sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Compreensão crítica vs. arrogância apinocada e insultuosa


A diferença entre a pessoa humana – a de HSFque analisa o racismo não como uma questão de pele mas como uma questão de educação e para quem o apartheid desde sempre significou, certamente, algo de vilmente rebaixante (tal como significará para Clara Ferreira Alves - “est modus in rebus”)… Mas esta atribui-lhe um cunho eficiente de superioridade e altivez, da parte do povo que o praticava – os bóers sul africanos, os americanos da América do Norte – de pele branca e educação a condizer - contra as populações africanas nesses territórios, (que, por isso, mereceram o sonho e a revolta pacífica de um tal M. Luther King) - e condena em absoluto o racismo português, feito de abjecta promiscuidade, própria de um povo atrasado - que sempre foi o nosso – criador, pois, da tal mestiçagem que povos mais cultos, como os citados defensores do apartheid, não podiam permitir-se, - “est modus in rebus”. E aqui está a diferença entre a pessoa de SF e a de CFA, na tal questão da humanidade das pessoas. Um libelo, o desta última articulista, destilando ódio contra a “gentinha” – portuguesa, está visto, desta vez, provavelmente, da que protesta que não foi tanto assim e que até fosse por vezes mais humana com os nativos do que as “CFAs” ou familiares para com a gentinha iletrada do “continente” ou dos arquipélagos adjacentes que preservámos em tempos e tanto prezamos agora. Transcrevo a frase que a Pluma Caprichosa da E (13/7/2019), sublinhou em epígrafe azul celeste, do dito artigo “Colonialismo e crueldade”: “Quando se começa a odiar nunca mais se pára. É esta gente que tem de ser educada. É esta gente que tem de ler uns livros e sair do canto provinciano e mesquinho das suas cabeças”. Eis a verdadeira CFA, a que “começou a odiar” nos seus tempos de leituras rebeldes, que continuam a ser prato diário, apesar de em tempos ter escrito que “comunismo nunca mais”. Não creio que assim seja. Este seu texto espuma ódio, o mesmo que costumava espumar sempre que se referia altivamente à “gentinha” inculta do seu país, como hoje o faz, sem pestanejar, e com um «racismo» muito sui generis.
Ouvi hoje José Hermano Saraiva, em programa antigo, falando de uma das maiores cidades do mundo – S. Paulo - e onde a língua “pátria” é o português – a exprimir-se com alma e coração, falando dos descobridores do sítio – Martim Afonso de Sousa, com os motivos da descoberta, ordenados por D. João III – e do padre Manuel da Nóbrega, o verdadeiro fundador de S. Paulo, a partir de um colégio a que chamou de S. Paulo, porque, tal como este discípulo de Cristo, também ele foi divulgador do cristianismo, através da catequese aos nativos, nesse colégio onde foi rezada a primeira missa, e onde o Padre António Vieira defendeu mais tarde os direitos desses nativos contra a exploração dos colonos, facto que levou José Hermano Saraiva a considerar Vieira como pioneiro na defesa dos direitos humanos, antes mesmo dos filósofos da Revolução Francesa.
Quanto ao artigo de SF, nunca tinha posto o problema de selecção, pelos exames, dos alunos que seguiam para o liceu ou as escolas técnicas, pois os níveis de aproveitamento no liceu também variavam entre o 0 e o 20, o Mau e o Muito bom, como hoje acontece, uma forma de apurar competências, suponho, a questão da “pedagogia do erro” ainda não posta “em sossego”, como a linda Inês, a colher o “fruito” que os tenros anos dos alunos viriam a colher depois, em tempos de menos rigor analítico. Mas o comentador Carlos Traguelho explica melhor a questão.

