Eu compreendo a posição de JMT a respeito das leituras de praia – ou do
campo, ou seja lá o que for das nossas disponibilidades para o “carpe diem” que
o Estado concede aos seus cidadãos, um mês por ano. Gozo é gozo e os tais
livros que a MM leva para o
seu “carpe diem”, repito, para mim também seriam assustadores. Mas o JMT arriscou-se muito com esta crítica das
leituras da Mariana e foi um
ver se te avias de condenações ofensivas, de uma esquerda comentadora, encarniçada
e rodopiante em volta dele. Cito apenas duas, (de Luís Carvalho e Manuel
Brito), a título de exemplo, embora mais comedido, apontando antes os comentários
mais dignos e construtivos – e educados - que traduziram conhecimento.
Conhecendo a Mariana do desabafo
triste e ardor sombrio e quase em surdina das suas expansões condenatórias, ou
apenas das suas perguntas acusatórias, não me custa crer que os tais livros
estejam na base do seu perfil de angústia ponderada, e julgo que do seu “carpe diem” de autenticidade. Mas o JMT
tem o sangue na guelra e prefere outras leituras para a complementaridade da sua
própria fruição das férias, o que comprova que a igualdade é balela.
OPINIÃO: As leituras para férias de Mariana Mortágua
Não deixa de ser significativo que nem
nas férias Mariana Mortágua abdique da sua missão transformadora do mundo ou se
atreva a ler qualquer obra que ultrapasse as estritas fronteiras das suas
crenças pessoais, dos seus interesses políticos ou da confirmação da sua
mundividência.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 8
de Agosto de 2019
Como
certamente saberão os leitores deste jornal, o PÚBLICO tem vindo a convidar
algumas personalidades a apresentar sugestões de livros para férias.
Na quarta-feira coube a vez a Mariana Mortágua.
Segundo o artigo publicado no suplemento P2, a deputada do Bloco “levará quatro
livros para os dias de descanso no Verão: A Transparência do Tempo, de Leonardo Padura; Trotsky, o Profeta Desarmado, de Isaac Deutscher; The Bankers New Clothes
— What’s wrong with banking and what to do about it, de Anat Admati e Martin Hellwig; e Criminal Capital — How the
finance industry facilitates crime,
de Stephen Platt.
A
lista é engraçada e significativa. Um livro sobre os crimes da indústria
financeira. Um livro sobre o que está errado no sistema bancário. O
segundo volume da trilogia biográfica de Trotsky. E um livro de Leonardo
Padura. O romance policial do cubano Padura poderia até soar a um certo
escapismo do mundo da política, da alta finança criminosa ou, pelo menos, da
esquerda. Mas não. Eis a descrição que Mariana Mortágua faz da obra: A Transparência do Tempo é uma
análise “muito realista” da “Cuba contemporânea”, “sem grandes ilusões sobre o
que foi o regime de Fidel Castro”, mas “com o reconhecimento de coisas boas e
más e da forma como Cuba se está a transformar hoje em dia”.
A
bem dizer, eu não sei se estes são mesmo os livros que Mariana Mortágua vai
levar para férias, ou se são os livros que ela diz ao PÚBLICO que vai levar
para férias, e na verdade aconchegou junto à toalha e aos chinelos. A Arte Subtil de Saber Dizer Que
Se F*da, de Mark Manson (número 1 do topnacional), ou a edição revista da Ilíada por Frederico Lourenço. Esperemos, a bem do repouso espiritual da
deputada, que seja apenas pose cultural bloquista. Mas, mesmo como pose,
não deixa de ser significativo que nem nas férias Mariana Mortágua abdique
da sua missão transformadora do mundo ou se atreva a ler qualquer obra que
ultrapasse as estritas fronteiras das suas crenças pessoais, dos seus
interesses políticos ou da confirmação da sua mundividência.
Já
agora, aproveito eu para deixar uma sugestão de leitura a Mariana Mortágua: The Believing
Brain — From ghosts and gods to politics and conspiracies, how we
construct beliefs and reinforce them as truths, de Michael Shermer. A tese do livro pode ser resumida assim: primeiro,
nós formamos as nossas convicções; depois, vamos à procura dos argumentos que
as sustentem. O nosso cérebro é uma máquina de produzir crenças (por uma
excelente razão biológica e antropológica — é aquilo que nos permite viver em
comunidade com milhões de pessoas que nunca vimos mais gordas), às quais nos
afeiçoamos tanto que temos dificuldades em abandoná-las mesmo quando há
evidências gritantes de que estão erradas (Galileu que o diga). É de tal
forma forte a ligação emocional que nós estabelecemos com certas ideias que o
nosso cérebro distorce o mundo, se necessário for, só para proteger aquilo que
tem como as suas crenças mais profundas.
É
importante ter consciência deste mecanismo para que, imbuídos do melhor
espírito científico, nos esforcemos por corrigir o excesso de crendice que de
forma despercebida vamos impondo a nós próprios. O curioso nas escolhas de
Mariana Mortágua é elas revelarem um desejo evidente de reforçar as próprias
crenças e um manifesto desinteresse em contactar com ideias fora do seu quadro
mental. Por isso, até podendo ser bons livros, são más sugestões de leitura
para férias.
