É sempre bom reavivar lembranças, ao que
parece, para humilhação de uns, e aproveitamento vitorioso ou hipócrita de
outros. Nada tem muita importância, afinal. A música também se constrói nas
cinzas, vamos continuando a escutar, até…
A falsificação da história como arma de
arremesso /premium
OBSERVADOR, 2/9/2019
Quando
o Exército Vermelho entrou na Polónia e noutros países do Leste Europeu para
derrotar o nazismo alemão, não trouxe a libertação dos povos, mas a
substituição de um regime repressivo por outro.
Enquanto
os políticos utilizarem a história, ou melhor, a sua falsificação, como arma de
arremesso político, não se pode esperar a criação de condições para uma
coexistência normal entre países, principalmente entre países vizinhos.
As
celebrações do 80.º
aniversário do início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ficaram marcadas
por mais um escândalo nas relações entre a Rússia e a Polónia. O governo de
Varsóvia recusou-se a convidar o Presidente russo, Vladimir Putin, para
participar no evento.
A
principal razão é que a União Soviética foi, além da Alemanha, o país que
invadiu a Polónia e pôs fim à sua existência como Estado independente
(recomendo aos leitores que vejam ou revejam o filme “Katyn”, do grande
realizador polaco Andrzej Waida). Além disso, os dirigentes russos revêem a
história a seu bel-prazer e, por exemplo, em finais de Agosto, vieram uma vez
mais justificar o Pacto Ribbentrop-Molotov, ou seja, o documento que permitiu a Hitler dar
início à invasão da Polónia e que dividiu a Europa do Leste em zonas de
influência entre o líder nazi e Estaline. Eles voltam a apresentar a entrada de tropas
soviéticas no território polaco não como a invasão de um Estado vizinho, mas
como um acto de “libertação” dos irmãos bielorrussos e ucranianos. E quando
o Exército Vermelho voltou a entrar na Polónia e noutros países do Leste Europeu
para derrotar o nazismo alemão, não trouxe a libertação dos povos, mas a
substituição de um regime repressivo por outro. A coberto do
“internacionalismo proletário”, Estaline empregou as tácticas mais refinadas do
imperialismo condenado diariamente pela propaganda soviética.
Com
isto não se pretende minimizar o papel decisivo que os povos soviéticos tiveram
na derrota do nazismo (sublinho, não o partido comunista ou Estaline, mas os
povos), mas chamar a atenção para que ainda existem muitas feridas abertas que
há muito poderiam estar saradas não fosse o oportunismo e ingerência dos
políticos na narrativa histórica.
O
Kremlin ficou indignado por Putin não ter recebido o convite para as cerimónias
e o seu porta-voz, Dmitri Peskov, declarou que “qualquer iniciativa realizada
em qualquer país do mundo a propósito de comemorações ligadas à Grande Guerra
Pátria ou à Segunda Guerra Mundial não podem ser consideradas completas sem a
participação da Rússia, pois é impossível sobreavaliar o seu papel na Segunda Guerra
Mundial”.
Poder-se-ia
estar de acordo com semelhante se a Rússia fosse dirigida por políticos que
respeitassem a verdade histórica e as fronteiras com os países vizinhos, mas
esse não é o caso. Se Moscovo quer ser o único herdeiro legítimo da URSS, então
terá de sê-lo completamente.
Olhemos
para a posição da Alemanha, que também foi convidada para a cerimónia em
Varsóvia. O seu Presidente, Frank-Walter Steinmeier, foi à Polónia dizer:
“Inclino-me perante as vítimas polacas da tirania alemã. Peço perdão. Aqui
começou o ódio alemão que atravessou toda a Polónia e a Europa. Nós chamamos
guerra a isso, porque não sabemos como encontrar mais um nome para esse crime”.
Será
possível algum dia ouvir palavras semelhantes da boca de Vladimir Putin ou de
qualquer outro Presidente russo em relação à Polónia, Finlândia, Estónia,
Letónia, Lituânia, Ucrânia, etc.? Mikhail Gorbatchov e Boris Ieltsin tiveram
coragem de o fazer, mas não se espere isso de Putin. Este reescreve a história
a seu bel-prazer, manipulando-a, por exemplo, com a publicação de documentos
secretos seleccionados.
