Julgo que os comentários de VPV sobre o que vai por aí destilam um altivo
ressabiamento a conta-gotas, de quem não está para satisfazer mais amplamente as
curiosidades alheias relativamente aos seus pontos de vista peremptórios, de
subjectividade redutora, pese embora a ciência que os ditou. E assim encobrem
os tesouros de um raciocínio que me parece modelar, pelo que implica de saber e
de argúcia, mesmo na subjectividade de um rancor que permanece, (por não existirem
motivos para que ele desapareça, ai de nós). Em relação, contudo, ao regime
anterior, a definição “ditadura clerical”,
sinteticamente irónica, não deixa, contudo, de parecer ingrata e tão vazia como
a palavra “fascista” da ignorância atrevida dos definidores de esquerda, pura
pedrada num charco fétido que só levanta mais fedor. Pela ingratidão que
traduz.
OPINIÃO
Diário
“O dr. Pardal Henriques é candidato à Assembleia da República pelo partido de Marinho e
Pinto. Quem pretender estudar o populismo português, em todo o seu esplendor,
deve levar estes dois exemplares para o laboratório”, escreve Vasco Pulido
Valente
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 24 de Agosto
de 2019
António
Costa tem a primeira qualidade de um chefe, segundo Napoleão: a sorte. O sindicato dos motoristas de Matérias Perigosas (ou,
por outras palavras, o dr. Pardal) marcou a
greve para meados de Agosto, pensando que perante o caos o governo obrigaria a
ANTRAM a ceder. As coisas saíram exactamente ao contrário. O governo
liquidou a greve, e beneficiou da ausência de qualquer comentário político. Os
comentadores estavam em férias, com os programas suspensos. Foi numa
grande tranquilidade que o governo fez o que fez.
19 de Agosto: A câmara de Santa Comba Dão quer ganhar uns dinheiros
com o seu velho conterrâneo e ditador António de Oliveira Salazar.
Nada de mais louvável e de mais inócuo. Mas eis que se levanta um “movimento” de cidadãos
zelosos contra esta ideia. Porquê? Porque temem que Santa Comba se
transforme num lugar de peregrinação para a extrema-direita. Só a ignorância
pode ter inspirado estes receios.
O salazarismo foi uma ditadura
clerical e nunca, desde o princípio ao fim, um regime fascista. O meu amigo Manuel Lucena, reconhecendo a
realidade, passou a vida a tentar provar que o Estado Novo era um fascismo
sem movimento, ou seja, que um círculo era um quadrado. He got no
satisfaction. O que, infelizmente, não impediu a oposição republicana e o
PCP de fazerem com que a palavra “fascista” servisse para insultar qualquer
espécie de adversários e para mover a esquerda a qualquer espécie de acção.
Seja
como for, não há em Portugal uma memória de militância salazarista como, por
exemplo, houve e ainda há em Itália o culto da memória dos camisas negras e de
Mussolini. O cabeça de
lista do PS de Viseu escusa de exibir os seus sentimentos democráticos,
condenando o “Museu Salazar”. Santa Comba Dão nunca será uma segunda Predappio.
E os milhares de signatários deste último protesto bateram à porta errada. O
mais que vão conseguir, se por acaso conseguirem alguma coisa, é que o dono do
café de Santa Comba Dão não ganhe uns patacos com turistas. A estupidez disto
tudo aflige-me.
20 de Agosto: A greve das tripulações da Ryanair não tem semelhança
possível com a greve dos motoristas de Matérias Perigosas. O governo foi de uma prepotência absurda quando meteu
o nariz onde não era chamado.
21 de Agosto: Afinal confirmou-se: o dr. Pardal Henriques é candidato à Assembleia da
República pelo partido de Marinho e Pinto. Quem pretender estudar o
populismo português, em todo o seu esplendor, deve levar estes dois exemplares
para o laboratório.
22 de Agosto: O dr. Pardal é o sintoma de uma velha infecção: a
penetração dos movimentos de trabalhadores pela pequena burguesia radical,
letrada e bem-falante. Mas, por
sorte, todo o mundo é hoje letrado e bem-falante, e o dr. Pardal Henriques foi
despromovido do seu lugar de porta-voz do sindicato para o lugar obscuro de
assessor jurídico. Esperemos que lá fique para a eternidade.
