sábado, 7 de setembro de 2019

Só tenho pena que AG faça férias



VPV aceita de bom grado A. Costa, que AG abomina, VPV conformado com a aparência de estabilidade trazida por AC. De resto, retratos faiscantes de bom senso - o de Boris Johnson. pelo primeiro, o de Catarina Martins, pelo segundo.
I - OPINIÃO: Diário
“Tanto como um velho súbdito de S. Majestade britânica, lamento a morte da Inglaterra, que eu conheci, insular e tradicional. Só que não posso aprovar as aventuras referendárias de Boris Johnson. Afinal de contas, a essência da tradição inglesa é o governo representativo”, escreve Vasco Pulido Valente
VASCO PULIDO VALENTE             PÚBLICO, 7 de Setembro de 2019
Pedro Santana Lopes pediu a intervenção do Presidente da República porque a SIC não o convidou para nenhum debate, o que ele acha “uma vergonha”. É o “menino guerreiro” a fazer uma birra porque ninguém lhe dá atenção. Mas, no fundo, ele devia acabar assim: sentado sozinho no passeio a pedir a atenção dos adultos.
3 de Setembro: No Reino Unido, a guerra entre a legitimidade parlamentar e a legitimidade popular, ou seja, entre o regime representativo e o referendo, chegou a uma fase crítica. E o que se passou hoje foi pura e simplesmente uma interferência do Parlamento nas competências do executivo.
A manobra de Corbyn, que se associou aos remainers de alma e coração, é a seguinte: tornar o hard Brexit ilegal, sem por isso provocar eleições. Mas Boris já jurou que não aceita essa limitação, que, de resto, considera inconstitucional e politicamente perigosa. E já apresentou uma moção de confiança. O pior é que Boris, que, segundo as sondagens, ganharia largamente as eleições, não tem maioria no Parlamento. De maneira que tudo isto se arrisca a acabar numa situação irrisória: o Parlamento com o poder de impedir o Brexit mas sem o poder de governar, e Boris com o poder de governar mas sem poder consumar o Brexit.
O referendo é uma figura felizmente estranha à tradição política inglesa. Excepto de Gaulle, nunca nada de bom saiu de um referendo. Os palermas que usam a palavra “populista” a torto e a direito, não reconhecem a coisa quando a vêem.
4 de Setembro: A esquerda britânica, isto é, o partido Trabalhista desceu ao fundo da ignomínia (nada que lhe seja muito estranho). Por um lado, votou a lei que impede Boris de levar a Inglaterra a uma saída sem acordo, e por outro, recusou-lhe uma eleição imediata. Tudo somado quer dizer, primeiro, que o partido Trabalhista não quer espécie alguma de Brexit e, segundo, que sabe perfeitamente que o eleitorado é isso mesmo que quer.
Tanto como um velho súbdito de S. Majestade britânica, lamento a morte da Inglaterra, que eu conheci, insular e tradicional. Só que não posso aprovar as aventuras referendárias de Boris Johnson. Afinal de contas, a essência da tradição inglesa é o governo representativo.
5 de Setembro: Ontem à noite, o espectáculo desastroso que foi a entrevista de Bernardo Ferrão a António Costa. Os jornalistas portugueses acham que uma boa entrevista é uma discussão de igual para igual com o entrevistado. Bernardo Ferrão não percebeu que o público queria ouvir António Costa e não se interessava pelas opiniões dele ou pelas “manchetes” que ele queria arrancar ao pobre do homem: interrompeu, discordou, e acabou por levar o primeiro-ministro a pedir para falar com alguma serenidade e lógica. Deve ter tido o aplauso dos janotas da sua espécie.
6 de Setembro: Não me lembro de um período eleitoral tão tranquilo. Assunção Cristas e Rui Rio estão resignados a uma derrota espectacular. António Costa tem de fazer um esforço para não se rir. Só o Bloco esperneia ainda, com medo da maioria absoluta, mas com muita moderação. Esta calmaria irrita-me.     Colunista
II - ELEIÇÕES: A evaporação da democracia /premium
ALBERTO GONÇALVES            OBSERVADOR, 7/9/2019
Cantando e rindo, os portugueses marcham para o abismo e só darão por ele quando se esbardalharem lá em baixo. Ou, palpita-me, nem aí. Não seria a primeira vez.
“Estamos agora a entrar numa longuíssima campanha eleitoral, que teria gostado que fosse menos longa e que não demorasse um ano”, disse há dias o prof. Marcelo, indivíduo que se encontra em campanha eleitoral vai para quatro anos. Além de faltar legitimidade ao autor, à frase (igual nas várias fontes que consultei) falta sentido: agora é que estamos a entrar numa campanha que começou há um ano ou há quase um ano? Quando a presidência se desvia das “selfies” e das análises à temperatura do mar dá nisto. Para cúmulo, à frase falta também realidade.
