Muitas vezes Teresa de Sousa foi tentando aclarar desordens “que agora se costumam”, na União Europeia, depois da abertura amistosa
aos povos que se esgueiravam das suas pátrias em guerra ou em miséria económica,
trazendo, muitas vezes, com eles, agentes terroristas de infiltrações
religiosas islâmicas, que lançaram a desordem e a confusão na velha Europa, de
repente aberta a uma democracia generosa mas simultaneamente perigosa e
destruidora. O texto seguinte é súmula desses ideários, após os últimos
acontecimentos no Reino Unido, com a eleição de Boris Johnson e as anomalias comportamentais em torno do Brexit,
com as decisões – logo desfeitas – daquele, a respeito de uma saída com ou sem
acordo. O assunto é conhecido, e o gosto de o lembrar, para prevenir, mantém-se
em nós, com a prosa clara e lúcida de TS
e
de alguns comentadores.
OPINIÃO
Quando a excepção se torna regra
Não há evidência de que a vaga populista
esteja já em recuo, depois de ter atingido o seu pico, como muita gente gosta
de acreditar. Nem há soluções fáceis ou cómodas para enfrentar o problema.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 8 de
Setembro de 2019
1. - Há três anos, dois acontecimentos
próximos no tempo abalaram subitamente as águas ainda relativamente tranquilas
das velhas e ricas democracias ocidentais, precisamente nas duas que
moldaram, em boa medida, o seu destino: no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Deste lado do Atlântico, o resultado de um referendo que o líder conservador
britânico David Cameron teve a ideia de convocar para calar de uma vez a ala
radical antieuropeia do seu partido, teve o resultado que ninguém considerava
possível. Os britânicos votaram maioritariamente (52% para 48%) pelo abandono
da União Europeia. O resultado
apanhou de surpresa as elites políticas britânicas e europeias, derrubou Cameron,
levou Theresa May a substituí-lo, prometendo cumprir a vontade dos eleitores –
“Brexit is Brexit”. Foi justamente porque não conseguiu cumprir a sua promessa,
depois de dois anos de intensas negociações em Bruxelas para chegar a um acordo
de saída, que May acabou como o seu antecessor: derrubada
pelo “Brexit”, quando o Parlamento britânico chumbou três vezes
consecutivas o acordo de saída. Finalmente, em Junho passado, o homem que
liderou o “Leave” no referendo, chegou onde queria: ao número 10 de
Downing Street. A sua aposta contra Cameron em 2016 tinha finalmente sido
compensada. Bastava-lhe cavalgar a onda pela libertação das grilhetas de
Bruxelas, galvanizar o país e cumprir a sua até agora única promessa: tirar
o Reino Unido da União Europeia no dia 31 de Outubro.
No
mesmo ano, alguns meses depois, outro resultado impensável ocorria do outro
lado do Atlântico: os eleitores americanos elegiam Donald Trump para a Casa
Branca. Não é preciso recuar muito tempo para lembrar até que ponto a
possibilidade da sua eleição era considerada uma piada. E não apenas
porque as sondagens não apontavam para ela, mas porque a sua personalidade era
absolutamente contrária ao que o bom senso exige para quem lidera o país mais
poderoso do mundo.
2. - Três
anos depois dos dois acontecimentos, mudou acentuadamente a paisagem
política europeia. Partidos populistas e nacionalistas (alguns não
escondem o seu apreço pelo Presidente americano, outros dão-se particularmente
bem com Putin) emergiram na maioria dos países da União Europeia, alguns novos
outros saídos do limbo em que se mantinham há décadas – da Alemanha à Itália,
da França à Suécia, à Áustria, à Hungria e à Polónia. Instalaram-se para ficar.
Desafiam directamente os partidos do mainstream sobre os quais se construíram
as democracias europeias e a própria União. São um
novo factor de instabilidade, conseguem demasiadas vezes infectar os partidos
de centro-direita (ou até do centro-esquerda) com as suas bandeiras
anti-imigrantes e a sua reivindicação do regresso de uma alegada soberania
nacional perdida nos meandros sinistros de Bruxelas.
A
descrição desta realidade não merece grande contestação. Persiste, no
entanto, uma forte tendência para minimizá-la. De duas formas possíveis:
tentar explicar o fenómeno caso e caso; convencer-se com demasiada facilidade
de que o pior já passou, de cada vez que as perspectivas mais negras das
sondagens são desmentidas pelos resultados.
