sábado, 31 de agosto de 2019

Se cá nevasse, fazia-se cá ski



O texto infra, que, pelo título, se oferece como um bom exercício pedagógico, bem no fundo apresenta-se como um breve e útil despejar de dados históricos sobre a temática dos direitos humanos, através dos tempos, e nesse aspecto o apreciamos. De facto, ao historiar a evolução de um conceito que desde sempre coexistiu nas sociedades humanas regidas por dualidades irredutíveis – o Bem e o Mal, o Branco e o Preto, a Matéria e o Espírito, o Céu e o Inferno da metáfora teológica … (o bom senso sendo antes equiparado às meias tintas, ao nem tanto ao mar nem tanto à terra dos equilíbrios baços, que enervam os de aspirações mais afoitas) – os direitos humanos têm sido caso de consciência desde sempre considerado, e gradualmente mais enriquecido de novas achegas valorativas. O certo é que, quanto maior o afinco sobre a defesa desses direitos, mais o mundo é pervertido por desequilíbrios e violência sem tréguas, envilecido pelos discursos de ataque contra os que representam a facção egoísta, segundo o ponto de vista faccioso do grupo solidário ou que se designa como tal, no seu pobre maniqueísmo de empréstimo, que esconde, afinal, as mesmas ambições de todos. Sim, a convulsão e as tais desigualdades sociais são cada vez mais fundas, e a defesa piedosa dos mais sensíveis relativamente aos direitos humanos logo se traduzem em discursos exaltados contra os promotores – reais ou imaginários – das desigualdades sociais. E o papel da educação para os direitos humanos, embora se afigure válido, não deixa de ser irrisório, com tanto desequilíbrio que pende sobre a Terra.
OPINIÃO
Qual o papel da educação para os direitos humanos?
No ano do septuagésimo aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, saberemos o que são os direitos humanos? Para que servem? Quem os protege?
FILIPE PINTO
JOANA MORAIS E CASTRO
PÚBLICO, 30 de Agosto de 2019
A educação para os direitos humanos tem potencial para ser a abordagem pedagógica para a aprendizagem da coragem e da esperança no mundo. Na sua base contém princípios da justiça social e de que forma eles estão ancorados no direito nacional e internacional. Para além dos elementos teóricos e históricos, pode ser um instrumento que fomenta a acção, para que cada um de nós possa ser o protagonista de mudanças. No centro, devem estar materiais e metodologias que nos permitam abandonar o papel de simples observadores e que activem a responsabilidade de sermos defensores dos direitos humanos.
Partindo desta base, existem elementos fulcrais para a educação para os direitos humanos – o corpo dos direitos humanos – que procuraremos desenvolver: a dignidade humana, a empatia e o activismo servidor.
A dignidade humana como a cabeça dos direitos humanos:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos começa, no seu preâmbulo e no seu art. 1.º, a declarar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Na Roma antiga, dignidade tinha sentido moral, político e social. Era, por exemplo, reconhecida a quem tinha altos cargos públicos (como os magistrados – dignitates) ou pertencia a uma determinada classe social. Posteriormente, o cristianismo foi construindo a ideia de dignidade. Ao longo de milhares de anos a ideia de dignidade não teve uma distribuição igual e em muitas sociedades continua a não ter, existindo uma discriminação com base numa série de razões (religiosas, políticas, étnicas, etc). No mundo ocidental, porém, a dignidade tem vindo a ganhar um relevo social e jurídico começando a ser considerada como um valor cuja dimensão é intrínseca ao ser humano. A partir desta ideia nasceram e desenvolvem-se os direitos humanos.
Como se protege a dignidade humana? Os direitos humanos são direitos que uma pessoa tem por se tratar de um ser humano, são pertença de todas as pessoas de forma igual, universal e permanente e são as condições básicas sem as quais uma pessoa não pode viver com dignidade. Violar um direito humano é tratar uma pessoa como se ela não fosse um ser humano. Defender os direitos humanos é exigir que a dignidade humana de todos os indivíduos seja respeitada.