Uma campanha eleitoral pressupõe uma série de adversários políticos que se confrontam e disputam o maior número possível de votos. Aquilo que temos visto é o partido que ocupou o poder e que manda no Estado a apascentar os demais partidos com migalhas ou promessas de migalhas desse poder e desse Estado. E os demais partidos, os que se aliaram formalmente ao PS e os que sonham com uma aliança, encontram-se satisfeitíssimos com a situação, a ponto de limitarem a oposição a um simulacro ridículo. Hoje, excepto por minúsculos movimentos bem ou mal-intencionados, não há oposição, não há alternativa e, por este andar, não tarda não haverá sequer os vestígios de democracia que ainda restam.
Nestas pacíficas circunstâncias, e com a ajuda adicional – e escusada – da generalidade dos “media”, de comentadores amestrados, do “empresariado” subserviente, da igreja e de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, o PS das negociatas e das clientelas e das patranhas e das bancarrotas ganhará as “legislativas”, ficando apenas por apurar se com ou sem maioria parlamentar. Em qualquer dos casos, não importa tanto o resultado do PS quanto o resultado das esquerdas, incluindo as beatas do PAN, que ameaçam conquistar dois terços do parlamento para brincar às revisões constitucionais. Na legislatura que agora acaba, uma cavalgada de impostos e censuras, ensaiou-se a incursão pelas fronteiras do Terceiro Mundo. Não é garantido que na próxima não se formalize a adesão.
Salva-nos, enquanto nos salvar, a “Europa”. Certa direita (por “patriotismo”) e boa parte da esquerda (por ressentimento) passam a vida a condenar “a ingerência de Bruxelas”. Muito heróico. Mas sem essa ingerência, ocasionalmente irritante, o país já estaria entregue em definitivo aos bandos que nos pastoreiam. O projecto de conquista elaborado pelos bandos e pela inércia depende do dinheiro. Como o nosso dinheiro não se produz aqui e sim lá fora, convém ir mantendo alguns laços com os regimes ocidentais que inúmeros socialistas e a totalidade dos comunistas abominam. Em simultâneo, e pelos mesmos motivos, lá se vão mantendo as diferenças face aos regimes tropicais que inúmeros socialistas e a totalidade dos comunistas veneram. No instante em que a “Europa”, ou uma Alemanha sem folgas e a sra. Merkel, recusar uns milhares de milhões para “resgatar” inimputáveis, o último obstáculo à barbárie vai ao chão. Ao contrário do que sucede com as beatas, ninguém pagará multa. Há dias, um amigo que padece de optimismo e cegueira, opinava que os portugueses nunca se deixariam cair numa ditadura. Discordei com delicadeza: a principal vocação dos portugueses é justamente a de obedecer sem sombra de resistência. Mesmo os destacados resistentes à ditadura de Salazar combatiam por uma ditadura incomensuravelmente pior. Nem sei se os portugueses gostam que mandem neles: parece que não notam a diferença. No limite, acho que não sonham existir diferença entre a resignação e a liberdade. A apatia terminal, ou uma fascinante incapacidade de discernimento, implicam a absoluta ausência de escrutínio.
Até ver, o momento da campanha em curso foram as declarações da dona Catarina Martins acerca das barragens e da água que se perde através da evaporação. A chacota que se seguiu, restrita a um pedacinho das “redes sociais” e que não chegou aos noticiários para não ferir susceptibilidades, deveria ser o eco de cada atoarda da criatura, que à semelhança dos colegas do BE produz imbecilidades sem descanso nem receio das consequências. Há dias, porém, a dona Catarina Martins disse enfim uma coisa plausível, a qual mereceu igual indiferença das pessoas sérias: “Não queremos que Portugal seja uma Irlanda, uma Holanda ou um Luxemburgo”. De facto, não querem. Não por coincidência, a dona Catarina Martins escolheu três nações particularmente prósperas para exemplificar as sociedades que abomina, sistemas capitalistas e progressistas, com estabilidade fiscal, produtividade alta, salários altíssimos e investimento estrangeiro a rodos. Alguém perguntou à dona Catarina Martins a que título prefere a Venezuela ou Cuba? Alguém considerou renunciar ao BE após tamanha confissão de primitivismo? Alguém se lembrou de questionar o PS por pactuar com uma agremiação que deseja declaradamente a miséria dos portugueses?
São, claro, pormenores, embora pormenores que revelam a dimensão dos disparates que a líder de um partido com 10% dos votos pode proferir com radical impunidade. Se tivesse 30%, a impunidade seria idêntica. O dr. Costa, que arrisca 40% em Outubro, praticamente nunca abriu a boca para dizer uma verdade (ou uma palavra em português correcto). E o prof. Marcelo, que é o que é, ronda os 90% nos índices de popularidade. Cantando e rindo, os portugueses marcham para o abismo e só darão por ele quando se esbardalharem lá em baixo. Ou, palpita-me, nem aí. Não seria a primeira vez.
Nota: o autor, que sou eu, vai de férias. Regresso no dia 28.

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