terça-feira, 6 de agosto de 2019

Bon appétit


Lá vamos, saboreando e revivendo, com estas crónicas de SF, embora não me possa gabar de idênticas experiências gastronómicas em espaços turísticos, como o Sheik ou o Polana, mais frequentadora que fui do Zambi, com a sua esplanada, onde as crianças podiam brincar, ou o Continental, de tempos perdidos nas brumas da vida. Também o Museu Álvaro de Castro está ligado às memórias dos tempos do liceu. Quanto à cidade do caniço, lembro-me de que em criança fui lá com um tio meu, ver um terreno que ele por ali comprara, e achei um espaço limpo, que recuperei depois em sonhos, ou talvez pesadelos, pelo inesperado, que nunca conhecêramos, confinados que éramos à cidade do alcatrão, que foi crescendo, no seu formato paralelo e perpendicular. Mas os amigos de SF acompanham-no melhor, de memórias mais recentes.
Coisa boa para a recuperação do país deverá ser o acordo de paz entre os chefes da Frelimo e da Renamo, segundo os noticiários informaram hoje. E com apoio económico da União europeia. Assim seja, e que esse dinheiro seja orientado para os bons casos. E causas.
MOÇAMBIQUE REVISITADO – 9  - E VIMOS O PIRIPIRI
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÂO, 06.08.19
Diz quem sabe que Lourenço Marques tinha cerca de 750 mil residentes, que o efeito «guerra civil» fez com que as populações rurais afluíssem para junto da cidade em busca de segurança e que Maputo passou a ter 2 ou mais milhões. Não os contei quando ainda eram laurentinos e muito menos quando passaram a ser maputanos. E agora não fui verificar nesse que sabe tudo, o Google. O que eu sei: que «no tempo da outra senhora» se podia confiar nas estatísticas portuguesas. O que eu não sei: se «com esta senhora» se pode confiar nas estatísticas. Mas vi que há muito mais gente nas ruas e que antigos descampados estão ocupados com o que nós chamávamos «caniço».
Pareceu-me que a cidade de cimento funcionava relativamente bem e quase arrisco a dizer que tão bem como connosco; relativamente à envolvente informal, sendo muito maior do que no nosso tempo, admito que os problemas tenham crescido na razão directa – e no tempo português, eu achava uma vergonha deixarmos aquele desleixo municipal coexistir com uma cidade de sonho. Mas havia quem encolhesse os ombros e dissesse que se em Lisboa havia bairros de lata, não havia razão para que em Lourenço Marques não houvesse caniços. Lógica absurda, sempre o pensei e sempre o disse.
Ao sairmos do hotel, decidimos dar uma volta a pé pela avenida para vermos de perto o prédio ali mesmo ao lado onde morei. Já não é de habitação, é a sede duma rádio. Pulus ad margaritam, penso eu. Uma rádio instala-se em qualquer lugar, não é necessário ocupar um edifício emblemático e que nasceu para ser de grande luxo.
Nessa que foi a «Avenida António Enes» e agora tem o nome de um comunista estrangeiro, fomos abordados por vendedores ambulantes de artesanato que não incomodaram nem mais nem menos do que qualquer outro vendedor ambulante em qualquer parte do mundo com excepção da Índia onde batem todos os recordes de melguice. Do lado oposto da avenida, em frente da minha antiga casa, tinha havido uma barbearia e uma casa de chá, a «Canoa». Disse bem, tinha havido. Mas não esqueçamos que, entretanto, se tinham passado 32 anos. Nada mais natural que, mesmo sem tsunamis políticos nem guerras civis, as casas comerciais possam não perdurar tantos anos. Portanto, não estranhei que ambos os ditos estabelecimentos já não existissem. O que estranhei foi um deles estar vazio e o outro ser uma loja de bugigangas iguais às vendidas ali mesmo em frente na rua pelos tais ambulantes só que sem a componente fiscal a que a loja não poderia (não mesmo?) fugir. Claro está que enquanto existir o «Clube de Paris» a que pertencem os países doadores, o aprimoramento da cobrança de impostos é tema não premente. E o povo empreendedor (lojista ou ambulante) é muito mais feliz na economia paralela do que na tributada.
Seguimos em frente e começámos a ver hotéis novos e centros comerciais… tudo a cheirar a novo. E fomos até à Ponta Vermelha onde continua a ser a residência do «Chefe Máximo». A diferença é que no antigamente o acesso àquelas ruas era tema pacífico e quando lá espreitei foi-me dito que se tratava de área reservada. Compreendi a medida de segurança e fiz meia volta. E mesmo que não tivesse compreendido, teria feito meia volta na mesma. Seguimos pelas traseiras do palácio presidencial e vimos que aquele simpático bairro de ruas sombreadas por acácias rubras e casas unifamiliares estava já em franca recuperação. Nitidamente, casas devolvidas a proprietários de regresso entretanto vendidas a terceiros ou não. Não fui investigar.