No
que respeita à ausência do Presidente norte-americano, Donald Trump, na
cerimónia em Varsóvia, isso é mais uma prova de que, para ele, as relações com
a Europa não estão na sua lista de prioridades. E isto é tanto mais evidente
quando se vê que o actual governo polaco pretende fazer dos Estados Unidos o
seu mais próximo aliado estratégico nas difíceis relações com a Rússia.
É
de salientar também o facto de o executivo de Varsóvia não ter convidado para a
cerimónia Donald Tusk, antigo primeiro-ministro polaco e ainda Presidente do
Conselho Europeu. Embora a ausência de Tusk se deva a confrontos políticos
internos, o facto da sua ausência é mais uma amostra das relações existentes no
seio da União Europeia. Os novos dirigentes da UE deverão ter isso em linha de
conta na elaboração da sua política externa.
Uma
cerimónia que deveria tornar-se num factor de união entre todos os europeus,
incluindo a Rússia, para que a história não se repita, tornou-se em mais uma
fonte de discórdia e de discussões demagógicas.
P.S.: A
possibilidade da realização da troca de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia
parece estar cada vez mais perto de se tornar realidade. O Presidente ucraniano
Vladimir Zelinski tem-se fortemente envolvido neste processo, até porque foi
uma das suas promessas eleitorais. Se tal vier a ocorrer, será um passo
importante para a normalização da situação no Leste da Ucrânia.
COMENTÁRIOS
Júlio Comentador: Para o Milhazes, quem ganhou aos Nazis não foi Estaline nem o Partido mas
sim o povo russo. Mas os graves erros políticos cometidos na Rússia já só foram
cometidos pelo Partido, sem participação do Povo. O Povo é bom e o Partido é
mau. "Divisões" à La Milhazes, usualmente "imparcial".
William Smith > Júlio Comentador: Fascina-me verificar que não
consigas perceber quando se deve atribuir responsabilidades ao povo soviético e
quando salta à vista que são responsabilidade do Partido.
antonio machado: Quando o Milhazes escreve relacionado com a Rússia, já se sabe que é para
dizer mal desta.
Carlos Novo: Duas coisinhas indispensáveis e indisputáveis:
O povo russo ganhou a 2 guerra mundial e mais ninguém. Falsificação em geral, e da história em
particular, como bem aponta o Milhazes, é maleita congénita ao estalinismo e ao
socialismo como aquele que, por exemplo, ainda hoje, é responsável pela miséria
da nossa Nação e pela indigência material e intelectual do nosso Povo.
cardoso pereira: Um artigo semelhante a muitos outros, pobre de conteúdo e omisso ( falso ) quanto a certos aspectos da história numa
toada em que persiste o ódio aos russos ( embora o autor o não admita ,
claro). Falar do pacto germano- soviético em que os russos estariam a
preparar as suas forças para combater o nazismo sem, ao mesmo tempo falar do
acordo de Munique (que o antecedeu) em que Inglaterra (depois de consultados os
USA) , França e Itália acordaram a invasão da Checoslováquia por Hitler e
ratificaram a ocupação da Áustria, não é lá muito sério para um historiador. A
verdade é que foi a Rússia a potência essencial para derrotar os nazis.
Consulte o que disse Churchill sobre o papel dos russos , comparando-o com os
outros todos. Uma coisa importante: o nazismo não nasceu do acaso, foi
patrocinado e apoiado por algumas grandes, enormes empresas americanas e
alemãs...de certa forma é um crime do capitalismo , embora seja uma aberração
do regime.
Adelino Lopes: A propaganda da esquerda é assim. Acho que deveriam republicar muitas das
notícias do Avante dos anos 70 e 80, confrontando-as com a realidade. Para que
conste, na desgraçada lista dos crápulas (elaborada com números), o primeiro é
o Pol Pot, Estaline o segundo e só depois é que vem o Hitler. Não falsifiquem a
história dos genocídios.
Venezuela Livre: Como dizia alguém a diferença fundamental entre o nazismo e o comunismo é
que este surgiu primeiro.
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