E todavia, é vergonhoso – para além de absolutamente
repulsivo – o que nele se afirma, não só do regime de monstruosidade na prática
de um governo totalitarista e de terror, banqueteando-se com as riquezas
produzidas pelo seu petróleo, e condenando à miséria o seu povo, mas também
como participando no conjunto dos povos da CPLP, apesar de não praticarem a LP,
e cuja coligação o nosso governo se não importou de admitir - (para o qual, de
resto, a LP pouco significa - como se comprova com o, também fraudulento, AO90).
O artigo de Pedro A. Neto revela
essa indignidade, mas desta vez não mereceu comentários – prova de quanto as
coisas monstruosas nos são marginais sempre que traduzam hipotéticos reflexos
sobre as nossas economias – neste caso o conluio subserviente com essa tal ditadura da Guiné
Equatorial.
OPINIÃO
A ditadura com quem (quase) ninguém se
importa de conversar
Países como Portugal, que se querem
promotores de uma ordem multilateral assente no normativo de direitos humanos,
não podem aceitar fazer clube com um regime como aquele que reina em Malabo há
40 anos.
PEDRO A. NETO PÚBLICO, 3 DE AGOSTO DE 2019
Quatro décadas de terror, repressão,
morte, tortura e pobreza marcam a Guiné
Equatorial de Teodoro Obiang – hoje, o chefe de Estado há mais tempo
no poder, em todo o mundo.
Em 189 países, a Guiné Equatorial ocupa
o 149.º lugar do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Contudo,
entre os principais produtores de petróleo da África subsaariana, é número 1 na
diferença entre o rendimento per capita e o indicador de desenvolvimento
humano. Este é o país onde a
riqueza está pior distribuída.
Pouco mudou na Guiné Equatorial desde
há 40 anos, apesar de riquíssima em recursos naturais que poderiam tirar toda a
população da miséria. A maldição dos recursos é, precisamente, esta. A riqueza
existe, mas só alguns, muito poucos, beneficiam dela por via de uma forma de
(des)governar, com recurso à corrupção e ao monopólio absoluto do sistema
político.
Juntemos
a prática constante, instituída e sistemática da repressão contra quem ousa
pensar e dizer diferente. As detenções arbitrárias e politicamente motivadas.
Os julgamentos injustos praticados por um aparelho judicial que se confunde com
a máquina do governo. A pena de morte que, apesar dos compromissos assumidos ao
mais alto nível, permanece no regime penal da Guiné Equatorial, mesmo que em
moratória. Tudo perante o olhar atento, mas negligente e,
mais grave, cúmplice, da comunidade internacional. Obiang levou um
prémio para casa quando, em 2014, conseguiu a adesão à Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), contra um acervo de condições que previam, entre
outras medidas, a abolição da pena de morte. Nada aconteceu desde então.
Houve
esperança quando, em 2006, Obiang passou legislação que proibia o recurso à
tortura por parte das forças de autoridade e de segurança. Mas esta prática e,
genericamente, o tratamento cruel, desumano ou degradante continuam a ser uma
das ferramentas usadas nas prisões e nas esquadras da polícia, entre outros
lugares. Esperança,
também, quando, já este ano, Obiang assumia que passaria a lei que iria abolir
a pena de morte. Mas de tal projecto nem uma linha ainda se viu. Hoje, diz que
vai procurar convencer o parlamento dominado pelo seu partido a aprovar a
alteração até ao fim deste ano. Que castigo lhes dará se não lhe fizerem a
“vontade”?
Portugal, a CPLP e a Guiné-Equatorial
Já muito foi dito sobre a presença da
Guiné-Equatorial na CPLP. Em junho passado, pela primeira vez, uma missão
técnica “de envergadura” da organização esteve em Malabo para fazer o
acompanhamento do cumprimento dos compromissos assumidos no quadro
do seu processo de adesão. Na sequência,
os governos dos nove países disseram que “tomaram nota, com satisfação, do empenho deste Estado-membro
no seu processo de integração”. A fórmula usada é, julgo, uma
generalidade político-diplomática, mas o tom positivo (“satisfação” e “empenho”)
é perturbador face ao que se passa na Guiné Equatorial. E contrasta
com as posições que tanto o chefe do governo como da diplomacia de Portugal têm
veiculado sobre esta matéria. Sejamos claros. O que urge (ainda)
sublinhar sobre a pertença da Guiné Equatorial à CPLP – enquanto se tratar de
um país onde se desrespeitam, da forma mais vil, os direitos humanos – é que os
países que se regem pelo cumprimento dos princípios e regras fundamentais de
sociedades orientadas para o bem comum, para o desenvolvimento e para o
bem-estar dos seus povos, exijam, de uma vez, que cumpra, promova e garanta os
direitos humanos de todas as pessoas. Que exijam a abolição imediata da pena de
morte. Que exijam o fim da
repressão e da perseguição de opositores políticos, de defensores de direitos
humanos, de jornalistas. Que exijam que a riqueza produzida no país reverta em
favor de reformas e desenvolvimento socioeconómico para reduzir a pobreza no
país. Países como Portugal, que se querem promotores de uma ordem multilateral
assente no normativo de direitos humanos, não podem aceitar fazer clube com um
regime como aquele que reina em Malabo há 40 anos. Se a integração no espaço
CPLP não consegue produzir este
tipo de mudança, para que serve? Apenas para negócios?
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