Esta noção de que qualquer pessoa, em virtude da sua humanidade, detém certos direitos, é uma ideia recente, apesar de as suas raízes se encontrarem em ensinamentos culturais antigos. Por exemplo, a maior parte das sociedades partilhou tradições semelhantes à “Regra de Ouro”: “Faz aos outros o que gostavas que te fizessem a ti” (Vedas Hindus, Código Babilónico, a Bíblia, o Corão e os Anacletos de Confúcio, Códigos de Conduta Incas Azteca, etc). Apesar disso, grande parte dos documentos históricos antecedentes à Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), na prática, não se aplicavam aos negros, mulheres e a membros de certos grupos. De facto, a questão dos direitos humanos tornou-se preponderante logo após o final da Segunda Guerra Mundial. O extermínio de seis milhões de judeus, povo roma (ciganos), homossexuais e pessoas com deficiência horrorizou o mundo. Foi neste contexto, a 10 de dezembro de 1948, que nasceu a Declaração Universal. A DUDH teve e tem uma influência substancial. Os seus princípios foram integrados nas constituições de mais de 185 nações que fazem parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Embora não seja um documento com valor legal compulsório, a Declaração e os seus pactos tornou-se num estatuto de direito internacional convencional.
Por todo o mundo, os maiores guardiões dos direitos humanos têm sido simples cidadãos. Também as Organizações da Sociedade Civil têm desempenhado um papel importante ao chamar a atenção da comunidade internacional. É assim que se vai garantindo a protecção dos direitos humanos e é por esta razão que a educação para os direitos humanos é crescentemente importante. Não é suficiente existirem actores governamentais sensíveis ao problema dos DH e instrumentos de garantia de protecção, apesar de naturalmente serem os grandes promotores. Para os direitos humanos, para a sua salvaguarda e evolução, cada pessoa é fundamental.
A empatia enquanto tronco dos direitos humanos:
É-nos mais fácil a compreensão das alegrias e dos sofrimentos dos outros se estes nos forem mais próximos. As distâncias culturais e geográficas acompanham frequentemente as distâncias do coração e muitas vezes evitamos a interacção com aqueles que consideramos diferentes, acabando por vê-los à luz de lentes desfocadas e de estereótipos. Acresce que, no mundo em que vivemos, a mobilidade humana é cada vez maior e a discriminação cultural, religiosa ou étnica tem ganho proporções inconcebíveis. Em alguns pontos do planeta acentuam-se discursos e acções de ódio, que são claras violações aos direitos humanos. Lamentavelmente, ao encontrarmo-nos distantes desses pontos geográficos, ainda que não subscrevamos tais discursos e actos, acabamos, com frequência, por nos “deixarmos no sofá”, caindo na indiferença silenciosa que agudiza as situações.
A crise dos refugiados é um exemplo entre muitos e, também neste caso, é necessário que passemos a ver aqueles que um dia foram empurrados para esse estatuto por terem de fugir da guerra ou de outro tipo de catástrofe, não em função das suas diferenças étnicas ou religiosas, mas como pessoas que partilham da nossa comum condição humana: pessoas que sonham, riem, choram e têm valor como todos nós. Neste caso concreto, pese embora muitas das pessoas que se encontram na situação de refugiados sejam por vezes mal recebidos em alguns países, são imensas as pessoas e grupos que são movidos pelo impulso humano da empatia, que se põem nessa posição, por vezes desconfortável, de se colocarem no lugar dos outros.
É aqui que educar para os direitos humanos se torna fundamental, pois é necessário um compromisso resiliente por parte de todos com a protecção dos que são vítimas de violência ou discriminação. Conforme dito, não basta fortalecer as estruturas jurídicas institucionais, nem chega a acção da ONU e de tantas Organizações da Sociedade Civil que se empenham pela defesa e promoção dos direitos fundamentais. No final, para que se possa construir com eficácia uma sociedade global onde a dignidade humana seja respeitada, é preciso que essa mesma sociedade, constituída por cada um de nós, cultive a atitude empática (o tal tronco) que faz alargar a lógica e o pensamento racional,
que compreenda com o coração que tem poder para transformar o seu pequeno contexto e que o impacto dessa pequena transformação na rede global é decisivo para que as relações se reconfigurem positivamente e para que o mundo se torne num lugar de tolerância (mas de intolerância face à violência e discriminação).
