Foi o que me lembrou este capítulo da
viagem de SF: o filme de Claude
Lelouch, que vi em Lourenço Marques, quando saiu, em 1972, suponho, - (li na
Internet) - pois parece que os filmes corriam, então, primeiro em Moçambique do
que na Metrópole, talvez por ficar perto da África do Sul. Um filme
divertidíssimo, que o espírito de SF
parece acompanhar, no humor crítico que o seu texto transmite.
MOÇAMBIQUE
REVISITADO – 14 : PÓ DE TALCO
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 11.08.19
Na doca de Mucoque, como previsto, o transfer à nossa espera. Um último olhar para o que tinha sido o Hotel
Don’Ana – fechado mas não em ruínas – e vá de passeio pela estrada
sobranceira às praias até Vilanculo, quase sempre à sombra das casuarinas
e do assobio que a brisa marítima faz nas suas faúlhas. Temperatura amena a
dizer que aquele é um bom local para se viver. Casas de praia em madeira que já
tinham visto melhores dias mas, assinada a paz e com aquela localização, seria
fácil adivinhar que qualquer dia estariam recompostas. Até porque se o
turismo nas ilhas do Bazaruto é para desportistas do mar, nada obsta a que do
lado de cá não possa haver turismo para sossegados.
Entrámos na malha urbana de Vilanculo
sem nos darmos conta pois que, de início, tudo se fez por vivendas cada vez
mais chegadas até que começaram a aparecer casas de tijolo pegadas umas às
outras, sem quintais de permeio. Et voilà, c’est la ville! E porquê uma expressão em francês? Porque em espanhol seria muito feio devido à terminação do nome da cidade.
A azáfama era enorme no largo da Câmara
Municipal pois estava a chegar a camioneta que vinha de Maputo. Viagem de cerca
de 700 quilómetros, penso que tenha vindo aos saltinhos pois custa-me a
crer que as cabras e as galinhas que vimos serem apeadas do tejadilho tivessem
sobrevivido à soalheira desde a capital até ali. Eventualmente, vinham de
alguma localidade ali próxima. Mas isso não é importante para o que me pareceu.
E o que me pareceu foi que a vida
retomara o seu curso depois da guerra civil e que as populações estão muito
mais interessadas em que as deixem viver do que nas altas lucubrações da
política. O problema surge quando os da política impedem as
populações de viver e, aí, chega-lhes a mostarda ao nariz e entorna-se o caldo.
Foi isso que aconteceu quando o
Partido que então era único fez as estupidezes que já referi em crónicas
anteriores instaurando a revolução dita proletária (de que proletariado por
ali?), privando as pessoas dos seus bens, querendo que elas pensassem conforme
cartilhas que vinham do frio,… Então, houve guerra e os dogmáticos viram-se
obrigados a negociar. Mas, mesmo assim, demora tempo a que os políticos se
habituem a ter alguém a espreitar-lhes por cima de um ombro e mais tempo ainda
a adoptarem novas práticas que não as das tais cartilhas malévolas.
Bem sei que só tinham então passado quatro
anos desde a assinatura da paz lá em Roma mas
não deixei de reparar no mau estado de conservação das ruas e num certo
desleixo generalizado. Vilanculo merecia melhor sorte na Administração que lhe
coubera.
Dada a volta prevista pela cidade, era hora de
rumarmos ao aeródromo. Feito o check in, enviadas as malas para a
respectiva fila de embarque ali bem perto e debaixo dos nossos olhos, esperámos
junto da porta de embarque dos passageiros numa «sala de embarque» com porta
directa para a rua e outra igual mas do lado oposto que dava directamente para
a placa de estacionamento dos aviões. Agente fardado da Polícia a olhar por
tudo e por todos, garantindo total segurança. Ficámos então a saber que
naquela «sala de embarque» entrava (e saía?) quem queria uma vez que, vindo
da rua, se aproximou de nós um Fulano razoavelmente vestido de camisa, calças
compridas e sapatos que, ali debaixo de nariz do polícia, nos perguntou se
queríamos o pó branco que descontraidamente exibia para nossa apreciação.
Rejeitada a oferta, saiu para a rua com a mesma descontracção com que entrara e
nós ficámos convencidos de que ou ele era sócio do polícia ou este era
comissionista da droga vendida na «sala de embarque» do aeródromo de Vilanculo.
A menos que o tal pó branco fosse de talco para tirar alguma nódoa que nos
tivesse visto nas vestimentas. Seria? É que a
origem mais próxima da matéria prima para fabrico do pó de talco se situa ali
em frente, do outro lado do Oceano Índico, numa mina a céu aberto vizinha de
Geraldton, cidade da Austrália Ocidental, a dois dias de navegação a norte de
Perth.
Voo
sem história até Maputo no avião da contravolta.
Amanhã
há mais.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca
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