Colunista
COMENTÁRIOS:
AndradeQB: Sempre
encontrei pertinência e inteligência no que VPV foi dizendo, não me lembro, no
entanto, de lhe ter visto tanto azedume quando aqui hà umas décadas o regime
instalado começou a fazer negócios de navalha na mão a partir dos arranjos da
Assembleia da República, advogados do governo e negócios rentistas. Quem anda
cego neste mundo não terá culpa dolosa, mas quem anda tão atento, deu-se
seguramente conta disso e saberá que qualquer golpe baixo que façam hoje os
enjeitados, é resposta pouca para tão grande desequilíbrio. A democracia foi sempre
uma coisa bonita na Grécia antiga ou em Veneza. Suportava-se no esclavagismo
conformado. Logo que este se revoltou, lá se acabou a harmonia democrática.
José Carvalho: Gostei
muito desta sua opinião. VPV parece ter encontrado o seu destino. Triste, muito
pobre para quem se julga Juiz e só compreende os bem comportadinhos. E foi este
VPV um homem de causas quando se meteu na política!!!
Espectro: Marinho
Pinto burlou aqueles que nele votaram: Usou artimanhas para lhes impingir o
"produto", ele, estragado. E não satisfeito com a "proeza"
de lhes ter impingido um abutre, quer agora impingir-lhes um pardal dos beirais
que saltita por todo o lado onde encontre umas migalhas. LOL
nelsonfari: Estando
TM no "observatório" vou tentar comentar. Espero que este comentário
passe. Antecipadamente agradecido. Passei pelo ISCTE com Magda Pinheiro e a
"História Recente de Portugal" e nunca percebi a questão do regime do
Estado Novo ser rotulado de "fascista". A designação apareceu com o
25 de Abril de 1974 e com a proximidade histórica da queda de Allende em 11 de
Setembro de 1973 e o clamor que levantou em toda a Europa - e VPV deve
lembrar-se. Deu uma nota folclórica ao PREC e a combatividade heróica dos
presos políticos do PCP fez o resto. Os dois livros de Lucena, mais virados
para a análise jurídico-política do corporativismo têm uma matriz diferente das
restantes abordagens (Rosas,Loff,Ribeiro de Menezes e Ramos). Bem lembrado
Lucena.
E
sobre esta questão é de reter também as análises recentes neste jornal de Jorge
Almeida Fernandes, com extensas referências bibliográficas. As análises de
Almeida Fernandes estão ao alcance dos assinantes no arquivo online. Foram
publicadas em 3 e 23 de Março passado próximo.
AndradeQB: Basicamente
existem duas visões do mundo, cada uma delas é partilhada por gente de toda a
espécie: boa, má, muito má, psicopatas, santos.... Não é, então, pela bondade
das pessoas que se distinguem. A diferença é que numa das visões se acredita
que os homens têm em si todos o mesmo potencial e são merecedores dos mesmos
direitos e sujeitos às mesmas obrigações, a outra visão é a de que existem
diferenças sociais com as quais deve haver condescendência até ao ponto em que
essa diferença seja esquecida. VPV ficou irritado que os camionistas se
tivessem lembrado de usar os serviços de advogados que, na sua opinião, estão
reservados aos banqueiros.
OldVic: "O
salazarismo foi uma ditadura clerical e nunca, desde o princípio ao fim, um
regime fascista. O meu amigo Manuel Lucena, reconhecendo a realidade, passou a
vida a tentar provar que o Estado Novo era um fascismo sem movimento, ou seja,
que um círculo era um quadrado. He got no satisfaction. O que, infelizmente,
não impediu a oposição republicana e o PCP de fazerem com que a palavra
“fascista” servisse para insultar qualquer espécie de adversários e para mover
a esquerda a qualquer espécie de acção": obrigado, caro autor, por
sublinhar este facto. Quem duvidar pode verificá-lo estudando a História
recente do país, que já existe. Sublinho: a História, não a propaganda das
partes interessadas e dos vencedores penduras.
TM: 21
de Agosto: nem mais! Mas um populismo à portuguesa. Quem conhece o partido do
Marinho e o que ele andou a 'não' fazer por Bruxelas percebe que nunca votaria
nele. Populismo bacoco.
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