COMENTÁRIOS
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019:
Claustrofobia,
bairros de lata, prostituição, fome, corrupção e mafiosos de frigorífico cheio
de foie-gras ..... qual é a parte que a Mariana Mortagua irá achar “boa” na
Havana descrita pelo Leonardo Padura?
OldVic, Música do dia: "A Don
Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Provavelmente a
perfeição teórica do regime plasmada nas suas intenções declaradas, como fazem
por aqui tantos adeptos desse tipo de ideologias. Olhar para os resultados é
que não.
OldVic, Música do dia: "A Don
Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Estou certo de
que a imaginação da Mariana preenche bem esses vazios, tal como acontece na
visão do mundo dela.
martins.ruijorge, Quinta do Anjo 08.08.2019:
Pois
claro, Old. O que é bom é descartar as intenções declaradas e a perfeição
teórica e manter os resultados - a prostituição, a fome, a corrupção e os
mafiosos. Supremo cinismo... Já agora, Ana, a visão de Padura é desiludida, sem
dúvida, mas se nos colocarmos do lado de cá do oceano e virmos os países que
fazem geograficamente companhia a Cuba, os males apontados estão muito mais presentes
nas sociedades vizinhas, o afã em denunciá-los é que é incomparavelmente menor.
Porque será? Comparar as favelas do Rio ou de Caracas com as habitações
degradadas em Havana. O crime em São Paulo e os gangs organizados que matam na
Colômbia ou no México com uns malandros de pacotilha que aldrabam turistas em
Varadero ou até a falta de alguns alimentos com a fome no Haiti, Só por má fé
ou ignorância.
OldVic, Música do dia: "A Don
Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019: Essa vai precisar
de explicação. Avaliar os regimes pelos resultados e não pelas declarações é
cinismo?
António Cunha, 08.08.2019: Divertido constatar que a ana
cristina papou com gosto os ensinamentos literários de mestre JMT.
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019:
martins.ruijorge:
se vamos pela escolha do menos mau ali da zona, então bora lá comparar com
nassau, kingston, miami, martinica, para não referir as famosas ilhas caimão.
bora lá abrir os frigoríficos desse pessoal todo.
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: Esperança média
de vida: Cuba, posição 56 a nível mundial. Jamaica 126, Bahamas, 144. E tem
também uma esperança média de vida maior que a de Martinica (79.8 vs 79.1).
Deve ser porque têm pouca comida no frigorífico. Longe de ser um defensor do
regime Cubano, mas detesto pessoas que falam de cor.
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019:
justamente
em "A transparência do tempo", o mário conde faz 60 anos. E
explica-nos o que é a vida encurralado, faminto, desesperado por ver como vivem
os cubanos dos bairros de lata, sem água nem luz nem papeis..... se calhar
esses não contaram para o cálculo da esperança média de vida. e depois sou eu
que falo de cor......
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: E como se vive
nos bairros de lata da Jamaica e das Bahamas, sabe? Deve ser uma vida boa. Ou
acha que não existem? E já agora quantos escritores desses países conhece? Acha
que é por acaso?
ana cristina, Lisboa et Orbi 08.08.2019:
não
sei se a vida nos bairros da lata da jamaica é melhor, mas pode-se fazer as
malinhas quando se quiser. como fez o bob marley. quantos escritores desses
países conheço? boa pergunta! só prémios nobel da literatura conheço 3. entre
os quais o querido VS Naipaul, de trinidad e o saint-john perse que também era
dali perto. o outro escapa-me, mas não era cubano. recomendo o VS Naipaul como
leitura de verão.
martins.ruijorge, Quinta do Anjo08.08.2019: Old, como exemplo, na Rússia, após a
queda do socialismo, fenómenos como a corrupção, a máfia, a fome e a miséria, o
desemprego, os sem abrigo ou a prostituição, ou surgiram ou aprofundaram-se,
demonstrando à exaustão que são resultado não da teoria e da ideologia, mas sim
da sua deturpação ou não cumprimento. Aqueles que zurziram o socialismo e que
apontavam à exaustão os seus problemas, calaram-se mal a URSS capitulou e nunca
tiveram a seriedade de apontar esses males ao capitalismo. Chama-se cinismo sim.
OldVic, Música do dia: "A Don
Quijote" (Cantares) Liberdade para a Venezuela! 08.08.2019:
O mecanismo descrito por Shermer
(procura de factos ou opiniões que reforcem as nossas) é tanto mais forte
quanto mais nos afastamos do centrão ideológico. Por isso é que tantos adeptos
de ideologias extremistas recusam ver os desastres que essas ideologias
provocam e se refugiam intelectualmente atrás duma cortina de teorias da
conspiração e de distorções da verdade. Temo que para muitos deles, o problema
seja incurável. Por outro lado, há aspectos sociais que não devemos desprezar:
alguém imagina a "tareia" que Mariana Mortágua receberia dos seus
colegas de partido de dissesse que ia para as férias ler os escritos políticos
de Popper?
Manuel Brito, LISBOA 08.08.2019: A arrogância de
JMT não tem limites. Só me faz lembrar o célebre educador da classe operária.
Luís Carvalho, Lisboa 08.08.2019: Primeiro o JMT
não gosta da Mariana Mortágua e depois vai à procura de (pseudo) factos que
sustentem a sua apreciação.
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