Mais adiante, o Museu da História Natural onde eu nunca tinha entrado. Estava na altura de o fazer: era agora ou nunca pois numa próxima visita a Moçambique muitas outras coisas haveria para conhecer ou rever. Fiquei com a sensação de que tudo se encontrava exactamente como nós tínhamos deixado aquelas colecções em exposição. Mas aqui apertou a curiosidade e perguntei quem fazia a manutenção de tudo aquilo. A resposta foi um pouco diferente daquela por que eu esperava: - Somos nós, os funcionários do Museu, depois de cá terem vindo os técnicos portugueses ensinar-nos como se deve proceder.
No final da visita, era hora de almoçarmos e fui à procura do Piri-Piri. E lá estava ele a servir o frango assado com molho de piri-píri e batatas fritas. Mas fomos a outro restaurante – que eu não conhecia – ali próximo, na antiga António Enes tornejando para a pequena rua que dá acesso ao miradouro que foi dos Duques de Connaught, porque servia marisco como não se come noutras paragens. E como não somos nada gulosos (?) deixámos na manga a ida ao Grego da Costa do Sol para nos lambuzarmos com os caranguejos. Sim, fomos e encontrei lá o meu velho amigo Tó Zé Roxo Leão. Mas regressando ao primeiro dia, seguiu-se alugar um carro para o resto da visita a Maputo e arredores até que os caminhos nos levassem para longe.
Tratada a papelada, fomos um pouco até à piscina dar umas braçadas, descemos ao quarto e preparámo-nos para ir jantar ao Sheik onde tinha mandado reservar mesa.
O Sheik, cuja filial em Lisboa foi inaugurada no dia 25 de Abril de 1974, estava de cara lavada mas praticamente igual ao que era 32 anos antes quando eu lá almoçava e jantava quase todos os dias. Não me admirei por não ser reconhecido mas voltei a experimentar o bife tártaro que continuava a figurar na lista que era, no mínimo, muito parecida com a primitiva. E se a lista não era mesmo muito parecida, a minha imaginação fê-la assim parecer. Acompanhámos o jantar com um tinto Periquita que exteriormente era igual ao último que eu lá bebera, com uma diferença: este não sabia a azeite como o de 32 anos antes.
Bem jantados, cansados da passeata do dia e da noite anterior dormida em avião, regressámos a pé ao hotel numa breve caminhada mais tranquila do que se fosse hoje em Lisboa.
Boa noite, amanhã há mais.
Agosto  de 2019, Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 06.08.2019: Deixa-me, Henrique, começar por saudar o terceiro acordo de paz que hoje, dia 6/8/2019, vai ser assinado, à tarde, entre o Governo (FRELIMO) e a RENAMO. Não havendo dois sem três, confiemos que este seja o definitivo. Como referi num dos meus comentários aos teus escritos, quando do primeiro, em 1992, o Banco de Fomento e Exterior apressou-se a abrir no Maputo uma Sucursal, em finais desse mesmo ano ou início do seguinte, retomando a tradição que existia (Direção Geral) antes da descolonização. As tuas crónicas têm, entre outros, o mérito de me fazer recordar também factos e imagens. E uma destas últimas, é exactamente o "caniço" que tínhamos de atravessar no caminho aeroporto-cidade, que estava longe de ser um agradável postal de boas vindas. O primeiro sentimento que tive da cidade de Maputo quando, em Janeiro de 1997, passei a "estar" na cidade (duas a três semanas mensais) e não de fugida, como ocorreu na primeira metade da década de 80 ou em 1992 (ou 1993), era que ela era essencialmente a que nós tínhamos deixado, sem evolução positiva digna de nota, salvo o Edifício Cimpor. Falava-se na altura, com preocupação, no estado do saneamento. Também registei com agrado a recuperação de hotéis, alguns deles dados de exploração a entidades portuguesas, não sendo, todavia, o caso, creio, do Hotel Polana, que era a minha "residência". Beneficiei de restaurantes razoáveis e bons, tendo identificado, pelo menos, um luxuoso, para além de ser bom, o qual, segundo se dizia, pertencia a alguém importante do regime. A ida ao Sheik era obrigatória, pois tudo aquilo fazia reviver do escasso mês que estive em Lourenço Marques antes de ser "despachado" para Nampula, em 1969. Sobre a segurança a que te referes, também estranhei, quando um militar me fez passar para o outro passeio da rua, para não passar à porta de ferro que dava para os jardins que cercavam, lá bem afastada, a vivenda presidencial. Finalizo, com a evocação de uma belíssima Missa, cantada e dançada, a que assisti num domingo na Catedral. Cá fico (ficamos) na expectativa de mais crónicas. Abraço. Carlos Traguelho
Francisco G. de Amorim  06.08.2019; O Scheik !!! O único restaurante do mundo que me serviu uma ostra com CERTIFICADO DE GARANTIA! Ao comer a dita, senti algo duro no interior. Não mastiguei, tirei da boca e vi que era um minúsculo caranguejo... ainda vivo!mMais garantia de frescura a ostra não podia ter!




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