Para acompanharmos tant bien que mal a evolução dos futuros “desafios” políticos da
União Europeia. Ainda bem que existe uma Teresa de Sousa responsável pela nossa ilustração, favorecendo-nos
com os seus esclarecimentos, neste caso a respeito da nova etapa dos pelouros
em que se movem os próximos construtores dessa União. Um nome, pelo menos, fixaremos:
o de Elisa Ferreira, responsável
«pelos fundos de coesão, reformas
estruturais e pela implementação do futuro instrumento orçamental para a zona
euro», à qual, para já, se tecem loas e se deseja êxito.
Continuidade
ou mudança?
Portugal é um claro vencedor da nova
distribuição dos pelouros, colhendo os frutos da credibilidade que o Governo
conquistou em Bruxelas e da qualidade inquestionável da sua comissária.
PÚBLICO, 11 de Setembro de 2019
1. A
Comissão Von der Leyen não é, longe disso, o decalque da Comissão Juncker, que
chega ao fim do seu mandato a 31 de Outubro. Há uma nova distribuição de
pelouros e uma escolha diferente das grandes áreas que devem ser a força motriz
da acção do novo colégio de comissários.
Há pelouros que deixam de ser autónomos, diluindo-se por diferentes
comissários — é o caso da Inovação e
Ciência, da
responsabilidade de Carlos Moedas, sem que se perceba bem porquê. E há,
naturalmente, a preocupação de não ferir susceptibilidades nacionais e de
levar em conta os tradicionais equilíbrios entre Norte e Sul, Leste e Oeste,
“grandes” e “pequenos” e as diferentes famílias políticas. Com 26 países
(menos o Reino Unido) para contentar na distribuição dos pelouros, o puzzle
construído pela antiga ministra da Defesa de Angela Merkel nem sempre é de
compreensão imediata. A prática demonstrará se esta nova Comissão, que
agora vai ter de passar o teste do Parlamento Europeu, terá condições para
criar algum dinamismo numa Europa ainda a curar as feridas profundas da crise.
Apenas uma coisa é certa: muito dependerá da forma como o seu presidente — pela
primeira vez, a sua presidente — vier a exercer o cargo, numa altura em que
o poder de liderança politica da União está cada vez mais concentrado no
Conselho Europeu, nem sempre pelas melhores razões.
2. Para
além do alto-representante para a Politica Externa e de Segurança da União,
o espanhol Josep Borrel, duas das vice-presidências, justamente as mais
importantes, estavam já pré-determinadas pelo entendimento que levou à escolha
de Von der Leyen, num Conselho Europeu particularmente agitado em finais do mês
de Junho. O holandês Frans Timmermans e a dinamarquesa Margrethe Vestager,
um socialista e uma liberal, ficariam sempre com as duas principais
vice-presidências. Haverá, portanto, no topo da Comissão uma espécie de
“grande coligação” dos três principais grupos políticos — uma medida
avisada para facilitar consensos num Parlamento Europeu bem mais fragmentado do
que o anterior. A grande
novidade, que quebra as regras não escritas de Bruxelas, está em que Vestager,
a prestigiadíssima comissária da Concorrência da Comissão Juncker, mantém a
mesma pasta. “A atormentadora-chefe de Silicon Valley está de regresso”,
escrevia ontem o site Politico.eu, lembrando uma das facetas mais
importantes do exercício das suas funções: as multas pesadas que aplicou às
gigantes tecnológicas americanas por desvirtuarem as regras de concorrência ou
abusarem da sua posição monopolista nos mercados. A sua escolha pode
também “atormentar” algumas capitais europeias, em especial Paris e Berlim, que
tiveram de engolir o seu veto à fusão da Alstom e da Siemens para criar um
“gigante europeu” da construção de comboios. As duas capitais
argumentaram que a Europa precisa dos seus próprios “campeões” para enfrentar
os gigantes americanos e chineses. A comissária não se mostrou sensível,
lembrando que a inovação e a competitividade vêm mais depressa das pequenas e
médias empresas inovadoras do que dos “campeões europeus”. Será, sem sombra de
dúvida, uma das estrelas da próxima Comissão.
3. Duas
perplexidades. A primeira: para que servem as restantes cinco
vice-presidências que Von der Leyen distribuíu aos países da Europa de Leste
mas cujos pelouros não são particularmente relevantes. A única resposta
possível é que constituem um incentivo adicional ao bom comportamento de
alguns destes países, depois de um período de relações conflituosas com
Bruxelas por manifesto incumprimento das regras do Estado de direito, que a
nova Comissão não pode pura e simplesmente ignorar. A mesma razão pode
justificar a decisão de entregar à comissária checa, Vera Jourová, precisamente
o novo pelouro da Democracia. A segunda perplexidade: para quê um pelouro com o nome no mínimo
controverso de European Way of Life? Foi entregue à Grécia. Inclui a
política de imigração, um dos dossiers mais difíceis que a Europa tem
em mãos e aquele que mais tem servido de bandeira aos populismos e
nacionalismos um pouco por toda a parte. Seria um erro deixar que prevalecesse
qualquer ideia excludente de “superioridade” do modo de vida europeu.
4. Há
outras escolhas que revelam uma aposta política forte da nova presidente. O
comissário irlandês ficará com outra das pastas que são da competência
exclusiva da União: o Comércio Internacional. A ironia está em que será ele a
negociar um futuro acordo de comércio livre com o Reino Unido, se e quando vier
a sair da União Europeia. Talvez tenha sido uma forma de dizer
a Londres que os seus 27 parceiros não deixarão cair a Irlanda a troco de um
acordo de saída que não respeite a questão fundamental da fronteira irlandesa. Com o antigo primeiro-ministro italiano Paolo
Gentiloni responsável pela pasta da Economia, incluindo o “policiamento” do
Pacto de Estabilidade e Crescimento, fica também a ideia de que chegou o tempo
de fazer uso de uma maior flexibilidade na interpretação das suas regras para
contrariar uma eventual recessão.
5. Finalmente,
Portugal é outro dos claros ganhadores da nova distribuição dos pelouros,
colhendo os frutos da credibilidade que o Governo conquistou em Bruxelas e da
qualidade inquestionável da sua comissária. Elisa
Ferreira fica com
muito mais do que os fundos estruturais. Von der Leyen acrescentou ao seu
pelouro a responsabilidade pela gestão do novo orçamento próprio da zona euro,
que foi uma das principais apostas do Governo português para a reforma da união
monetária, e ainda a gestão de um novo instrumento financeiro, o chamado Fundo
Justo de Transição, cujo objectivo é ajudar as regiões mais desguarnecidas à
transição verde e digital.
Portugal
já teve um comissário que figurou entre os dois ou três mais competentes e mais
influentes da Comissão — António Vitorino.
Um português liderou a Comissão durante dois mandatos, com demasiadas críticas
ao seu desempenho para ter beneficiado a imagem do país. Desta vez, o
objectivo de António Costa
era juntar prestígio europeu e interesse nacional. A pasta cumpre o seu
objectivo. Com uma vantagem: a influência dos comissários mede-se bastante mais
pelo seu valor pessoal do que pelo pelouro atribuído. Elisa Ferreira tem quase
tudo a seu favor.
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