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 5
HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 02.08.19
AS VÁRIAS CORES DOS PRETOS
- E os pretos? – perguntava o Leitor no final da crónica anterior. Ao que eu lhe perguntei sobre qual a cor desses pretos por que perguntava. E a conversa poderia ter ficado por ali se nos tivéssemos quedado pelo aparente absurdo.
- A cor dos pretos? Mas que disparate! Pretos são pretos, não têm cores.
- Pois eu acho que tanto os pretos como os brancos, os pardos e os amarelos têm cores diferentes mesmo dentro de cada raça. Um preto doutorado por uma Universidade tem uma cor diferente de um preto analfabeto mas tem a mesma cor que um branco ou um amarelo doutorados por essa ou outras Universidades.
- Mas as peles de cada um são diferentes.
- Sim, claro, mas essa é só uma questão de melanina. A pele assumir tons diferentes conforme as condições ambientais em que a pessoa se integra.
- Mas cada raça tem as suas próprias características.
- Sim, essas características são o resultado de adaptações ambientais mas o que distingue as pessoas é o nível cultural. E por esta realidade não ter sido entendida com maior generalidade e há mais tempo é que muita injustiça foi cometida e muitos sarilhos foram tecidos.
- Os pretos não são capazes de dizer duas coisas certas.
- Se lhes ensinarmos a nossa língua e os educarmos como educamos os brancos ou os indianos, eles dizem o mesmo que nós. Mais: até são capazes de dizer tudo com perspectivas diferentes porque vêm duma cultura diferente e essa diferença pode ser complementar das nossas ideias. Não necessariamente conflituantes. Esses pretos a que o Leitor se refere têm sobretudo dificuldade de expressão numa língua que nós entendemos. E por que é que nós nunca nos demos ao trabalho de aprender as línguas deles?
- Eles não percebem nada do que lhes digo.
- E ensinou-lhes a nossa língua? Ponha-se na posição inversa de serem eles a dizerem-lhe, a si, qualquer coisa na língua deles. Quem é que passava por estúpido? Portanto, não estamos a discutir inteligências mas apenas níveis culturais. E são esses níveis de cultura que definem as cores. Nos nossos almoços de economistas da região de Lourenço Marques eramos todos da mesmo cor mas pertencíamos a várias etnias ou, se quiser, a várias raças. Mas, é claro, pertencíamos todos à mesma espécie, a humana.
* * *
Em Moçambique, como em todo o espaço português, o acesso ao ensino era condicionado pelos célebres «exames de admissão» em que cada nível se dava ao luxo de desconfiar da qualidade do nível precedente. Nem sequer lhe chamo política elitista, limito-me a chamar-lhe absurda. Apesar disso, os estabelecimentos de ensino estavam cheios. Mas se não fossem as barreiras absurdas, talvez o dobro daescolas também estivesse cheio. Quem sabe? E neste particular, a realidade moçambicana não era diferente da metropolitana pois o nível de escolaridade não era o forte do Estado Novo. Se ao 25 de Abril de 1974, o analfabetismo adulto em Portugal era de 25%, não imagino o que seria em Moçambique. Felizmente, não encontrei a informação. A única coisa que posso dizer é por palpite e avanço com a ideia de que nos Liceus de Lourenço Marques havia mais alunos brancos do que pretos mas que nas Escolas Técnicas havia mais pretos do que brancos. Mas isto é mero palpite e peço a quem me lê e saiba melhor que me corrija e nos dê uma ideia mais correcta.
Escolas Técnicas? Sim, em tudo semelhantes às que havia na Metrópole. Por exemplo, Samora Machel cursou química numa delas e foi admitido nos Quadros de Pessoal do Hospital Miguel Bombarda, o hospital central e universitário de Lourenço Marques onde era Auxiliar (de 3ª classe) de Analista no Laboratório de Análises de Anatomia Patológica. Vergonhosamente preterido na promoção a 2ª classe, no dia seguinte a essa ilegalidade já não compareceu no Serviço e a vez seguinte que dele se ouviu falar foi quando assumiu a Presidência da Frelimo.
Pois é, nem tudo foram rosas.

