sábado, 28 de setembro de 2019

Os pontos nos ii



É a crónica de Rui Ramos, e mais um seu comentador, em apoio do governo PS, complementando o DIÁRIO de Vasco Pulido Valente, com as suas meias tintas incisivas, de apreço – talvez – por Costa, um vencedor nato. Também dou razão a Rui Ramos – não há nada a fazer. Mas não vou votar em Costa, é claro.
CRÓNICA    Diário
Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada sobre Tancos, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
VASCO PULIDO VALENTE          PÚBLICO, 28|9/19
28 de Setembro de 2019: A campanha eleitoral tem sido muito mansa, e seria ainda mais mansa se esse génio da política chamado Costa tivesse percebido que ganhava mais em estar sossegado em São Bento do que em vir para a rua na sua persona de militante do PS juvenil.
Mesmo nos debates devia ter conservado o recato. As zaragatas com Catarina Martins, e mesmo com Rui Rio, não lhe acrescentam nada e diminuem-no sempre. E as insinuações sobre “herdades no Alentejo” para embaraçar Cristas não são dignas dele. O que o nosso Costa aparentemente não percebeu é que ninguém no seu são juízo irá entregar o país a Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa ou Assunção Cristas. Bastava-lhe estar quieto. Mexeu-se, estragou.
23 de Setembro Era bem feito que o planeta explodisse e atirasse com a menina Greta para Saturno a ver se ela aprendia a não faltar à escola.
24 de Setembro: António Costa disse na televisão que as coisas que mais o irritavam eram a estupidez e a mentira. Concordo inteiramente com ele. O meu avô costumava avisar: “O pior na vida não são os maus, são os estúpidos.”
25 de Setembro: Marcelo Rebelo de Sousa jurou em Nova Iorque, citando Nixon, “I’m not a crook”. Já sabíamos.
25 de Setembro à noite: Sessão ululante em Westminster. Boris Johnson, muito insultado, apresenta-se como mandatário da vontade do povo tal como foi expressa no referendo de 2016; a Câmara dos Comuns não reconhece nenhuma soberania superior à sua. É uma conversa de surdos, agravada pela intromissão do poder judicial em assuntos intrinsecamente políticos, e pelo facto de o Partido Trabalhista recusar eleições, com medo de as perder.
Os partidários da União Europeia conseguem impedir o “Brexit” de se consumar, mas, fora isso, não sabem o que querem. Johnson não consegue o “Brexit”, e não tem maioria para governar, nem a pode pedir em novas eleições. E hoje nem sequer está seguro do seu próprio partido. Tudo continua encrencado.
26 de Setembro: Os nossos directores de consciência andam sempre a proclamar que detestam a judicialização da política, mas, quando aparece uma pequena oportunidade, agarram-se de unhas e dentes ao que antigamente os jornais do Estado Novo intitulavam, com todo o pudor, “Casos Crapulosos”. Não me interesso nada pela história de polícias e ladrões em que se tornou o roubo de Tancos. É, simplesmente, a história de um advogado de província, que António Costa nomeou ministro da Defesa. Deu para o torto, como devia dar. Só que, pelo caminho, levantou um problema grave: as relações entre o poder militar e o poder civil. Ficámos a saber que o dr. Azeredo Lopes desmaia perante uma farda. Isto, em si mesmo, já é péssimo, principalmente porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma farda nos dias que vão correndo?
26 de Setembro à noite: Como é que o primeiro-ministro não sabia de nada, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública e vergonhosamente despedido.
27 de Setembro: Para minha surpresa, a esquerda correu em socorro da menina Greta que passou a ser a vítima dos “negacionistas”. Concordo, entendendo por “negacionistas” os que se negam usar uma adolescente para os seus propósitos.
II - A questão da maioria absoluta /premium
Uma eventual maioria absoluta de António Costa colocaria todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que sempre soube fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou outra geringonça.
RUI RAMOS      OBSERVADOR, 27 sep 2019
Da direita à esquerda, os adversários de António Costa fizeram da maioria absoluta o assunto destas eleições. A bem dizer, não há outro: ninguém espera alternância no governo, nem, mesmo que essa alternância fosse provável, grandes variações de políticas. Resta, para tentar excitar o eleitorado, a hipotética maioria absoluta de Costa. À esquerda, dizem que levará o PS, livre da actual geringonça, a uma orgia direitista; à direita, que arrastará o PS, sobretudo se ampliada por uma maioria de dois terços com comunistas e neo-comunistas, para um novo PREC. Compreendo que tenham de dizer isso. Infelizmente, a perspectiva de uma maioria absoluta de António Costa não me comove. Antes de atirarem as pedras, deixem-me explicar. O PS consiste, há muito anos, num simples projecto de poder, assente no domínio do Estado como meio de controlar a sociedade. O governo de José Sócrates, de onde são oriundos os actuais ministros, foi apenas a confirmação dessa tendência, e não uma anomalia. O poder socialista pode parecer de esquerda, porque é estatizante, ou de direita, porque fará o que for preciso para manter o financiamento externo de que o Estado depende. Mas não é uma coisa nem outra. Por isso, com ou sem maioria absoluta, o PS não fará nenhum PREC nem nenhumas reformas liberais. Será e fará apenas o que for preciso para se conservar no poder.
Dir-me-ão: mas com uma maioria absoluta, os ex-amigos de Sócrates terão ainda mais domínio sobre o Estado. Por amor de Deus: o PS já é o nosso partido-Estado, o nosso MPLA, e não precisou para isso de maiorias absolutas, que só teve entre 2005 e 2009. O poder do PS não vem daí, mas de não haver outras alternativas, o que o deixa na charneira do regime, como “partido natural de governo”. A razão da ascendência do PS é o vazio à sua esquerda, desde o colapso do comunismo em 1989, e a confusão à sua direita, desde o fim do “cavaquismo” em 1995. Todos os partidos tenderam, para sobreviver, a apostar em acordos com o PS: foi o que fizeram o BE e o PCP, e é o que tenta fazer Rui Rio. Talvez António Costa aspire à maioria absoluta, para se glorificar e apagar a memória da derrota de 2015. Mas não lhe dará muito mais poder do que o que os seus adversários estão dispostos a reconhecer-lhe em troca de alguns sobejos da mesa do Estado.
Não quero exagerar o argumento, mas uma eventual maioria absoluta de António Costa até poderia ter vantagens para o regime. Em primeiro lugar, colocaria todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que sempre soube fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou com qualquer outra geringonça. Em segundo lugar, talvez forçasse os outros partidos a enfrentar a perspectiva de uma vida sem acordos com o PS, e a tentar descobrir a possibilidade de novas políticas e de novos protagonistas. Quanto ao mais, já sabemos como uma maioria absoluta, no regime da constituição revista de 1982, não deixa os governos sozinhos. Há sempre o Presidente da República, que tende até, nessas circunstâncias, a emergir ainda mais como contrapeso ao governo, com maior compreensão do país e particularmente das oposições. Ou seja, e paradoxalmente, talvez Costa estivesse menos à vontade com uma maioria absoluta.
Por outro lado, sou capaz de imaginar horizontes um pouco mais inquietantes: por exemplo, acordos de Costa com um BE que já só tem causas fracturantes para se distinguir, ou com um Rui Rio sempre assanhado contra a independência do poder judicial e ansioso por esquartejar o Estado para arranjar outra Madeira no continente. Parece-me pior do que uma bancada do PS com mais de 115 deputados.
COMENTÁRIO:
Jose Neto: É também o que penso. Mesmo sem maioria absoluta, este PS já mostrou como fazer para levar sempre a água ao seu moinho - quando a esquerda não quer, fala-se com a direita. Para cada assunto, há-de-se arranjar uma maioria parlamentar à medida. Vimos isso recentemente com a legislação laboral. Se António Costa estiver interessado em submeter um pouco mais o poder judicial ao político, pode contar com Rui Rio. Para silenciar a imprensa quando esta obtém informações sobre assuntos que se encontram em segredo de justiça, idem. Para garantir a "paz social", sem muitas greves e sem muitas manifestações, é-lhe imprescindível a cumplicidade do PCP, que deixará de estar garantida no dia em que a geringonça for desmontada. Também a gritaria em que o BE é especialista pode voltar nesse dia... Onde discordo um pouco do Rui Ramos é no papel desculpabilizador que a geringonça teria para Costa, porque ele sabe usar estratégias melhores. Num dos casos mais graves que ocorreram nesta legislatura, o dos incêndios com mais de 100 mortos, o governo reagiu retirando-se da cena e controlando a informação, mas não partilhou responsabilidades com os parceiros. No caso dos professores, reagiu teatralmente, mas desresponsabilizou o PCP e o BE, reconhecendo-lhes coerência. Nos muitos casos de corrupção e compadrio, Costa reage afastando-se, como se o assunto não lhe dissesse respeito (e quase não tem oposição...). Portanto, sim, talvez a maioria absoluta não seja importante para este PS e talvez até não seja desejável. Grande diferença não fará. Garantido parece estar o único grande objectivo de Costa, que é o de continuar a mandar nisto. A não ser que Tancos ainda nos traga alguma surpresa bombástica... Mas o Pai Natal só chega lá para Dezembro.

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