quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Mas cuidado com as beatas



O texto de Rui Ramos, complementado por alguns comentários precisos, mostra bem a apatia que “não” aflige um povo de deixar correr, e assim, uso apenas, ainda como complemento, e com o êxtase causado pelos eflúvios envolventes do cigarro que virtuosamente não fumo, uma das três quadras com que o meu pai ganhou um rádio branco de primeiro prémio, nos tempos recuados da minha adolescência, na Lourenço Marques de “feitiço”:
Resume-se a vida assim
Para quem tem gosto e critério:
Deixar correr o marfim
Fumar cigarros Império.
Fumemos, pois.

O país onde a política morreu/premium
OBSERVADOR, 17/9/2019
As más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda em Portugal. Há apenas governo e oposição.
Temos tido um Verão politicamente curioso. Mesmo quando parecia termos já visto tudo, houve sempre mais alguma coisa para ver. Tivemos o “diabo” de António Costa e depois as 35 horas de Assunção Cristas, para não falar do sindicalismo da direita e do ordeirismo da esquerda durante a greve dos camionistas.
Talvez haja quem pense que tudo está trocado, como as estações do ano. Mas neste caso, não é o aquecimento global: é apenas o arrefecimento de uma sociedade onde a política, por falta de sustentabilidade, vai morrendo.
Antes de mais, convém notar que a discórdia continua, e até mais azeda do que nunca. Mas passou a corresponder a meras posições circunstanciais. O que de facto existe politicamente em Portugal neste momento são só duas modalidades de ser: governo e oposição. Quem está no governo – direita ou esquerda –, faz cativações, aumenta impostos, resiste a reivindicações e é céptico em relação ao TGV; e quem está na oposição – esquerda ou direita –, preocupa-se com os serviços públicos, quer baixar impostos, adere a todos os protestos e namora a alta velocidade.
As más finanças, a estagnação económica e o envelhecimento demográfico tiraram oxigénio a tudo o que relacionávamos com direita e esquerda. Direita e esquerda existem ideologicamente em Portugal, mas deixaram de ser relevantes politicamente.
Dir-me-ão: mas foi sempre assim. Acontece que não foi. A política nas democracias ocidentais não favorece viragens cortantes, porque é pluralista, representativa, segue procedimentos e está sujeita a alternância. Nunca, portanto, um projecto político pôde aspirar às rupturas bruscas e unilaterais que só podem ser decretados por ditaduras mais ou menos homogéneas doutrinariamente. Tudo tem de ser negociado e está limitado pelos protocolos legais e institucionais. Em democracia, só pode haver “revoluções” metaforicamente.
Mas isso nunca quis dizer que as democracias da Europa ocidental não tivessem escolha. Basta pensar no contraste entre a política de nacionalizações dos anos 1940-50, e a política de privatizações dos anos 1980-90. No actual regime, Portugal passou do socialismo da constituição de 1976 para os mercados abertos da constituição revista de 1989. Ora, foi essa margem de manobra, para discutir e optar entre modelos de sociedade, que se perdeu. Somos hoje uma sociedade envelhecida e endividada, onde só os preços das casas se aproximam da Europa. Não são possíveis grandes opções, como se viu nas transições políticas de 2011 ou de 2015: para garantir o financiamento do Estado perante as instituições internacionais, a direita teve de aumentar impostos em 2012 e a esquerda teve de fazer cativações em 2016.
A política dos princípios é um luxo que deixámos de nos poder permitir. Mas o fim da política onde a governação era inspirada por ideias diferentes sobre a sociedade não quer dizer o fim das divisões. Pelo contrário. Como temos visto nos debates deste Verãos, nunca os líderes dos partidos em Portugal fizeram tanta questão de se “diferenciar”. Da mesma maneira, no mundo que rodeia a política, a exasperação e a crispação aumentaram. Ao desligar-se de qualquer projecto governativo, que sempre impõe limites e responsabilidades, a ideologia começou a existir sob a forma de purismo e de paranoia. Nos países onde a política morre, a selvajaria renasce, mesmo que apenas virtualmente.
Quanto mais condicionados, mais agressivos precisamos de nos tornar, para gerar o simulacro das diferenças que deram tradicionalmente sentido à política. É um sinal do fim, não do princípio.
COMENTÁRIOS
André Silva: "Somos hoje uma sociedade envelhecida e endividada, onde só os preços das casas se aproximam da Europa." Eu acrescentaria a energia eléctrica e a gasolina, onde vendo os preços parece que estamos na Suíça.
Adelino Lopes: Concordo que em Portugal, a esquerda progressista tente acabar com a política (redução da democracia). Mas a direita continua, pelo menos nos tais países europeus (ex-leste) que já nos passaram no Pib Per Capita. E por cá, sempre existirá quem defenda que a parte privada da economia terá que aumentar consideravelmente para que Portugal suba nos rankings. Estes políticos de direita perderam e vão continuar a perder? Eu diria que é Portugal quem tem perdido.
