O texto de Rui Ramos, complementado por
alguns comentários precisos, mostra bem a apatia que “não” aflige um povo de
deixar correr, e assim, uso apenas, ainda como complemento, e com o êxtase causado
pelos eflúvios envolventes do cigarro que virtuosamente não fumo, uma das três quadras com que o meu pai
ganhou um rádio branco de primeiro prémio, nos tempos recuados da minha adolescência,
na Lourenço Marques de “feitiço”:
Resume-se
a vida assim
Para
quem tem gosto e critério:
Deixar
correr o marfim
Fumar
cigarros Império.
Fumemos, pois.
O país onde a política morreu/premium
OBSERVADOR, 17/9/2019
As
más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram
oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda em Portugal. Há
apenas governo e oposição.
Temos
tido um Verão politicamente curioso. Mesmo quando parecia termos já visto tudo,
houve sempre mais alguma coisa para ver. Tivemos o “diabo” de António Costa e
depois as 35 horas de Assunção Cristas, para não falar do sindicalismo da
direita e do ordeirismo da esquerda durante a greve dos camionistas.
Talvez
haja quem pense que tudo está trocado, como as estações do ano. Mas neste caso,
não é o aquecimento global: é apenas o arrefecimento de uma sociedade onde a
política, por falta de sustentabilidade, vai morrendo.
Antes
de mais, convém notar que a discórdia continua, e até mais azeda do que
nunca. Mas passou a corresponder a meras posições circunstanciais. O que
de facto existe politicamente em Portugal neste momento são só duas modalidades
de ser: governo e oposição. Quem está no governo – direita ou esquerda
–, faz cativações, aumenta impostos, resiste a reivindicações e é céptico em
relação ao TGV; e quem está na oposição – esquerda ou direita –,
preocupa-se com os serviços públicos, quer baixar impostos, adere a todos os
protestos e namora a alta velocidade.
As
más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram
oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda. Direita e esquerda
existem ideologicamente em Portugal, mas deixaram de ser relevantes
politicamente.
Dir-me-ão:
mas foi sempre assim. Acontece que não foi. A política nas democracias
ocidentais não favorece viragens cortantes, porque é pluralista,
representativa, segue procedimentos e está sujeita a alternância. Nunca,
portanto, um projecto político pôde aspirar às rupturas bruscas e unilaterais
que só podem ser decretados por ditaduras mais ou menos homogéneas
doutrinariamente. Tudo tem de ser negociado e está limitado pelos protocolos
legais e institucionais. Em democracia, só pode haver “revoluções”
metaforicamente.
Mas
isso nunca quis dizer que as democracias da Europa ocidental não tivessem
escolha. Basta pensar no contraste entre a política de nacionalizações dos anos
1940-50, e a política de privatizações dos anos 1980-90. No actual regime, Portugal passou do socialismo da
constituição de 1976 para os mercados abertos da constituição revista de 1989.
Ora, foi essa margem de manobra, para discutir e optar entre modelos de
sociedade, que se perdeu. Somos hoje uma sociedade envelhecida e endividada,
onde só os preços das casas se aproximam da Europa. Não são possíveis
grandes opções, como se viu nas transições políticas de 2011 ou de 2015: para
garantir o financiamento do Estado perante as instituições internacionais, a
direita teve de aumentar impostos em 2012 e a esquerda teve de fazer cativações
em 2016.
A
política dos princípios é um luxo que deixámos de nos poder permitir. Mas o fim
da política onde a governação era inspirada por ideias diferentes sobre a
sociedade não quer dizer o fim das divisões. Pelo contrário. Como temos visto nos debates deste
Verãos, nunca os líderes dos partidos em Portugal fizeram tanta questão de se
“diferenciar”. Da mesma maneira, no mundo que rodeia a política, a
exasperação e a crispação aumentaram. Ao desligar-se de qualquer projecto
governativo, que sempre impõe limites e responsabilidades, a ideologia
começou a existir sob a forma de purismo e de paranoia. Nos países onde a
política morre, a selvajaria renasce, mesmo que apenas virtualmente.
Quanto
mais condicionados, mais agressivos precisamos de nos tornar, para gerar o
simulacro das diferenças que deram tradicionalmente sentido à política. É um
sinal do fim, não do princípio.
COMENTÁRIOS
André Silva: "Somos
hoje uma sociedade envelhecida e endividada, onde só os preços das casas se
aproximam da Europa." Eu acrescentaria a energia eléctrica e a gasolina,
onde vendo os preços parece que estamos na Suíça.
Adelino Lopes: Concordo que em Portugal, a esquerda progressista tente acabar com a
política (redução da democracia). Mas a direita continua, pelo menos nos tais
países europeus (ex-leste) que já nos passaram no Pib Per Capita. E por cá,
sempre existirá quem defenda que a parte privada da economia terá que aumentar
consideravelmente para que Portugal suba nos rankings. Estes políticos de
direita perderam e vão continuar a perder? Eu diria que é Portugal quem tem
perdido.
