terça-feira, 10 de setembro de 2019

Espertos que nem um alho



Como desconheço a capacidade intelectual dos alhos, mas quis mostrar que podia usar o título deste meu texto com toda a propriedade assertiva, fui ao meu posto preferido de informação, a Internet, procurar a razão da expressão e, para “fino que nem um alho” encontrei a referência a um tal mercador portuense, “Afonso Martins Alho, que foi responsável pelo tratado de 1353, no reinado de D. Afonso IV, entre a Inglaterra e Portugal e que, pela sua sagacidade, o povo eternizou. Segundo escreve José Pedro de Lima-Reis no livro "Algumas notas para a história da alimentação em Portugal" (Campo das Letras), Afonso Martins Alho, que tem o nome inscrito numa das ruas da cidade do Porto (link), partiu para Inglaterra, como único emissário dos mercadores portugueses, para negociar com Eduardo III um acordo de trocas, que poderá ser considerado o primeiro tratado comercial firmado entre Portugal e Inglaterra. Uma das trocas que resultou desse entendimento terá sido referente à importação de bacalhau contra o envio de vinho verde, expedido de Viana do Castelo.”
O certo é que a expressão ficou e o gosto do bacalhau também, mas posteriormente extraído dos bancos da Terra Nova, quando as necessidades alimentares e o espírito empreendedor nos forçaram a partir para outras descobertas corajosas.
Continuamos, pois, finos que nem o Alho, agora mais por inércia, procurando quem nos satisfaça a ambição e a fome, sem tanto esforço, está visto. Paulo Rangel esclarece, desta vez com a referência a uma pasta para uma tal Comissão Europeia favorecedora da nossa continuidade sorvedora de benefícios justificativos dessa tal nossa inércia, cada vez mais aparatosa. Penosa, para alguns, por desonrosa.
OPINIÃO
Que “tipo” de pelouro na Comissão pode interessar a Portugal?
A ideia apregoada por António Costa de que ao comissário português deve ser atribuída uma pasta que seja determinante para Portugal é errada.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 10 de Setembro de 2019

1 - A distribuição das pastas pelos 26 comissários é hoje anunciada pela Presidente da Comissão Europeia. No momento em que lê estas linhas, já deve conhecer essa distribuição; no momento em que as escrevo, correm apenas boatos e listas de distribuição prováveis.
2 - A ideia, apregoada por António Costa, de que ao comissário português deve ser e será atribuída uma pasta que seja determinante para Portugal é errada. Por um lado, por uma razão institucional. Os comissários não representam nem podem representar o país de que são provenientes; representam o interesse europeu, o interesse geral e só a esse podem estar vinculados. Por outro lado, e não menos importante, por uma razão política. Se o comissário de uma certa nacionalidade tem a seu cargo uma pasta em que o seu país tem um interesse directo, as suas capacidades de actuação e margem de manobra ficam largamente afectadas. Enquanto comissário responsável, ele terá de arbitrar, de conciliar, de promover consensos; estará demasiado exposto para poder promover alguma “agenda” nacional. 
3 - Tomemos um exemplo, por sinal, o mais significativo. Há já vários meses, o Primeiro-Ministro sinalizou que uma das pastas preferidas por Portugal seria a pasta dos “fundos estruturais (actualmente, denominada “política regional”). Portugal é um receptor histórico de fundos europeus, tem aqui um interesse directo e forte e, por isso, o pelouro dos “fundos” seria prioritário e estratégico. A meu ver, e já o disse publicamente várias vezes, trata-se de uma perspectiva basicamente errada.
Na verdade, o comissário que seja responsável pelos fundos estruturais terá de adoptar uma posição neutral, basicamente de arbitragem e negociação. Não poderá puxar pela agenda do seu país de origem; bem ao contrário. Dado que, em matéria de fundos europeus, temos um largo e complexo caderno reivindicativo, não se vislumbra nem vê qual possa ser a vantagem de Portugal ser posto no lugar de quem tem de arbitrar, de fazer concessões, de dar o exemplo, de esconjurar todas as leituras de um favorecimento ou de um conflito de interesses. Creio que será muito melhor ficarmos de fora, na posição de quem faz valer a sua visão alternativa e apresenta as exigências correspondentes.
4.- Acresce que, neste momento, já existe uma proposta da Comissão para as perspectivas financeiras; proposta que, como se sabe, em matéria de fundos, é francamente negativa para Portugal (mas não para a Itália ou a Espanha). Se a nova comissária portuguesa ficar com este pelouro, terá de defender a proposta da Comissão? E mesmo que haja algumas mudanças nesta proposta, se ela ainda for muito prejudicial a Portugal, que dirá o Governo português de uma proposta que tem o rosto da comissária portuguesa? Fazer estas perguntas é suficiente para perceber como “receber” uma pasta em que temos um interesse forte e imediato pode afinal revelar-se um presente envenenado.
5.- Diga-se ainda que a relevância deste pelouro de fundos estruturais – se isoladamente considerado – é menor do que parece. O verdadeiro poder em jogo é o de definir os montantes globais, estabelecer os diferentes pacotes em função das matérias e determinar a distribuição por países. Ou seja, o poder reside na definição das perspectivas financeiras a 7 anos. Esse poder não cabe ao comissário que tem este encargo. Cabe, em sede de proposta, à Comissão como um todo, com grande destaque para o seu Presidente e o comissário do orçamento. E cabe, isso sim, essencialmente, ao Conselho Europeu e, em muito menor medida, ao Parlamento Europeu.
O responsável pela pasta dos fundos aparece essencialmente como o administrador e executante do quadro estratégico previamente definido. Ele terá decerto um papel relevante, mas será sempre depois das grandes decisões. É, por isso, ilusório o poder de fogo e de magia do “comissário dos fundos europeus”. A ideia de que Portugal deterá o pelouro dos fundos passa uma mensagem fácil e atractiva, muito adequada a grandes doses de demagogia e propaganda. Mas, em rigor, e como acaba de ver-se, trata-se de um poder bem menos apelativo e interessante do que pode supor-se e, no caso português, por causa do nosso envolvimento directo, eventualmente problemático e contraproducente.
6.- Claro que tudo depende de saber como é concretamente definida a paleta de competências e responsabilidades que são assacados ao comissário luso. Importa sublinhar que a relevância de um pelouro não está, nem de perto nem de longe, ligada às matérias que suscitam maior empenhamento nacional. Dou sempre o exemplo de António Vitorino, que foi comissário da justiça e assuntos internos. Era, sem dúvida uma pasta importante, mas que nada tinha que ver com os tais interesses especificamente portugueses. E, no entanto, o comissário português foi relevantíssimo, com enorme capacidade de influência.
Pela importância da pasta, mas muito pela sua competência e pelo seu desempenho. Com esse capital e com esse prestígio, então sim, tinha uma grande capacidade de sensibilizar os colegas comissários, em cada um dos seus pelouros, para a perspectiva portuguesa, para os interesses específicos de Portugal. Eis como se demonstra que esta propaganda de que temos de ter uma pasta determinante para Portugal não passa de ilusão e demagogia. Decisivo é ter um pelouro relevante e exercê-lo de tal maneira que se ganhe “ascendente” e “influência” sobre os pares.
7.- É, por tudo isto, que sempre defendi que a nova comissária – capaz, experiente e com rede europeia – terá tudo a ganhar em ter um pelouro forte em que possa actuar com toda a liberdade. E, olhando também para o seu trajecto, não vejo melhor que uma pasta ambiental ou climática, que é um tópico absolutamente prioritário na agenda europeia e global. Com um grande desempenho numa área desse tipo, pode fazer mais pela Europa (e, claro, indirectamente por Portugal) do que com uma pasta “provincianamente” bem vista no jardim à beira mar plantado.
SIM. Ursula von der Leyen. O cumprimento do compromisso da paridade e o número recorde de mulheres na Comissão Europeia representam um enorme avanço e um começo auspicioso para a Presidente.
NÃO. Segurança rodoviária. Outra vez: a notícia de que dispararam as mortes por acidente nos 30 dias seguintes à ocorrência mostra bem como o Governo tem negligenciado a segurança na estrada.
Colunista


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