sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Fruições



Eu compreendo a posição de JMT a respeito das leituras de praia – ou do campo, ou seja lá o que for das nossas disponibilidades para o “carpe diem” que o Estado concede aos seus cidadãos, um mês por ano. Gozo é gozo e os tais livros que a MM leva para o seu “carpe diem”, repito, para mim também seriam assustadores. Mas o JMT arriscou-se muito com esta crítica das leituras da Mariana e foi um ver se te avias de condenações ofensivas, de uma esquerda comentadora, encarniçada e rodopiante em volta dele. Cito apenas duas, (de Luís Carvalho e Manuel Brito), a título de exemplo, embora mais comedido, apontando antes os comentários mais dignos e construtivos – e educados - que traduziram conhecimento. Conhecendo a Mariana do desabafo triste e ardor sombrio e quase em surdina das suas expansões condenatórias, ou apenas das suas perguntas acusatórias, não me custa crer que os tais livros estejam na base do seu perfil de angústia ponderada, e julgo que do seu “carpe diem” de autenticidade. Mas o JMT tem o sangue na guelra e prefere outras leituras para a complementaridade da sua própria fruição das férias, o que comprova que a igualdade é balela.
OPINIÃO:    As leituras para férias de Mariana Mortágua
Não deixa de ser significativo que nem nas férias Mariana Mortágua abdique da sua missão transformadora do mundo ou se atreva a ler qualquer obra que ultrapasse as estritas fronteiras das suas crenças pessoais, dos seus interesses políticos ou da confirmação da sua mundividência.
JOÃO MIGUEL TAVARES  PÚBLICO, 8 de Agosto de 2019
Como certamente saberão os leitores deste jornal, o PÚBLICO tem vindo a convidar algumas personalidades a apresentar sugestões de livros para férias. Na quarta-feira coube a vez a Mariana Mortágua. Segundo o artigo publicado no suplemento P2, a deputada do Bloco “levará quatro livros para os dias de descanso no Verão: A Transparência do Tempo, de Leonardo Padura; Trotsky, o Profeta Desarmado, de Isaac Deutscher; The Bankers New Clothes — What’s wrong with banking and what to do about it, de Anat Admati e Martin Hellwig; e Criminal Capital — How the finance industry facilitates crime, de Stephen Platt.
A lista é engraçada e significativa. Um livro sobre os crimes da indústria financeira. Um livro sobre o que está errado no sistema bancário. O segundo volume da trilogia biográfica de Trotsky. E um livro de Leonardo Padura. O romance policial do cubano Padura poderia até soar a um certo escapismo do mundo da política, da alta finança criminosa ou, pelo menos, da esquerda. Mas não. Eis a descrição que Mariana Mortágua faz da obra: A Transparência do Tempo é uma análise “muito realista” da “Cuba contemporânea”, “sem grandes ilusões sobre o que foi o regime de Fidel Castro”, mas “com o reconhecimento de coisas boas e más e da forma como Cuba se está a transformar hoje em dia”.
A bem dizer, eu não sei se estes são mesmo os livros que Mariana Mortágua vai levar para férias, ou se são os livros que ela diz ao PÚBLICO que vai levar para férias, e na verdade aconchegou junto à toalha e aos chinelos. A Arte Subtil de Saber Dizer Que Se F*da, de Mark Manson (número 1 do topnacional), ou a edição revista da Ilíada por Frederico Lourenço. Esperemos, a bem do repouso espiritual da deputada, que seja apenas pose cultural bloquista. Mas, mesmo como pose, não deixa de ser significativo que nem nas férias Mariana Mortágua abdique da sua missão transformadora do mundo ou se atreva a ler qualquer obra que ultrapasse as estritas fronteiras das suas crenças pessoais, dos seus interesses políticos ou da confirmação da sua mundividência.
Já agora, aproveito eu para deixar uma sugestão de leitura a Mariana Mortágua: The Believing Brain — From ghosts and gods to politics and conspiracies, how we construct beliefs and reinforce them as truths, de Michael Shermer. A tese do livro pode ser resumida assim: primeiro, nós formamos as nossas convicções; depois, vamos à procura dos argumentos que as sustentem. O nosso cérebro é uma máquina de produzir crenças (por uma excelente razão biológica e antropológica — é aquilo que nos permite viver em comunidade com milhões de pessoas que nunca vimos mais gordas), às quais nos afeiçoamos tanto que temos dificuldades em abandoná-las mesmo quando há evidências gritantes de que estão erradas (Galileu que o diga). É de tal forma forte a ligação emocional que nós estabelecemos com certas ideias que o nosso cérebro distorce o mundo, se necessário for, só para proteger aquilo que tem como as suas crenças mais profundas.
É importante ter consciência deste mecanismo para que, imbuídos do melhor espírito científico, nos esforcemos por corrigir o excesso de crendice que de forma despercebida vamos impondo a nós próprios. O curioso nas escolhas de Mariana Mortágua é elas revelarem um desejo evidente de reforçar as próprias crenças e um manifesto desinteresse em contactar com ideias fora do seu quadro mental. Por isso, até podendo ser bons livros, são más sugestões de leitura para férias.