Activismo e serviço, os membros dos direitos humanos:
Os membros do corpo dos direitos humanos são, como já referimos, as pessoas e a sua acção. A educação para os direitos humanos pretende reforçar o conhecimento (através da análise crítica das situações), alterar atitudes (estimulando o diálogo e a empatia) e alterar comportamentos (promovendo a capacidade de agir e defender os direitos humanos). Activismo e serviço surgem nesta última linha de acção. Com frequência, o “activismo” é associado ao conceito de acção, resistência ou desobediência, e o “serviço” ao conceito de obediência, pelo queactivismo servidorsurge paradoxalmente. No entanto, é neste aparente paradoxo que podemos encontrar os ingredientes essenciais para a transformação social, sobretudo, para o trabalho em prol do bem comum e defesa dos direitos humanos. A dimensão do serviço pressupõe uma ética do cuidado através da máxima de que não se pode agir se não se cuidar. Activismo, por outro lado, está relacionado com o olhar num determinado momento da história da humanidade, à luta contra as injustiças ou à história dos movimentos sociais, à arte ou à resistência. A possibilidade e o alcance do ativismo servidor podem ser testemunhados através do estudo dos movimentos sociais e políticos (Movimento sufragista, Movimento de vida independente das pessoas com deficiência, etc.) e de personalidades como Nelson Mandela, Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, Martin Luther King, entre outros.
A educação para os direitos humanos tem como objectivo melhorar a compreensão, atitude e comportamento em relação aos direitos humanos. Para tal, é necessária uma abordagem participativa e interactiva tendo em conta estas três componentes do corpo dos direitos humanos. No entanto, deve ter-se em conta o conteúdo a discutir e de que forma este deve ser contextualizado, mantendo-se equilíbrio e foco pois muitas questões relacionadas com os direitos humanos são chocantes, difíceis de compreender ou estão demasiado distantes da nossa vida. Por outro lado, é estreita a linha que separa uma discussão aberta de uma apresentação chocante, a promoção de uma mera empatia ou de uma verdadeira solidariedade. Para garantir este foco e equilíbrio deve-se ter em conta a abordagem holística, as faixas etárias, o ambiente social, escolar e cultural, bem como utilizar manuais pedagógicos adequados.
Professor na Área Transversal da Economia Social da Universidade Católica Portuguesa, no Porto
Professora da Área Transversal de Economia Social da Universidade Católica Portuguesa no Porto

COMENTÁRIOS:
Euros de Eos, 18:08: Vamos lá ver se agora passa, que nos defensores dos DH não está propriamente a liberdade de expressão. Antes era a Catequese, a que consegui escapar. Agora são os DH, que não são muito diferentes, no conteúdo e na intenção. Se te baterem numa face, dá a outra. Se o outro não tiver de comer, dá-lhe metade da sandes e paga mais impostos. Se o outro não tiver trabalho, reparte o teu ordenado com ele ou aceita uma redução no vencimento. Todos bons, todos pobrezinhos, será dos pobres o reino dos céus.
manuelserra72: A empatia, como a inteligência, são recursos humanos que não foram distribuídos de forma igual pelas pessoas. Tal como a inteligência, não há provas de que a empatia possa ser aumentada, pelo menos a nível individual. Há diferenças fundamentais entre discurso e acção. O que é o ódio? Pode a supressão da expressão do ódio suprimir o ódio? A discriminação é sempre má? Ou seja, certos conceitos são suficientemente vagos e com fronteiras indefinidas, para me interrogar que tipo de projecto está por trás destas aparentes boas intenções dos "direitos do homem". Estamos a caminho de uma sociedade perfeita que vai ser conseguida pela engenharia social? Tenho a impressão de que já tentámos isso no passado com os resultados que se viu. Veja o François Furet e o Samuel Moyn com "The last Utopia"...
No clima actual, fortemente polarizado, onde certas opiniões são logo categorizadas de "ódio" e por isso proferidas por sub-humanos, interrogo-me quais são as verdadeiras motivações dos que proclamam os direitos humanos. Resguardados por uma auto-proclamada atitude empática e humana, alguns decidem menorizar e dirigir o ódio (e por vezes violência) contra os que não se alinham nessa forma de pensar. Às vezes é útil ver as verdadeiras acções para lá da retórica para se perceberem as verdadeiras motivações.


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