quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Será sem febre?


Salles da Fonseca preocupa-se, como qualquer cidadão de bom senso, com o estado das economias nacionais, que atribui a baixa de preços na restauração e à redução do IVA, esta como medida de eficácia eleitoralista, pois que A. Costa não perde pitada no processo de se alcandorar novamente no poder, e nem se importa de gastar milhões para sua promoção, no que, de resto, é seguido, com maior ou menor moderação, pelos demais partidos. Eu gabo a coragem dos componentes partidários nestes percursos eleitoralistas, que o que tem as rédeas do poder efectua com maior firmeza de convicções, nos calores de Agosto que se vai extinguindo, mas Setembro e Outubro não deixarão de continuar a ofertar-nos os espectáculos destas caravanas de sucesso a que a democracia nos habituou. Julgo que os programas turísticos que a RTP, sobretudo, tem efectuado, por esse país fora, mostrando as características das terras, merecem também referência, não só quanto ao bom desempenho dos vários protagonistas da cena, animadores da RTP, como aos seus convidados, que vêm mostrar facetas das terras do nosso país, apelativos, julgo, de desenvolvimento turístico gerador de receitas também, além de conhecimentos topográficos que transmitem e de outros sabores também..
Salles da Fonseca, ao debruçar-se sobre o estado das finanças no nosso país, tenta, apesar de tudo, transmitir-nos um certo optimismo e esperança. Oxalá tenha razão.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.08.19
(estado de quem não tem febre)
De acordo com a informação oficial, em Julho de 2019, o índice de preços no consumidor em Portugal desceu 0,3% em relação ao período homólogo (Julho de 2018). Diz o INE que o fenómeno se ficou a dever à baixa nos preços praticados na restauração e na hotelaria bem como à redução do IVA no gás e na electricidade.
A ser assim, dá para ficarmos mais tranquilos do que ficaríamos se a baixa dos preços resultasse de causas mais profundas, nomeadamente de políticas públicas activas.
Efectivamente, a euforia que reinava na hotelaria e na restauração tinha que abrandar sob pena de levar os turistas para outras paragens e, de repente, ficarmos todos a chuchar no dedo por termos partido a «corda» de tanto dela abusarmos. Se os empresários do sector se decidiram pôr alguma moderação, só demonstraram sensatez. O caminho por que vinham trilhando era favorável ao Norte de África como destino turístico, apesar de alguns perigos que sempre se perfilam por aqueles azimutes.
Relativamente à redução do IVA, trata-se de uma medida administrativa de cariz pré-eleitoral sem qualquer relevância na análise económica ou da conjuntura financeira global. Não quer isto, contudo, dizer que a medida não tenha consequências na problemática orçamental, no equilíbrio das contas públicas e na redução do stock da dívida. Mas isto é futuro e o que por agora interessa é o passado.
O perigo seria que a deflação resultasse das restrições orçamentais em curso pela via das cativações mas, pelos vistos, quem está na posse dos números (INE), não assesta armas nesse sentido como acima refiro e eu fico muito tranquilo. Mais: respiro mesmo de alívio ao constatar que a presente deflação resulta da correcção de exageros e não de sangria de fundos que fizessem efectiva falta à economia, que a política em curso de anulação do défice público não encontrou aqui qualquer obstáculo e que a eleitoralista redução do IVA deixa adivinhar que existe alguma almofada por aí escondida onde possamos descarregar o peso de alguns actos de manipulação polítiqueira.
Perigoso seria que os preços tivessem baixado como reacção a uma quebra involuntária da procura e isso, sim, seria escandaloso quando o modelo socialista de desenvolvimento tem no consumo um motor que considera importante. Mas não, o consumo interno continua pujante, a balança de bens até já voltou aos défices, o endividamento sobre o exterior está impante, o crédito às famílias a retomar tempos anteriores à troika, a bolha da habitação a dizer que há muita gente que não aprendeu nada.
Sim, ensandecidos mas em apirexia.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca
2 COMENTÁRIOS
Anónimo, 29.08.2019:  Apirexia não tem tratamento. Só a selecção manipulada por homens... o que seria ainda pior!
