domingo, 25 de agosto de 2019

Pedradas no charco


Julgo que os comentários de VPV sobre o que vai por aí destilam um altivo ressabiamento a conta-gotas, de quem não está para satisfazer mais amplamente as curiosidades alheias relativamente aos seus pontos de vista peremptórios, de subjectividade redutora, pese embora a ciência que os ditou. E assim encobrem os tesouros de um raciocínio que me parece modelar, pelo que implica de saber e de argúcia, mesmo na subjectividade de um rancor que permanece, (por não existirem motivos para que ele desapareça, ai de nós). Em relação, contudo, ao regime anterior, a definição “ditadura clerical”, sinteticamente irónica, não deixa, contudo, de parecer ingrata e tão vazia como a palavra “fascista” da ignorância atrevida dos definidores de esquerda, pura pedrada num charco fétido que só levanta mais fedor. Pela ingratidão que traduz.
OPINIÃO
Diário
“O dr. Pardal Henriques é candidato à Assembleia da República pelo partido de Marinho e Pinto. Quem pretender estudar o populismo português, em todo o seu esplendor, deve levar estes dois exemplares para o laboratório”, escreve Vasco Pulido Valente
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 24 de Agosto de 2019
António Costa tem a primeira qualidade de um chefe, segundo Napoleão: a sorte. O sindicato dos motoristas de Matérias Perigosas (ou, por outras palavras, o dr. Pardal) marcou a greve para meados de Agosto, pensando que perante o caos o governo obrigaria a ANTRAM a ceder. As coisas saíram exactamente ao contrário. O governo liquidou a greve, e beneficiou da ausência de qualquer comentário político. Os comentadores estavam em férias, com os programas suspensos. Foi numa grande tranquilidade que o governo fez o que fez.
19 de Agosto: A câmara de Santa Comba Dão quer ganhar uns dinheiros com o seu velho conterrâneo e ditador António de Oliveira Salazar. Nada de mais louvável e de mais inócuo. Mas eis que se levanta um “movimento” de cidadãos zelosos contra esta ideia. Porquê? Porque temem que Santa Comba se transforme num lugar de peregrinação para a extrema-direita. Só a ignorância pode ter inspirado estes receios.
O salazarismo foi uma ditadura clerical e nunca, desde o princípio ao fim, um regime fascista. O meu amigo Manuel Lucena, reconhecendo a realidade, passou a vida a tentar provar que o Estado Novo era um fascismo sem movimento, ou seja, que um círculo era um quadrado. He got no satisfaction. O que, infelizmente, não impediu a oposição republicana e o PCP de fazerem com que a palavra “fascista” servisse para insultar qualquer espécie de adversários e para mover a esquerda a qualquer espécie de acção.
Seja como for, não há em Portugal uma memória de militância salazarista como, por exemplo, houve e ainda há em Itália o culto da memória dos camisas negras e de Mussolini. O cabeça de lista do PS de Viseu escusa de exibir os seus sentimentos democráticos, condenando o “Museu Salazar”. Santa Comba Dão nunca será uma segunda Predappio. E os milhares de signatários deste último protesto bateram à porta errada. O mais que vão conseguir, se por acaso conseguirem alguma coisa, é que o dono do café de Santa Comba Dão não ganhe uns patacos com turistas. A estupidez disto tudo aflige-me.
20 de Agosto: A greve das tripulações da Ryanair não tem semelhança possível com a greve dos motoristas de Matérias Perigosas. O governo foi de uma prepotência absurda quando meteu o nariz onde não era chamado.
21 de Agosto: Afinal confirmou-se: o dr. Pardal Henriques é candidato à Assembleia da República pelo partido de Marinho e Pinto. Quem pretender estudar o populismo português, em todo o seu esplendor, deve levar estes dois exemplares para o laboratório.
22 de Agosto: O dr. Pardal é o sintoma de uma velha infecção: a penetração dos movimentos de trabalhadores pela pequena burguesia radical, letrada e bem-falante. Mas, por sorte, todo o mundo é hoje letrado e bem-falante, e o dr. Pardal Henriques foi despromovido do seu lugar de porta-voz do sindicato para o lugar obscuro de assessor jurídico. Esperemos que lá fique para a eternidade.
Colunista

