É a crónica de Rui Ramos, e mais um seu comentador, em apoio do
governo PS,
complementando o DIÁRIO de Vasco Pulido Valente, com as
suas meias tintas incisivas, de apreço – talvez – por Costa, um vencedor nato. Também dou razão a Rui Ramos – não há nada a fazer. Mas não vou votar
em Costa, é claro.
CRÓNICA Diário
Como é que o primeiro-ministro não sabia
de nada sobre Tancos, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples:
ninguém vai confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a
ser pública e vergonhosamente despedido.
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO,
28|9/19
28 de Setembro de 2019: A campanha eleitoral tem
sido muito mansa, e seria ainda mais mansa se esse génio da política chamado
Costa tivesse percebido que ganhava mais em estar sossegado em São Bento do que
em vir para a rua na sua persona de militante do PS juvenil.
Mesmo
nos debates devia ter conservado o recato. As zaragatas
com Catarina Martins, e mesmo com Rui Rio,
não lhe acrescentam nada e diminuem-no sempre. E as insinuações sobre “herdades
no Alentejo” para embaraçar Cristas não são dignas dele. O que o nosso Costa
aparentemente não percebeu é que ninguém no seu são juízo irá entregar o país a
Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa ou Assunção Cristas. Bastava-lhe
estar quieto. Mexeu-se, estragou.
23 de Setembro Era bem feito que o planeta explodisse e atirasse com
a menina Greta para Saturno a ver se ela
aprendia a não faltar à escola.
24 de Setembro: António Costa disse na televisão que as coisas que
mais o irritavam eram a estupidez e a mentira. Concordo inteiramente com ele. O
meu avô costumava avisar: “O pior na vida não são os maus, são os estúpidos.”
25 de Setembro: Marcelo
Rebelo de Sousa jurou em Nova Iorque, citando Nixon, “I’m not a
crook”. Já sabíamos.
25 de Setembro à noite: Sessão
ululante em Westminster. Boris Johnson, muito insultado, apresenta-se como
mandatário da vontade do povo tal como foi expressa no referendo de 2016; a
Câmara dos Comuns não reconhece nenhuma soberania superior à sua. É uma
conversa de surdos, agravada pela
intromissão do poder judicial em assuntos intrinsecamente políticos,
e pelo facto de o Partido Trabalhista recusar eleições, com medo de as perder.
Os
partidários da União Europeia conseguem impedir o “Brexit” de se consumar, mas,
fora isso, não sabem o que querem. Johnson não consegue o “Brexit”, e não tem
maioria para governar, nem a pode pedir em novas eleições. E hoje nem sequer
está seguro do seu próprio partido. Tudo continua encrencado.
26 de Setembro: Os nossos directores de consciência andam sempre a
proclamar que detestam a judicialização da política, mas, quando aparece uma
pequena oportunidade, agarram-se de unhas e dentes ao que antigamente os
jornais do Estado Novo intitulavam, com todo o pudor, “Casos Crapulosos”. Não
me interesso nada pela história de polícias e ladrões em que se
tornou o roubo de Tancos. É, simplesmente, a história de um advogado
de província, que António Costa nomeou ministro da Defesa. Deu para o torto,
como devia dar. Só que, pelo caminho, levantou um problema grave: as relações
entre o poder militar e o poder civil. Ficámos a saber que o dr. Azeredo Lopes
desmaia perante uma farda. Isto, em si mesmo, já é péssimo, principalmente
porque sugere uma pergunta fatal: quem mais desmaia ou desmaiou perante uma
farda nos dias que vão correndo?
26 de Setembro à noite:
Como é que o primeiro-ministro não sabia
de nada, pergunta o jornalismo sobressaltado. Muito simples: ninguém vai
confessar ao patrão que é um idiota, sobretudo quando se arrisca a ser pública
e vergonhosamente despedido.
27 de Setembro: Para minha
surpresa, a esquerda correu em socorro da menina Greta que passou a ser a
vítima dos “negacionistas”. Concordo, entendendo por “negacionistas” os que se
negam usar uma adolescente para os seus propósitos.
II - A questão da maioria absoluta /premium
Uma eventual maioria absoluta de António
Costa colocaria todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que
sempre soube fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou outra geringonça.
RUI RAMOS OBSERVADOR, 27 sep 2019
Da
direita à esquerda, os adversários de António Costa fizeram da maioria absoluta
o assunto destas eleições. A
bem dizer, não há outro: ninguém espera alternância no governo, nem, mesmo que
essa alternância fosse provável, grandes variações de políticas. Resta, para
tentar excitar o eleitorado, a hipotética maioria absoluta de Costa. À
esquerda, dizem que levará o PS, livre da actual geringonça, a uma orgia
direitista; à direita, que arrastará o PS, sobretudo se ampliada por uma
maioria de dois terços com comunistas e neo-comunistas, para um novo PREC.