NOTAS DE APOIO
(extraídas da Internet)
Em 1530, com o propósito de realizar uma política de colonização efectiva, Dom João III, "O Colonizador", organizou uma expedição ao Brasil. A esquadra de cinco embarcações, bem armada e aparelhada, reunia quatrocentos colonos e tripulantes. Comandada por Martim Afonso de Sousa, tinha uma tríplice missão: combater os traficantes franceses, penetrar nas terras na direcção do Rio da Prata para procurar metais preciosos e, ainda, estabelecer núcleos de povoamento no litoral. Portanto, iniciar o povoamento do "grande desertão", as terras brasileiras. Para isto traziam ferramentas, sementes, mudas de plantas e animais domésticos.
Martim Afonso possuía amplos poderes. Designado capitão - mor da esquadra e do território descoberto, deveria fundar núcleos de povoamento, exercer justiça civil e criminal, tomar posse das terras em nome do rei, nomear funcionários e distribuir sesmarias.
Durante dois anos o Capitão percorreu o litoral, armazenando importantes conhecimentos geográficos. Ao chegar no litoral pernambucano, em 1531, conseguiu tomar três naus francesas carregadas de pau-brasil. Dali dirigiu-se para o sul da região, indo até a foz do Rio da Prata. Fundou a primeira vila da América portuguesa: São Vicente, localizada no litoral paulista. Ali distribuiu lotes de terras aos novos habitantes, além de dar início à plantação de cana-de-açúcar. Montou o primeiro engenho da Colónia, o "Engenho do Governador", situado no centro da ilha de São Vicente, região do actual estado de São Paulo.
Diogo Álvares Correa, o Caramuru, João Ramalho e António Rodrigues facilitaram bastante a missão colonizadora da expedição de Martim Afonso. Eram intérpretes junto aos índios e forneciam valiosas informações sobre a terra e seus habitantes. Antes de retornar a Portugal, ainda em 1532, o Capitão recebeu carta do rei Dom João III. Este falava de sua intenção de implantar o sistema de capitanias hereditárias e de designar Martim Afonso e seu irmão Pero Lopes de Sousa como donatários.
Enquanto Portugal reorganizava sua política para estabelecer uma ocupação efectiva no litoral brasileiro, os espanhóis impunham sua conquista na América, chegando quase à exterminação dos grupos indígenas: os astecas, no atual México, os maias, na América Central e os incas, no actual Peru.
COMENTÁRIOS
Anónimo  02.08.2019: Ao aceitar ao teu convite, Henrique, de "quem saiba melhor" corrija eventualmente a tua afirmação de "que nos liceus de Lourenço Marques havia mais alunos brancos do que pretos" e que situação inversa ocorreria nas Escolas Técnicas, respondo sem "saber melhor" mas penas para, empiricamente, corroborar a tua afirmação, pela seguinte analogia: Na Metrópole, chamemos assim para simplificar, os filhos de pessoas com "mais posses" iam para os Liceus, enquanto os outros iam para o ensino Técnico, pela simples razão que este dava ferramentas de trabalho diretas, quer no Comércio, quer na Indústria, o que não acontecia com o Ensino Liceal, que orientava essencialmente os alunos para o acesso à Universidade. Ora, quando os pais não podiam assegurar, à priori, esse percurso universitário, era feita a opção pelo ensino técnico. Havia, porém, uma situação perversa - é que essa decisão era feita muito cedo, à saída da instrução primária. Após o 25 de Abril, em vez de se corrigir aquela situação, decidiu-se acabar, com consequências negativas para o País, com o Ensino Técnico, embora mais tarde tenha havido alguma correção. Recordo-me, como se fosse hoje, apesar de ter apenas 10 anos, que quando acabei a prova oral do exame de admissão ao ensino Técnico (que correu muito bem), a presidente do júri perguntou-me se eu me tinha candidatado também ao Liceu. Perante a minha resposta negativa, exclamou "Que pena!", que é como quem diz, "lá se foi um talento!"...
Uma nota final - Em Nampula, após as horas do serviço militar, dei aulas aos cursos nocturnos da Escola Comercial (ao primeiro ano - Noções de Comércio - e ao último - Contabilidade). Em qualquer dos anos predominavam os alunos de raça negra, e alguns destes eram bons alunos, embora também alguns fossem maus. Em Contabilidade, o melhor aluno era caucasiano, teve 17 ou18 no exame respectivo e o pior era de raça negra. Ainda me dispus a dar aulas particulares a este, gratuitamente, claro, mas apercebi-me que as condições de vida dele eram de tal forma exigentes, que não iria "ter paz de espírito" para aproveitar as aulas extraordinárias, nem tinha disponibilidade de tempo para as ter.  Carlos Traguelho

Adriano Lima 02.08.2019: Por algum acidente informático, não saiu o meu comentário ao post anterior. Não vou agora tentar recuperá-lo, mas tudo se sintetizava nesta observação: Em Angola, nos anos de 1965 a 1967 vi engraxadores brancos a exercer o seu ofício na via pública. Não sei dizer se eram muitos ou não. Talvez fossem casos isolados (pessoas analfabetas e sem qualificações profissionais), mas não deixa de ser excepção a certo paradigma. A realidade social em Moçambique não seria muito diferente da de Angola. Penso que a partir do início da guerra colonial melhorou o panorama da discriminação racial (aparente ou consequente) nas antigas colónias, nomeadamente a partir da passagem de Adriano Moreira pela pasta do Ultramar. Considero o Professor um humanista e acredito que as coisas poderiam ter melhorado para as populações africanas se ele tivesse continuado no governo. Volta e meia conta o episódio da sua demissão.

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