Mário Francisco: Discordo totalmente.  O Rui parte da mera constatação da actual e esporádica conjuntura partidária para extrapolações gerais sem substracto. O facto de entre os actuais líderes da oposição e governo não existirem vincadas diferenças práxi-ideológicas nessas matérias, nada nos diz ou significa de estrutural. Não é de todo o caso que o pensamento político divergente esteja irremediavelmente impossibilitado de se efectivar divergentemente por força dos elementos externos que refere. Finanças, economia e demografia são, aliás, elementos, se não ideológicos, altamente ideológizáveis, e aos seus desafíos é possível responder de formas completamente divergentes em função da aproximação ideológica. Como, de resto, recentemente, aconteceu, e estou certo acontecerá de novo em Portugal assim que a conjectura nas lideranças partidárias mude. De igual forma, o fanatismo extremista e agressivo que hoje por todo o lado pulula, está longe de ser uma nova e exclusiva forma  de diferenciação ideológica, substitutiva das tradicionais, ora impossibilitadas por elementos externos. Nada disso. O fanatismo extremista e agressivo é uma histórica marca de água do marxismo e jacobinismo revolucionários, e a sua proeminência actual é tão só sintoma do crescimento e sufoco daquelas ideologias radicais. Note que até em Portugal pudemos assistir ao apelo de um imigrante marxista preto à violência de rua, como arma de efectivação da utilização ideológica da carta racial.
José Martins: A verdade verdadinha é que a antiga direita salazarista, está no actual sistema, sente-se bem neste sistema, na companhia dos partidos do sistema os quais vai controlando. Aliás a ideologia dominante do SISTEMA vigente, é a ideologia anti-liberal dos herdeiros de salazar/cunhal. Não foi por acaso que Sócrates juntou, nas suas negociatas, ex- cunhalistas como o Mário Lino e ex- salazaristas, como o Ricardo Salgado.
Em Portugal, qualquer movimento anti-SISTEMA passa pela afirmação de políticas liberais. EM PORTUGAL A DICOTOMIA ESQUERDA/DIREITA É APENAS UM EXPEDIENTE PARA “MANTER O SISTEMA”. O Passos Coelho, apesar de ter tomado algumas iniciativas liberais e de ter tomado muitas medidas correctas enquanto governante, não soube, quando saiu do governo, construir uma estratégia racional, sólida, coerente e sistemática de oposição. Ficou-se pelo discurso limitado do regresso do DIABO que, com o andar dos tempos, passou a ser cada vez mais motivo de chacota do CENTENO/COSTA. Foi aliás, quando se tornou ridículo, aos olhos de todos, o discurso do DIABO que o Passos teve que abandonar a liderança do partido. Assim como o COSTA esgotou o seu reportório programático de governo com as “REVERSÕES” e, concomitantemente, esgotou a solução governativa “GERINGONÇA”, também o Passos esgotou o “seu” programa com a concretização do programa da TROICA.
COSTA pretende continuar a gerir o “sistema” e é por isso que a “oligarquia” mobilizou a Comunicação Social, de que é dona, para o apoiar. Do que temos esperança é que Rui RIO faça as reformas necessárias para uma maior LIBERALIZAÇÃO da economia.
chints CHINTS: A política está profundamente manchada de crimes. De momento, o único político digno de respeito, é Rui Rio. Mas o pântano da capital vai afoga-lo, se ele lá chegar. Trabalho de afogamento activamente feito pela extraordinária e comprometidissima CS. Também ela profundamente manchada.  A política séria só existe em Rui Rio. Os outros são nem sei o quê. Espero que Rui Rio se consiga demarcar do grupo Balsemão - Ferreira Leite, os tais que declaram o PSD de esquerda, os tais muito comprometidos com esquemas lisboetas. 
josé Maria: Rui Ramos tenta iludir o resultado desastroso que a direita, conservadora ou liberal, vai sofrer em 6/10...
Joaquim Moreira: Meu caro Rui Ramos, o que poderá ter morrido no país não terá sido a política, como diz. Mas, a seriedade na política, poderá ser, se este discurso continuar a prevalecer. Pessoalmente, lamento e muito, que uma pessoa que me habituei a respeitar, insista neste discurso que não ajuda nada a alguma coisa mudar. Já concordei muito com as suas crónicas, no tempo de Pedro Passos Coelho. Que também era um político sério, apesar de ter sido colado ao aparelho. Agora, desde que entregou a liderança a Rui Rio, muito raras vezes estou de acordo, e não é só por uma questão de brio. É sobretudo por uma questão de respeito, pela política de seriedade e de rigor que Portugal precisa de fazer, e que ainda não foi feito. E, por ser muito fácil de ver que para a fazer já cá temos o sujeito.


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