruger,
último presidente da República Sul-Africana bôere. Foi
criado em 31 de Maio de 1926
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