 Anónimo  29.08.2019:_Henrique, estou-te grato pela diversidade de temas que tratas e por me haveres ensinado a existência da palavra “apirexia”. Gentilmente, dás logo o seu conceito a pensar em pessoas como eu, mas não me fiquei pela tua caracterização e fui consultar (em má hora, diga-se) um dicionário de termos médicos e encontrei a seguinte definição para a dita palavra: “falta de febre ou período sem febre numa doença febril”. Perante este conceito, interroguei-me em qual das duas hipóteses o meu Amigo teria posto o momento que Portugal vive e, após alguma reflexão, concluí que só poderia ser na segunda – período sem febre numa doença febril. Com efeito, continuamos confrontados com uma elevada expressão da dívida externa, quer em valor absoluto quer relativo ao PIB, assim como com o fraco crescimento económico que, embora superior à média europeia (condição necessária), não é suficiente por estar abaixo de outros países com os quais nos comparamos, pelo que corremos sério risco de virmos a ser a lanterna vermelha europeia. Tudo isto conjuga para que padeçamos ainda de doença febril. Verdade deve ser dita que o anterior e o actual Governo esforçaram-se para debelar a doença, ouvindo-se frequentemente que o Governo Costa/Centeno (O Governo será todo Centeno?) não teria tido sucesso se não tivesse havido o saneamento macroeconómico feito pelo anterior. A isso respondo que os Governos de Cavaco Silva (1985/95) também não teriam feito o brilharete que fizeram se não fossem as dolorosas acções tomadas pelo governo Mário Soares/Ernâni Lopes (1983/85). É a vida política!... Aspecto que também me suscita, tal como a ti, atenção é o voltar ao défice da balança de bens. Diziam-me um amigo e governante da área das Finanças, infelizmente já falecido, que quando a política fiscal permitia algum aumento do rendimento disponível das famílias, isso reflectia-se logo negativamente na balança comercial, tal a elasticidade desta. É claro que esse défice pode ser virtuoso se as importações de bens de equipamento forem as responsáveis. Mas então é preciso que nos digam qual é a parte das importações respeitante a automóveis da parte relativa a tractores e autocarros, para podermos ajuizar de quão virtuoso é o défice daquela balança. Por razões deontológicas, não aprofundo a tua última frase, mas nada me impede de fazer duas considerações, a saber: 1) fiquei admirado de que o Banco de Portugal tivesse tido a necessidade de impor aos bancos determinados parâmetros na concessão de crédito à habitação, parâmetros esses que são de uma razoabilidade meridiana e que todos deveriam ter seguido voluntariamente e 2) subscrever o teu sentimento que parece (tu és mais categórico) que há muita gente que não aprendeu nada. Não gostaria de terminar este comentário, apesar já da sua extensão (não consigo fazê-los mais curtos), com uma afirmação tão angustiante, pelo que, com a tua permissão, cito um episódio brasileiro humorístico real que o tema da inflação/deflação e a frase que utilizaste “chuchar no dedo” me fizeram recordar. Passou-se no Brasil (o País está na moda), nos anos 60, na ditadura militara. Ora, nesses tempos, no cabaz de produtos que servia de base ao índice de preços do consumidor, constava um legume, rico em propriedades, denominado “chuchu”, cujo peso, no cabaz, era, obviamente, mínimo. Por razões que já não me recordo, talvez por motivos climatéricos conjunturais, houve rarefacção na oferta do chuchu e o preço subiu bastante, continuando, claro, o legume a ter uma importância reduzidíssima no índice. Mas a ditadura queria encontrar um responsável para a subida da inflação, e logo apontou o chuchu. Cobriram-se de ridículo e o cantor Juca Chaves atirou-lhes uma balada certeira. Foi caso para dizer que o pobre do brasileiro ficou a chuchar não no dedo mas sim no chuchu. Abraço. Carlos Traguelho
Adriano Lima, 29.08.2019: Li com atenção e muito proveito tanto este artigo como a intervenção de Carlos Traguelho. São dois importantes contributos para o debate sobre a situação económica e financeira do país.




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