COMENTÁRIOS:
agany: O VP, ou se ama, ou se odeia.
AndradeQB: Sempre encontrei pertinência e inteligência no que VPV foi dizendo, não me lembro, no entanto, de lhe ter visto tanto azedume quando aqui hà umas décadas o regime instalado começou a fazer negócios de navalha na mão a partir dos arranjos da Assembleia da República, advogados do governo e negócios rentistas. Quem anda cego neste mundo não terá culpa dolosa, mas quem anda tão atento, deu-se seguramente conta disso e saberá que qualquer golpe baixo que façam hoje os enjeitados, é resposta pouca para tão grande desequilíbrio. A democracia foi sempre uma coisa bonita na Grécia antiga ou em Veneza. Suportava-se no esclavagismo conformado. Logo que este se revoltou, lá se acabou a harmonia democrática.
José Carvalho:  Gostei muito desta sua opinião. VPV parece ter encontrado o seu destino. Triste, muito pobre para quem se julga Juiz e só compreende os bem comportadinhos. E foi este VPV um homem de causas quando se meteu na política!!!
Espectro: Marinho Pinto burlou aqueles que nele votaram: Usou artimanhas para lhes impingir o "produto", ele, estragado. E não satisfeito com a "proeza" de lhes ter impingido um abutre, quer agora impingir-lhes um pardal dos beirais que saltita por todo o lado onde encontre umas migalhas. LOL
nelsonfari: Estando TM no "observatório" vou tentar comentar. Espero que este comentário passe. Antecipadamente agradecido. Passei pelo ISCTE com Magda Pinheiro e a "História Recente de Portugal" e nunca percebi a questão do regime do Estado Novo ser rotulado de "fascista". A designação apareceu com o 25 de Abril de 1974 e com a proximidade histórica da queda de Allende em 11 de Setembro de 1973 e o clamor que levantou em toda a Europa - e VPV deve lembrar-se. Deu uma nota folclórica ao PREC e a combatividade heróica dos presos políticos do PCP fez o resto. Os dois livros de Lucena, mais virados para a análise jurídico-política do corporativismo têm uma matriz diferente das restantes abordagens (Rosas,Loff,Ribeiro de Menezes e Ramos). Bem lembrado Lucena.
E sobre esta questão é de reter também as análises recentes neste jornal de Jorge Almeida Fernandes, com extensas referências bibliográficas. As análises de Almeida Fernandes estão ao alcance dos assinantes no arquivo online. Foram publicadas em 3 e 23 de Março passado próximo.
AndradeQB: Basicamente existem duas visões do mundo, cada uma delas é partilhada por gente de toda a espécie: boa, má, muito má, psicopatas, santos.... Não é, então, pela bondade das pessoas que se distinguem. A diferença é que numa das visões se acredita que os homens têm em si todos o mesmo potencial e são merecedores dos mesmos direitos e sujeitos às mesmas obrigações, a outra visão é a de que existem diferenças sociais com as quais deve haver condescendência até ao ponto em que essa diferença seja esquecida. VPV ficou irritado que os camionistas se tivessem lembrado de usar os serviços de advogados que, na sua opinião, estão reservados aos banqueiros.
OldVic: "O salazarismo foi uma ditadura clerical e nunca, desde o princípio ao fim, um regime fascista. O meu amigo Manuel Lucena, reconhecendo a realidade, passou a vida a tentar provar que o Estado Novo era um fascismo sem movimento, ou seja, que um círculo era um quadrado. He got no satisfaction. O que, infelizmente, não impediu a oposição republicana e o PCP de fazerem com que a palavra “fascista” servisse para insultar qualquer espécie de adversários e para mover a esquerda a qualquer espécie de acção": obrigado, caro autor, por sublinhar este facto. Quem duvidar pode verificá-lo estudando a História recente do país, que já existe. Sublinho: a História, não a propaganda das partes interessadas e dos vencedores penduras.
Armando Heleno: VPV o contundente-mor do reino.
TM: 21 de Agosto: nem mais! Mas um populismo à portuguesa. Quem conhece o partido do Marinho e o que ele andou a 'não' fazer por Bruxelas percebe que nunca votaria nele. Populismo bacoco.


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