Desta vez, VPV deixou o discurso pontilhista do comentário diário,
para se lançar sobre a análise mais funda do comportamento do PS e dos seus “afins” da parceria, o que
implica todo um saber sereno, na interpretação, não tendenciosa, mas de uma
lucidez acutilante de estudioso, com que descodifica a actuação de cada um e
sobretudo do fenómeno “jovem” do BE, que parece
cair no goto ávido de um público aparentemente beneficiado pelas exigências
deste junto do PS, exigências
não provenientes de real afecto pelo “povo maltratado de sempre”, mas de real
irresponsabilidade megalómana e chantagista, de quem pode fazer um vistão de
generosidades que não implicam prestação de contas, como, criteriosamente, mas
também por obrigação e cautela, o governo PS aparentemente se esforça por praticar, com a
necessária ponderação, para a sua continuidade na “praça”…
Uma página de Diário, pois, a merecer a quase geral anuência
dos seus Comentadores, impecável
de destreza intelectual. Como dantes… E com a gratidão de quem o lê, assim
sereno e lucidamente decisivo.
OPINIÃO
Diário
Vasco
Pulido Valente escreve que “o Bloco, sendo um partido-espectáculo, não se distingue
bem da ala esquerda do PS. Essa vizinhança, que, ainda por cima, é geracional,
ameaça o equilíbrio do PS”.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 31 de Agosto de 2019
O
amigo do primeiro-ministro tem razão num ponto: o Bloco é mesmo um partido dos
mass media. À nascença só
saiu da obscuridade porque Miguel Portas e o conselheiro Louçã eram
telegénicos; uma surpresa para os costumes estabelecidos. Ninguém
esperava que os chefes de um partido que se dizia revolucionário fossem dois
jovens manifestamente da alta classe média, que se vestiam bem e não falavam a
língua-de-pau do Partido Comunista. O público gostou.
E
os jornalistas gostaram ainda mais. O Bloco representava para eles a
“autêntica” esquerda que eles procuravam desde o fim da “festa” de Abril ou da
memória dela. O Bloco era o lugar certo para se ser radical
sem responsabilidades. Uma certa franja da intelligentsia portuguesa e do
eleitorado urbano que não tinha vivido nenhum período político formativo e se
sentia isolada num mundo hostil seguiu o Bloco simplesmente porque não queria
votar no statu quo. E, depois, as “causas fracturantes” e o “politicamente
correcto” deram outra força a um partido estranhamente fundado por trotskistas
e comunistas desiludidos. Mas, durante todo o tempo, a imprensa e a televisão
alimentaram o BE e fizeram-no crescer.
De
resto, isso continua a ser verdade. Basta pensar nos militantes e antigos
militantes do Bloco e companheiros de caminho que pairam na televisão: o conselheiro Louçã, o velho Fernando
Rosas, Daniel Oliveira, Ana Drago, Rui Tavares, Ricardo Paes Mamede e, acima
deles, a nova grande estrela Mariana Mortágua. A própria Catarina Martins
sai-se muito bem a metralhar frases feitas no telejornal. Remova-se
toda esta gente dos mass media e o que fica? Fica uma organização débil e uma
retórica sem objecto. O Bloco não tem um apoio social, tem uma audiência.
A
julgar por um artigo rábido de Fernando Rosas, o grande medo do Bloco é que o PS chegue à maioria
absoluta. E o grande medo de Costa é de se ver forçado a uma aliança mais do
que efémera com o Bloco e, principalmente, de o pôr no governo.
25
de Agosto
O
amigo do primeiro-ministro não tem razão a respeito do Partido Comunista, que
não é um verdadeiro “partido de massas” mas, como o primeiro-ministro bem sabe,
é um partido institucional com um vasto património imobiliário, os seus fiéis
funcionários, algumas câmaras importantes e uma história que garante uma muito
maior fiabilidade aos seus compromissos.
Além disso, o comunismo assenta numa
teoria morta e num passado comprometedor. O Bloco, livre destes pesos e sendo
um partido-espectáculo, não se distingue bem da ala
esquerda do PS. Essa
vizinhança que, ainda por cima, é geracional, ameaça o equilíbrio do PS. Se por
acaso, depois de Outubro, o PS precisar de alguns votos da esquerda para
governar prefere, com certeza, que esses votos venham de um partido sólido e
seguro e não de um partido inconsistente e, sobretudo, imprevisível como o
Bloco. O PS, aliás, com a sua monstruosa máquina, com dezenas de câmaras
e com os seus adeptos no funcionalismo e na economia, é conservador e treme ter
um parceiro que não respeita as conveniências. A questão da maioria absoluta,
que emociona os portugueses, e os jornalistas, não passa disto.
Colunista
COMENTÁRIOS:
Fernando Costa, 31.08.2019: A realidade é sempre simples.
José Manuel
Martins, 31.08.2019: santa ingenuidade: as massas são actualmente os mass
media. E estes mass media permitem ao BE uma dominação maciça, massiva, de
massas, sem paralelo: a esfera ideológica da cultura. Na sua estratégia
neo-gramsciana de conquista dos eixos e pivots do todo social - do mesmo modo
que a agenda neo-gramsciana da China à escala da dominação soft planetária, com
pezinhos de lã e sem se dar por ela -, o BE marca a agenda do que se pensa, do
que se diz: a agenda social total dos totems e tabus, arrastando na avalancha,
precisamente, não só 'a esquerda do ps', como toda a bezerrada gelatinosa-burguesa
do centro bocejante. Hoje pensamos made in Bloco, que policia as “formae mentis”.
Dizia Kundera que o comunismo ganhara a batalha simbólica: o BE guinda essa
vitória aos requintes da servidão voluntária.
Espectro: É
bom lembrar que VPV é reformado da função pública, embora - fica politicamente
sempre bem - ele aqui a diabolize. Quanto ao resto, concordo como ele, maxime,
no que ao BE se refere - aquilo nada mais é que um grupo rock que em vez de
música resolveu juntar-se para fazer um bocado de política-espectáculo. LOL
agany:
Se o PS não obtiver maioria absoluta, no
primeiro choque irredutível com o BE, teremos eleições antecipadas. O Governo
pode não durar 6 meses.
Luis Morgado: Vasco Pulido
Valente tem razão. De facto o PS é um partido "acolhedor", alberga um
amplo leque de tendências, desde a extrema esquerda à direita. É cada vez mais
uma grande União Nacional. Se o Bloco alguma vez desaparecer, os seus votantes
não ficarão órfãos. Haverá sempre um canto confortável no PS para os receber. Hoje
o PS é um partido que aspira a ser de direita, embora disfarçado com um
folclore e uma indumentária vagamente de esquerda. Já os órfãos dessas
irrelevâncias que são o PSD e o CDS devem estar há muito tempo a pensar
juntar-se ao PS, não sabem é como. Deve haver uma regra na democracia
portuguesa que faz com que esta seja um espelho fiel da nossa mediocridade.
Distinguimo-nos na Europa e no mundo por isso mesmo, por sermos simpaticamente
medíocres.
bento guerra: Tudo
o que traga assentos parlamentares para a organização do Largo do Rato, é
bem-vindo
A
sua descrição do BE fez-me rir, não por estar errada mas por estar certa.
Tire-se ao BE o acesso à espuma dos dias e o partido desaparece do mapa em 3
tempos. Quanto ao PC, as pedras também são duradouras e coerentes, mas o tempo
acaba sempre por as fazer desaparecer.
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