Alegre, destemida e esclarecedora, com
uma estranha apetência pelo exótico, e o sentido crítico sobre as técnicas de
captação turística, esta ainda no seu primitivismo simpático… Uma forma
original de ir informando sobre outras realidades de um mundo em começo de auto
afirmação. Um bem-haja.
MOÇAMBIQUE
REVISITADO – 13: BATUQUE
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM DA
NAÇâO, 10.08.19
Batucada
forte a soar por toda a parte, a chamar para o jantar e nós já casually dressed for dinner, lá fomos pelo passadiço bem
alto, ao nível das copas das árvores. Passarada na chilreada de arrumar os ninhos para a noite que não
tardava; nada de macacos. Destes, viemos a saber que, contra os nossos receios
iniciais, não havia. Como os pássaros, teríamos as noites mais tranquilas sem
macacos pelas redondezas. E chagámos à porta do batuque que só parou quando nos perfilámos à
espera que nos mandassem entrar. Ficámos a saber que hóspedes novos vencem
batucada até chegarem à sala de jantar. Todos os batuqueiros se puseram
à nossa frente com sorrisos abertos de orelha a orelha e mãos postas ao
estilo oriental em cumprimento de boas vindas. O que claramente era o chefe
de sala, tomou a iniciativa de nos conduzir a uma mesa e de nos informar (já o
sabíamos por no-lo terem dito no check in) que éramos os primeiros
clientes portugueses do Marlin Lodge e que eles, os
funcionários, teriam o maior gosto em nos servir da melhor maneira de que
fossem capazes. Mas ele, o chefe, estava com um problema pois todos os outros
nos queriam servir e ele não sabia como devia proceder. Ao que logo lhe
agradeci o modo como nos estavam a receber e sugeri que, sendo os outros, 6
empregados de mesa, ele que escalasse dois para o pequeno almoço, outros dois
para o almoço e os restantes dois para o jantar. No final, eu trataria todos
por igual. E assim foi que tudo correu às mil maravilhas, com a particularidade
de quatro deles se chamarem Fernando.
Por
portas e travessas ficámos a saber que a gorjeta final que demos a cada um
(não fomos nessa do bolo geral pois nunca se sabe quem parte e reparte…)
correspondeu quase a um mês de salário. Não, a nossa generosidade não
foi excessiva, o salário deles é que era muito baixo. Mais nos disseram que
trabalhavam 45 dias consecutivos e folgavam sete dias no continente.
Ainda
eles não imaginavam qual seria a dimensão da nossa generosidade e quando, num
jantar ao ar livre na praia com espectáculo do folclore da região, caiu uma
chuvada que não constava do programa, nós fomos os primeiros a ser acudidos na
trasfega do nosso jantar para debaixo de telha e os outros clientes… não ficaram
tão secos como nós.
De
manhã, deixávamo-nos ficar pela praia do Robinson Crusoe dando umas
braçadas e tentando espreitar algum manatim. Braçadas, sim; mas de manatins,
nem a sombra. Deviam estar com os leões de há 32 anos. De tarde, habitualmente íamos
de jeep dar uma volta pela ilha que não é tão pequena como de início
imaginávamos. Habitada escassamente por quem
se dedica à economia de subsistência tanto na agricultura como na pesca, só
recentemente teriam tido contacto com a economia monetarizada. As duas
unidades hoteleiras existentes devem ter passado a ser bons clientes de
peixe e talvez mesmo de quaisquer outros comestíveis. O sereno canal entre o continente e as ilhas
sobre o qual se debruçava a escada da nossa cabana, parecia o «lago do Campo Grande»
mas na outra costa da ilha, a de nascente, o mar aberto dava que contar.
E era precisamente para aí que iam os que se dedicavam ao big
game fishing, à caça submarina e mais outras tropelias aquáticas que nem sei
contar. E aí, sim, havia «dentuças» em barda. Mas enquanto lá estivemos, não
faltou ninguém ao jantar por ter sido ele o jantar de algum tubarão.
32
anos antes, o então Presidente da Câmara Municipal de Nampula, desapareceu num
desastre no canal entre o continente e a Ilha de Moçambique quando o seu barco
de recreio se voltou; o companheiro de pescarias sobreviveu e disse mais tarde,
quando saiu do estado de choque, que momentos antes do desaparecimento do
Presidente, nunca vira um tubarão tão grande. Eu próprio vi nesse mesmo canal
duas barbatanas dorsais a uma trintena de metros da ponte cais desactivada da
Ilha. E nunca esquecer que o tubarão ataca de frente abrindo a bocarra
como os aviões de carga, não precisa de se virar de lado, não precisa de muita água, basta-lhe aquela em que molhamos as
canelas.
E
assim foi que, passada uma semana, amarinhámos já não sei como para dentro do
barco que estava encalhado na praia à nossa frente, regressámos ao continente,
demos uma volta por Vilanculo e nos dirigimos ao aeródromo local. Amanhã, o inesperado.
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