Vimos
essa reacção nas europeias de final de Maio, quando os
resultados eleitorais dos partidos nacionalistas e extremistas ficaram um pouco
abaixo das previsões. As sondagens chegavam a apontar valores próximos dos 30
por cento; o resultado das urnas apenas rondou os 25 por cento. Foi saudado quase como uma grande vitória. Voltámos
a vê-la há duas semanas na Alemanha, com as eleições regionais na Saxónia e no
Brandeburgo – dois Landers da antiga Europa de Leste. Algumas sondagens
admitiam que a AfD – um partido de extrema-direita nacionalista – pudesse
vencer nos dois Estados. O facto de ter ficado em ambos com um “honroso” segundo lugar, nos
calcanhares dos dois grandes partidos do sistema, a CDU e o SPD, provocou a
mesma sensação de quase euforia.
Nada, todavia, nestas eleições
deveria provocar alívio. Na Saxónia,
a CDU apenas ficou à frente da AfD na faixa etária dos mais de 60 anos. Também
foi nesta faixa que o velho SPD conseguiu ficar à frente dos Verde. De resto, a
AfD ficou à frente da CDU incluindo entre os eleitores mais jovens: entre os 18
e os 24, venceram a extrema-direita e os Verdes, ambos com 20 por cento dos
votos. Do lado do SPD as coisas ainda correm pior. O partido que teve o seu
pior resultado de sempre nas eleições de Setembro de 2017 (20%) não consegue
conter a sangria de votos para os Verdes, no que toca às camadas urbanas, e
para a própria AfD nos velhos bastiões operários que lhe pertenciam desde
sempre. Na França, nas presidenciais de 2017, o susto chegou a ser a
possibilidade de uma vitória de Marine Le Pen, travada na segunda volta pelo
novo partido de Emmanuel Macron, com pouco menos de um ano de vida. De então
para cá, os dois grandes partidos tradicionais – os socialistas e os
republicanos - não conseguiram ganhar terreno. Nem sequer quando Macron
enfrentou a crise dos gilets jaunes e a sua popularidade desceu aos infernos. O
benefício foi quase todo para Le Pen, deixando a França sem verdadeira
alternativa a Macron.
De
Roma, entretanto, chegaram óptimas noticias. Quando o líder da extrema-direita
Matteo Salvini achou que tinha chegado o momento de se apoderar do poder, o seu
cálculo falhou, abrindo as portas a um governo de coligação entre o Cinco
Estrelas e o Partido Democrata, que o deixou fora de jogo pelo menos durante
algum tempo. Será preciso
que o novo Governo tenha algum sucesso para conseguir conter a Liga de Salvini
– convém recordar que as sondagens lhe dão sistematicamente a vitória em caso
de eleições.
3. Boris
Johnson não é Salvini. São muito distintas as culturas políticas dos dois
países. Habituámos a admirar a democracia representativa britânica, sólida,
estável, capaz de encontrar respostas moderadas para as encruzilhadas da
História, orgulhosamente construída sobre “a mãe de todos os Parlamentos”.
O que aconteceu na última semana no Reino Unido é de molde a fazer abalar
algumas dessas certezas. Boris chegou, viu e não venceu. Pelo
contrário, viu-se sucessivamente derrotado em Westminster, depois de ter
tentado impedir que o Parlamento destruísse o único objectivo com que chegou a
Downing Street e a única estratégia para tentar manter-se lá: concluir o
“Brexit” na data marcada, “contra tudo e contra todos”. Ora, em
democracia, não há por definição nenhuma decisão política que possa ser contra
tudo e contra todos. O primeiro-ministro britânico viu o Parlamento impor-lhe uma lei que obriga ao adiamento da data de
saída para que esta não aconteça sem acordo com a União Europeia.
A resposta foi a dramatização ainda maior do discurso do “povo contra o
Parlamento”, ao declarar que preferia “morrer numa vala da estrada” a não
cumprir a data de saída. O que vai acontecer agora, ninguém sabe. Apenas
numa coisa a maioria dos analistas converge: está a mudar aceleradamente a
natureza do Partido Conservador, ao qual Fareed Zakaria chamava no Washington
Post o mais velho e mais bem-sucedido partido do mundo. Um estudo
recente da Queen Mary University mostrava que 97 por cento dos membros do
partido eram brancos, 71 por cento homens e 44 por cento com mais de 65 anos. Uma amostra em profundo desfasamento com a sociedade
britânica. Outro estudo dos resultados da eleição do novo líder, realizado pela
YouGov, indicava que 63 por cento dos militantes estariam dispostos a
alienar a Escócia a troco da saída da União Europeia, e que 59 por cento
aceitavam a alienação da Irlanda do Norte. Não restam dúvidas de que o Partido
Conservador é hoje o representante do nacionalismo inglês.