Compreendo que tenham de dizer isso. Infelizmente, a perspectiva de uma maioria
absoluta de António Costa não me comove. Antes de atirarem as pedras,
deixem-me explicar. O PS consiste, há muito anos, num simples projecto de
poder, assente no domínio do Estado como meio de controlar a sociedade. O
governo de José Sócrates, de onde são oriundos os actuais ministros, foi apenas
a confirmação dessa tendência, e não uma anomalia. O poder socialista pode
parecer de esquerda, porque é estatizante, ou de direita, porque fará o que for
preciso para manter o financiamento externo de que o Estado depende. Mas não é
uma coisa nem outra. Por isso, com ou sem maioria absoluta, o PS não fará
nenhum PREC nem nenhumas reformas liberais. Será e fará apenas o que for
preciso para se conservar no poder.
Dir-me-ão:
mas com uma maioria absoluta, os ex-amigos de Sócrates terão ainda mais domínio
sobre o Estado. Por amor de Deus: o PS já é o nosso partido-Estado, o nosso
MPLA, e não precisou para isso de maiorias absolutas, que só teve entre 2005 e
2009. O poder do PS não vem daí, mas de não haver outras alternativas, o que o
deixa na charneira do regime, como “partido natural de governo”. A razão da
ascendência do PS é o vazio à sua esquerda, desde o colapso do comunismo em
1989, e a confusão à sua direita, desde o fim do “cavaquismo” em 1995. Todos
os partidos tenderam, para sobreviver, a apostar em acordos com o PS: foi o que
fizeram o BE e o PCP, e é o que tenta fazer Rui Rio. Talvez António Costa
aspire à maioria absoluta, para se glorificar e apagar a memória da derrota de
2015. Mas não lhe dará muito mais poder do que o que os seus adversários
estão dispostos a reconhecer-lhe em troca de alguns sobejos da mesa do Estado.
Não
quero exagerar o argumento, mas uma eventual maioria absoluta de António
Costa até poderia ter vantagens para o regime. Em primeiro lugar, colocaria
todas as responsabilidades da governação no PS, um partido que sempre soube
fugir delas. Não poderia desculpar-se com esta ou com qualquer outra
geringonça. Em segundo lugar, talvez forçasse os outros partidos a enfrentar a
perspectiva de uma vida sem acordos com o PS, e a tentar descobrir a
possibilidade de novas políticas e de novos protagonistas. Quanto ao
mais, já sabemos como uma maioria absoluta, no regime da constituição revista
de 1982, não deixa os governos sozinhos. Há sempre o Presidente da República,
que tende até, nessas circunstâncias, a emergir ainda mais como contrapeso ao
governo, com maior compreensão do país e particularmente das oposições. Ou
seja, e paradoxalmente, talvez Costa estivesse menos à vontade com uma maioria
absoluta.
Por outro lado, sou capaz de imaginar
horizontes um pouco mais inquietantes: por exemplo, acordos de Costa com um BE
que já só tem causas fracturantes para se distinguir, ou com um Rui Rio sempre
assanhado contra a independência do poder judicial e ansioso por esquartejar o
Estado para arranjar outra Madeira no continente. Parece-me pior do que uma
bancada do PS com mais de 115 deputados.
COMENTÁRIO:
Jose Neto: É também o que penso. Mesmo sem maioria absoluta, este PS já mostrou como
fazer para levar sempre a água ao seu moinho - quando a esquerda não quer,
fala-se com a direita. Para cada assunto, há-de-se arranjar uma maioria
parlamentar à medida. Vimos isso recentemente com a legislação laboral. Se
António Costa estiver interessado em submeter um pouco mais o poder judicial ao
político, pode contar com Rui Rio. Para silenciar a imprensa quando esta obtém
informações sobre assuntos que se encontram em segredo de justiça, idem. Para
garantir a "paz social", sem muitas greves e sem muitas
manifestações, é-lhe imprescindível a cumplicidade do PCP, que deixará de estar
garantida no dia em que a geringonça for desmontada. Também a gritaria em que o
BE é especialista pode voltar nesse dia... Onde discordo um pouco do Rui Ramos é no papel
desculpabilizador que a geringonça teria para Costa, porque ele sabe usar
estratégias melhores. Num dos casos mais graves que ocorreram nesta
legislatura, o dos incêndios com mais de 100 mortos, o governo reagiu
retirando-se da cena e controlando a informação, mas não partilhou
responsabilidades com os parceiros. No caso dos professores, reagiu
teatralmente, mas desresponsabilizou o PCP e o BE, reconhecendo-lhes coerência.
Nos muitos casos
de corrupção e compadrio, Costa reage afastando-se, como se o assunto não lhe
dissesse respeito (e quase não tem oposição...). Portanto, sim, talvez a maioria
absoluta não seja importante para este PS e talvez até não seja desejável. Grande
diferença não fará. Garantido parece estar o único grande objectivo de Costa,
que é o de continuar a mandar nisto. A não ser que Tancos ainda nos traga
alguma surpresa bombástica... Mas o Pai Natal só chega lá para Dezembro.
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