COMENTÁRIOS
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019: Claustrofobia, bairros de lata, prostituição, fome, corrupção e mafiosos de frigorífico cheio de foie-gras ..... qual é a parte que a Mariana Mortagua irá achar “boa” na Havana descrita pelo Leonardo Padura?
OldVic,  Música do dia: "A Don Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Provavelmente a perfeição teórica do regime plasmada nas suas intenções declaradas, como fazem por aqui tantos adeptos desse tipo de ideologias. Olhar para os resultados é que não.
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019 : só que o padura não escreve sobre teorias. nem uma linha.
OldVic, Música do dia: "A Don Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Estou certo de que a imaginação da Mariana preenche bem esses vazios, tal como acontece na visão do mundo dela.
martins.ruijorge, Quinta do Anjo 08.08.2019: Pois claro, Old. O que é bom é descartar as intenções declaradas e a perfeição teórica e manter os resultados - a prostituição, a fome, a corrupção e os mafiosos. Supremo cinismo... Já agora, Ana, a visão de Padura é desiludida, sem dúvida, mas se nos colocarmos do lado de cá do oceano e virmos os países que fazem geograficamente companhia a Cuba, os males apontados estão muito mais presentes nas sociedades vizinhas, o afã em denunciá-los é que é incomparavelmente menor. Porque será? Comparar as favelas do Rio ou de Caracas com as habitações degradadas em Havana. O crime em São Paulo e os gangs organizados que matam na Colômbia ou no México com uns malandros de pacotilha que aldrabam turistas em Varadero ou até a falta de alguns alimentos com a fome no Haiti, Só por má fé ou ignorância.
OldVic, Música do dia: "A Don Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Essa vai precisar de explicação. Avaliar os regimes pelos resultados e não pelas declarações é cinismo?
António Cunha, 08.08.2019: Divertido constatar que a ana cristina papou com gosto os ensinamentos literários de mestre JMT.
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019: martins.ruijorge: se vamos pela escolha do menos mau ali da zona, então bora lá comparar com nassau, kingston, miami, martinica, para não referir as famosas ilhas caimão. bora lá abrir os frigoríficos desse pessoal todo.
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: Esperança média de vida: Cuba, posição 56 a nível mundial. Jamaica 126, Bahamas, 144. E tem também uma esperança média de vida maior que a de Martinica (79.8 vs 79.1). Deve ser porque têm pouca comida no frigorífico. Longe de ser um defensor do regime Cubano, mas detesto pessoas que falam de cor.
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019: justamente em "A transparência do tempo", o mário conde faz 60 anos. E explica-nos o que é a vida encurralado, faminto, desesperado por ver como vivem os cubanos dos bairros de lata, sem água nem luz nem papeis..... se calhar esses não contaram para o cálculo da esperança média de vida. e depois sou eu que falo de cor......
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: E como se vive nos bairros de lata da Jamaica e das Bahamas, sabe? Deve ser uma vida boa. Ou acha que não existem? E já agora quantos escritores desses países conhece? Acha que é por acaso?
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019: não sei se a vida nos bairros da lata da jamaica é melhor, mas pode-se fazer as malinhas quando se quiser. como fez o bob marley. quantos escritores desses países conheço? boa pergunta! só prémios nobel da literatura conheço 3. entre os quais o querido VS Naipaul, de trinidad e o saint-john perse que também era dali perto. o outro escapa-me, mas não era cubano. recomendo o VS Naipaul como leitura de verão.
martins.ruijorge, Quinta do Anjo08.08.2019: Old, como exemplo, na Rússia, após a queda do socialismo, fenómenos como a corrupção, a máfia, a fome e a miséria, o desemprego, os sem abrigo ou a prostituição, ou surgiram ou aprofundaram-se, demonstrando à exaustão que são resultado não da teoria e da ideologia, mas sim da sua deturpação ou não cumprimento. Aqueles que zurziram o socialismo e que apontavam à exaustão os seus problemas, calaram-se mal a URSS capitulou e nunca tiveram a seriedade de apontar esses males ao capitalismo. Chama-se cinismo sim.
OldVic, Música do dia: "A Don Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019:
O mecanismo descrito por Shermer (procura de factos ou opiniões que reforcem as nossas) é tanto mais forte quanto mais nos afastamos do centrão ideológico. Por isso é que tantos adeptos de ideologias extremistas recusam ver os desastres que essas ideologias provocam e se refugiam intelectualmente atrás duma cortina de teorias da conspiração e de distorções da verdade. Temo que para muitos deles, o problema seja incurável. Por outro lado, há aspectos sociais que não devemos desprezar: alguém imagina a "tareia" que Mariana Mortágua receberia dos seus colegas de partido de dissesse que ia para as férias ler os escritos políticos de Popper?
Manuel Brito, LISBOA 08.08.2019: A arrogância de JMT não tem limites. Só me faz lembrar o célebre educador da classe operária.
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: Primeiro o JMT não gosta da Mariana Mortágua e depois vai à procura de (pseudo) factos que sustentem a sua apreciação.

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