Mário Francisco: Discordo
totalmente. O Rui parte da mera constatação
da actual e esporádica conjuntura partidária para extrapolações gerais sem
substracto. O facto de entre os actuais líderes da oposição e governo não
existirem vincadas diferenças práxi-ideológicas nessas matérias, nada nos diz
ou significa de estrutural. Não é de todo o caso que o pensamento político
divergente esteja irremediavelmente impossibilitado de se efectivar
divergentemente por força dos elementos externos que refere. Finanças, economia
e demografia são, aliás, elementos, se não ideológicos, altamente
ideológizáveis, e aos seus desafíos é possível responder de formas
completamente divergentes em função da aproximação ideológica. Como, de resto,
recentemente, aconteceu, e estou certo acontecerá de novo em Portugal assim que
a conjectura nas lideranças partidárias mude. De igual forma, o fanatismo
extremista e agressivo que hoje por todo o lado pulula, está longe de ser uma
nova e exclusiva forma de diferenciação
ideológica, substitutiva das tradicionais, ora impossibilitadas por elementos
externos. Nada disso. O fanatismo extremista e agressivo é uma histórica marca
de água do marxismo e jacobinismo revolucionários, e a sua proeminência actual
é tão só sintoma do crescimento e sufoco daquelas ideologias radicais. Note que
até em Portugal pudemos assistir ao apelo de um imigrante marxista preto à
violência de rua, como arma de efectivação da utilização ideológica da carta
racial.
José Martins: A verdade verdadinha é que a antiga direita
salazarista, está no actual sistema, sente-se bem neste sistema, na companhia
dos partidos do sistema os quais vai controlando.
Aliás a ideologia
dominante do SISTEMA vigente, é a ideologia anti-liberal dos herdeiros de
salazar/cunhal. Não foi por acaso que Sócrates juntou, nas suas
negociatas, ex- cunhalistas como o Mário Lino e ex- salazaristas, como o
Ricardo Salgado.
Em Portugal, qualquer movimento anti-SISTEMA passa
pela afirmação de políticas liberais. EM PORTUGAL A DICOTOMIA ESQUERDA/DIREITA
É APENAS UM EXPEDIENTE PARA “MANTER O SISTEMA”. O Passos Coelho, apesar de ter
tomado algumas iniciativas liberais e de ter tomado muitas medidas correctas
enquanto governante, não soube, quando saiu do governo, construir uma
estratégia racional, sólida, coerente e sistemática de oposição. Ficou-se pelo
discurso limitado do regresso do DIABO que, com o andar dos tempos, passou a
ser cada vez mais motivo de chacota do CENTENO/COSTA. Foi aliás, quando se
tornou ridículo, aos olhos de todos, o discurso do DIABO que o Passos teve que
abandonar a liderança do partido. Assim como o COSTA esgotou o seu reportório
programático de governo com as “REVERSÕES” e, concomitantemente, esgotou a
solução governativa “GERINGONÇA”, também o Passos esgotou o “seu” programa com
a concretização do programa da TROICA.
COSTA pretende continuar a gerir o “sistema” e é por
isso que a “oligarquia” mobilizou a Comunicação Social, de que é dona, para o
apoiar. Do que temos esperança é que Rui RIO faça as reformas necessárias para
uma maior LIBERALIZAÇÃO da economia.
chints CHINTS: A política está
profundamente manchada de crimes. De momento, o único político digno de
respeito, é Rui Rio. Mas o pântano da capital vai afoga-lo, se ele lá chegar.
Trabalho de afogamento activamente feito pela extraordinária e
comprometidissima CS. Também ela profundamente manchada. A política séria
só existe em Rui Rio. Os outros são nem sei o quê. Espero que Rui Rio se
consiga demarcar do grupo Balsemão - Ferreira Leite, os tais que declaram o PSD
de esquerda, os tais muito comprometidos com esquemas lisboetas.
josé Maria:
Rui Ramos tenta iludir o resultado desastroso que a direita,
conservadora ou liberal, vai sofrer em 6/10...
Joaquim Moreira: Meu caro Rui Ramos, o que poderá ter morrido no país
não terá sido a política, como diz. Mas, a seriedade na política, poderá ser,
se este discurso continuar a prevalecer. Pessoalmente, lamento e muito, que uma
pessoa que me habituei a respeitar, insista neste discurso que não ajuda nada a
alguma coisa mudar. Já concordei muito com as suas crónicas, no tempo de Pedro
Passos Coelho. Que também era um político sério, apesar de ter sido colado ao
aparelho. Agora, desde que entregou a liderança a Rui Rio, muito raras vezes
estou de acordo, e não é só por uma questão de brio. É sobretudo por uma
questão de respeito, pela política de seriedade e de rigor que Portugal precisa
de fazer, e que ainda não foi feito. E, por ser muito fácil de ver que para a
fazer já cá temos o sujeito.
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