4. - Se
unirmos todos os sinais de crise que marcam hoje o mapa político europeu, o
desenho não é animador nem, muito menos, há evidência de que a vaga populista
esteja já em recuo, depois de ter atingido o seu pico, como muita gente gosta
de acreditar. Nem há
soluções fáceis ou cómodas para enfrentar o problema. Na origem desta
tempestade política que atravessa a Europa está a crise financeira de 2008 e a
Grande Recessão que se lhe seguiu nos EUA e na Europa. Apesar da retoma das
economias, as sementes do descontentamento mantêm-se. As causes podem ser
múltiplas: as desigualdades crescentes que a crise acentuou; a vaga de
imigração; os excessos da globalização e a mudança radical dos equilíbrios de
poder no mundo, com a emergência de grandes potências não democráticas que
desafiam abertamente a hegemonia ocidental. A única certeza que temos é que
minimizar ou desvalorizar as ameaças que hoje ensombram as nossas democracias
será o maior erro de todos. Porque a excepção está rapidamente a tornar-se a
regra.
COMENTÁRIOS:
paula.o.rego.442120,
09.09.2019 :Vitor Belanciano, na sua crónica
"Alienação do pensamento positivo", reflecte precisamente nesta obsessão
colectiva de pintar de rosa o mundo real. O populismo em regressão, mais não
é que uma ilusão positiva, a que a nova crise económico-financeira que para
breve se anuncia, poderá dar o derradeiro empurrão por que muitos esperam
AndradeQB,
08.09.2019: Os jornalistas não
têm culpa rigorosamente nenhuma. Está bom de ver. Apoderados de toda a verdade
fixam-na para depois tirar elações. Dizer que os partidos, que hoje mantêm o
mesmo nome dos que reconstruíram a Europa após a Grande Guerra, são os mesmos
partidos só mesmo de jornalista. Qualquer não iniciado, ao olhar para o que se
passa na generalidade dos Parlamentos, estaria convencido de que são muito
diferentes. Alguém acredita que no pós-guerra o parlamento inglês andasse em
joguinhos de aprovar e proibir a mesma coisa em simultâneo?
Tiago Vasconcelos, 08.09.2019: A vaga populista só recuará quando a vaga
do politicamente correcto e do relativismo cultural recuar.
rafael.guerra.www, 08.09.2019: Populistas da extrema direita apoiados
por Steve Bannon para enfraquecer a União Europeia. Um objectivo,
coincidentemente, também de Vladimir Putin. Vemos Bannon voando por todo o
lado, festejando com alguns dos políticos mais reaccionários e odiosos da Europa
em hotéis de 5 estrelas, com o apoio de bilionários como Rober Mercer, Miles
Kwok ou John Thornton, o último ex-Presidente da Goldman Sachs.
manuelserra 72, 08.09.2019: A maior vantagem de achar que são o Bannon e o Putin os
responsáveis é não ter que se pôr em causa. Porque de facto e seguindo a sua
"lógica" a Actual política Europeia é muito avessa à Goldman Sachs
(!)
rafael.guerra.www,
08.09.2019: A UE está dependente militarmente e financeiramente do
poder de fogo dos EUA e qualquer tentativa de erguer a cabeça, é sempre
sabotada. O populista Trump, quando foi eleito, teve um número recorde de
ex-Goldman Sachs no seu governo. Para quem dizia ser anti-sistema e que iria
vergar Wall Street durante a campanha eleitoral, os eleitores americanos foram
bem enganados! Mas temos suficientes traidores internamente para enfraquecer a
UE, unindo-se alegremente a Trump-Bannon ou a Putin.
Jonas Almeida, 08.09.2019: A procissão obviamente ainda só vai no adro. TdS tem
razão sobre isso. Também é óbvio que os
sistemas de regras sem alternativas, como os da UE ou da China, terão
transições mais desastradas para a institucionalização da autodeterminação
democrática na era da desintermediação digital. Pelo contrário, as democracias
antigas como o UK, os EUA, os helvéticos, os escandinavos etc, sempre tiveram
processos de consulta directa para calibrar as elites
"representativas" que essas regras promovem. A roupa suja é lavada na
praça pública, como deve ser, não nas antecâmaras das chancelarias como receava
o nosso próprio negociador da adesão à então CEE, Medeiros Ferreira - sobre
isso recomendo o seu livro testamentário "Não Há Mapa Cor-de-Rosa--A
História (Mal)dita da Integração Europeia.
TM:
08.09.2019: Regras sem alternativas?
ahahaha ! Sempre tiveram processos de consulta directa? Desde quando? Qual é a
parte de que o UK é famoso pela sua democracia parlamentar que o Jonas não
entende? Até a Irlanda tem mais referendos que o UK. Aliás o referendo do
Brexit foi um erro gigante como qualquer pessoa inteligente sabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário