Um artigo bem-humorado, que me fez rir,
alguns dos anteriores tendo, pelo contrário, provocado emoções de ordem vária,
ligados a ternas recordações que não pensava mais registar, mas que Salles da
Fonseca ousou trazer à baila, em descritivos de simpatia como ninguém mais se
atreveu a demonstrar, desde a mudança aqui perpetrada nos termos sociais e
políticos que todos conhecemos. Prova, este artigo bem-humorado, que a saúde de
Salles da Fonseca está em bom astral, e o seu espírito crítico responde a
condizer.
Santa Carolina! Sem nunca a
ter conhecido, está bem ligada à trama suspensa sobre mais uma vida com o seu
enredo trivial de traição conjugal, ignorada esta, todavia, por ocupações da
luta pela vida e que hoje parece caso insignificante, de tão banalizado, no
desastre dos caracteres, do mundo, do clima, da educação, das vidas, a caminho
dum futuro que parece cada vez mais sem perspectiva.
Só me lembro de que Santa Carolina era escala frequente de férias do pai
dos meus três primeiros filhos, onde arranjara amigos, dizia, mas mais tarde,
também os filhos o acompanharam e viveram as delícias de um litoral que
oferecia boa areia e água límpida, com passeios de barco, entre as ilhas do
arquipélago que a Internet mostra, em imagens várias. Tenho ideia de que se falava
de “barracuda”, que por lá se pescava, e a propósito, recordo o casal sul-africano
John e Carol, dois dos amigos adquiridos nessas estadas por Santa Carolina, que a pescavam, e dela falavam como de
um peixe a dar nas vistas. Era um casal de uma educação extremosa que me
tratava com muita simpatia – percebi depois que feita de piedade, pois que eram
frequentadores de Santa Carolina, onde eu nunca estive.
Afinal, apesar da graça descritiva de
Salles da Fonseca, provocadora de riso, este texto acaba por trazer à memória
tortuosidades que passaram, nas manobras múltiplas de desinteressantes intrigas
mundanais.
MOÇAMBIQUE
REVISITADO – 12: BAZARUTO
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 09.08.19
Check
out parcial do Polana porque deixávamos lá
guardada a bagagem de que não precisaríamos no Bazaruto onde passaríamos a semana
seguinte. O bastão mágico ficava, eu não tencionava exibir qualquer poder ou
exercer qualquer magia.
Bimotor
a hélices para cerca de uma dúzia de passageiros mais uma tripulação de piloto
(sul africano preto), co-piloto (misto moçambicano), hospedeira
(branca loira sul africana) e respectiva adjunta (preta moçambicana).
Só me lembro de que era uma empresa associada da LAM em parceria com uma outra
transportadora aérea sul africana. A hospedeira instalou-se no lugar mais ao
fundo da cabine e copiou-me nas funções que exerci a bordo: pus o cinto de
segurança, olhei a paisagem que passava por baixo de nós e vi o piloto, o
co-piloto e a adjunta da hospedeira a trabalhar. O nosso voo foi de uma hora de
Maputo a Vilanculo (no antigamente, Vilanculos, no plural, mas depois da
independência, talvez num ensaio de austeridade, puseram o nome da
cidade no singular). Depois de nos deixar, o avião seguiria para a Beira e daí
para Joanesburgo e Maputo fechando o circuito. Viagem sem nada a assinalar e o
piloto a fazer-se à aterragem como eu gosto, com os motores bem activos e não a
pairar como as folhas no Outono.
No
aeródromo – pintado de fresco – aguardava-nos o transfer para a povoação próxima,
Mucoque (onde nascera uma cunhada minha quando o pai dela administrava esse
posto), para aí tomarmos um barco típico da pesca ao espadarte que nos levaria
até uma ilha ali bem à nossa frente, a uma trintena de quilómetros.
É
em Mucoque que se localiza o Hotel
Don’Ana, famoso pelo molho à base de
piri-piri que a tal Dom’Ana fazia no antigamente. Foi nesse hotel que fiquei
instalado mais de 30 anos antes quando fiz parte duma Junta de Recrutamento
Militar em toda a zona a sul do Save. Foi daí que avistei pela primeira vez as
então chamadas Ilhas do
Paraíso que os independentistas rebaptizaram de Arquipélago
do Bazaruto - muito nacionalista, muito cultural mas nada romântico.
Temendo essa mesma onda estética, não apurei qual o actual nome da Ilha de
Santa Carolina e só espero que não a tenham rebaptizado com tanta fealdade
sonora como a ilha para que nos dirigíamos agora, Benguerra.
É
na antiga ilha de Santa Carolina que se localiza o hotel do grupo Pestana para que tínhamos inicialmente
assestado o azimute mas um ciclone que nos antecedeu, inviabilizou a nossa
pretensão. Fomos para a ilha ali ao lado, para um empreendimento hoteleiro sul
africano também ele dedicado ao big game fishing denominado Marlin
Lodge.
Desembarque
por encalhe do barco na praia mesmo em frente da recepção do hotel, salto por
cima da borda do barco e «arenagem» (em pé, de preferência) na areia com água
por meio da canela. Como se imagina, é conveniente ter-se alguma mobilidade
física para se conseguir desembarcar e não ter que regressar ao continente
onde, aí sim, há uma escada de pedra a que o barco encosta.
O Marlin Lodge é todo em madeira (construção
pré-fabricada?) e desenvolve-se num só piso para que se sobe directamente da
areia da praia por escadas largas de 3 ou 4 degraus. Nessa zona de entrada
localiza-se a recepção propriamente dita, uma ampla sala de estar, a casa de
jantar e a cozinha e respectivos anexos. Aos quartos acede-se por um passadiço
em madeira e cordame que se desenvolve ao nível das copas das árvores pelo
que nos sentimos primos da macacada. Cada quarto é uma cabana com telhado
de colmo, paredes em caniço por onde passa uma mão vertical, uma casa de banho
muito melhor do que a que coube em sorte a Robinson Crusoe, uma cama amplíssima
com rede mosquiteira. A sala de estar é um varandim com duas cadeiras muito
confortáveis, cada uma com sua mesa de apoio. O «jardim» fronteiro é uma praia
para que se desce por uma dúzia de degraus rústicos de areia sustida por
tábuas, tudo rodeado por vegetação que isola cada cabana das que lhe estejam
próximas. A água, a uma vintena de metros na maré cheia, tem manatins e outros
animais exóticos mas consta que só bicharada pacífica. Pode-se nadar à vontade
sem temer o «dentuças».
Instalados,
foi-nos sugerido que ao jantar nos apresentássemos em smart casual dress code. Of course, a Graça e eu não estamos
habituados a jantar de fato de banho, nem mesmo quando estamos sozinhos na casa
da praia.
E
a certa altura começou um batuque como há mais de 30 anos eu não ouvia…
Amanhã
há mais, boa noite!
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da
Fonseca, 09.08.2019: Gostava
muito de um dia conhecer Moçambique, dizem que é muito bonito. Obrigado por
partilhar as suas recordações por essas paragens. Abraço, António
Souza Cardozo
Henrique Salles da
Fonseca, 09.08.2019: Se alguém me
perguntar onde fui nas férias, vou dizer que fui a Moçambique... Obrigada,
Henrique. Helena Salazar Antunes Morais
Anónimo, 09.08.2019:Também eu tomei um bimotor, nos longínquos anos de finais de 1992 ou
início de 1993, isto é, em plena estação quente e húmida propícia a
tempestades, para ir a Bazaruto. Ao contrário da tua, Henrique, a minha viagem
teve algo a assinalar. O piloto atreveu-se a penetrar numa nuvem alta (seria
cumulonimbus?) o que fez com que o bimotor parecesse uma casca de noz até
sairmos da nuvem. Depois de aterrarmos numa pista que mais parecia uma picada,
lá fomos em jeep aberto para as instalações hoteleiras, as quais deixavam muito
a desejar, apesar de serem (ou a sua exploração) de um prestigiado grupo
português, que estava, então, a fazer a sua entrada em Moçambique. Por lapso,
não levei fato de banho e, pela primeira vez e única, até agora, utilizei um
emprestado de um conhecido companheiro de viagem, casado com uma economista,
também viajante, ainda mais conhecida, fazendo ela ainda hoje manchete em
jornais, felizmente pelas melhores razões. No final do dia regressámos no jeep
aberto, para tomar o avião, debaixo de uma tempestade que impediu o percurso em
picada, pelo que viemos pela areia à beira mar, fugindo do arrebentar das
ondas. E como o jeep era aberto, pusemos a roupa em sacos de plásticos e viemos
até ao avião em fato de banho. No barracão que estava junto à pista/picada,
secamo-nos com toalhas, vestimo-nos e aguardámos uma aberta para o take-off.
Chegámos a Maputo sem novas novidades. Não voltei a Bazaruto. Por que razão
será? Abraço. Carlos
Traguelho
Henrique Salles da Fonseca, 09.08.2019: Que bom revisitar Moçambique. Gostei tanto que quase
fiquei!Conheci um português num restaurante que vendia tubarão em Vilanculos,
ele convidou-me a ir a Bazaruto e no dia seguinte lá estava uma espe´cie de
Dow, um bote com uma vela, 4 horas de agonia com os negros todos a ir ao gargal. Chegámos
a Bazaruto uma aldeia indígena, fiquei numa cubata. E dormi com as galinhas.
Foi uma experiência fantástica! Manuel Saporiti
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