VPV aceita de
bom grado A. Costa, que AG abomina, VPV conformado com a aparência de estabilidade trazida
por AC. De resto,
retratos faiscantes de bom senso - o de Boris
Johnson. pelo primeiro, o de Catarina Martins, pelo segundo.
I - OPINIÃO: Diário
“Tanto como um velho súbdito de S.
Majestade britânica, lamento a morte da Inglaterra, que eu conheci, insular e
tradicional. Só que não posso aprovar as aventuras referendárias de Boris
Johnson. Afinal de contas, a essência da tradição inglesa é o governo
representativo”, escreve Vasco Pulido Valente
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO,
7 de Setembro de 2019
Pedro Santana Lopes pediu a
intervenção do Presidente da República porque a SIC não o convidou para nenhum
debate, o que ele acha “uma vergonha”. É o “menino
guerreiro” a fazer uma birra porque ninguém lhe dá atenção. Mas, no
fundo, ele devia acabar assim: sentado sozinho no passeio a pedir a atenção dos
adultos.
3 de Setembro: No Reino Unido, a guerra entre a legitimidade
parlamentar e a legitimidade popular, ou seja, entre o regime representativo e
o referendo, chegou a uma fase crítica. E o que se passou hoje foi pura e simplesmente uma
interferência do Parlamento nas competências do executivo.
A manobra de Corbyn, que se associou aos remainers de alma e coração, é a
seguinte: tornar o hard Brexit ilegal, sem por isso provocar eleições. Mas
Boris já jurou que não aceita essa limitação, que, de resto, considera
inconstitucional e politicamente perigosa. E já apresentou uma moção de
confiança. O pior é que Boris, que, segundo as sondagens,
ganharia largamente as eleições, não tem maioria no Parlamento. De maneira que
tudo isto se arrisca a acabar numa situação irrisória: o Parlamento com o poder
de impedir o Brexit mas sem o poder de governar, e Boris com o poder de
governar mas sem poder consumar o Brexit.
O
referendo é uma figura felizmente estranha à tradição política inglesa. Excepto
de Gaulle, nunca nada de bom saiu de um referendo. Os palermas que usam a
palavra “populista” a torto e a direito, não reconhecem a coisa quando a vêem.
4 de Setembro: A esquerda britânica, isto é, o partido Trabalhista
desceu ao fundo da ignomínia (nada que lhe seja muito estranho). Por um lado, votou a lei que impede Boris de levar a
Inglaterra a uma saída sem acordo, e por outro, recusou-lhe uma eleição
imediata. Tudo
somado quer dizer, primeiro, que o partido Trabalhista não quer espécie alguma
de Brexit e, segundo, que sabe perfeitamente que o eleitorado é isso mesmo que
quer.
Tanto
como um velho súbdito de S. Majestade britânica, lamento a morte da Inglaterra,
que eu conheci, insular e tradicional. Só que não posso aprovar as aventuras
referendárias de Boris Johnson. Afinal de contas, a essência da tradição
inglesa é o governo representativo.
5 de Setembro: Ontem à
noite, o espectáculo desastroso que foi a
entrevista de Bernardo Ferrão a António Costa. Os jornalistas
portugueses acham que uma boa entrevista é uma discussão de igual para igual
com o entrevistado. Bernardo Ferrão não percebeu que o público queria ouvir
António Costa e não se interessava pelas opiniões dele ou pelas “manchetes” que
ele queria arrancar ao pobre do homem: interrompeu, discordou, e acabou por
levar o primeiro-ministro a pedir para falar com alguma serenidade e lógica.
Deve ter tido o aplauso dos janotas da sua espécie.
6 de Setembro: Não me lembro de um período eleitoral tão tranquilo.
Assunção Cristas e Rui Rio estão resignados a uma derrota espectacular. António
Costa tem de fazer um esforço para não se rir. Só o Bloco esperneia ainda, com
medo da maioria absoluta, mas com muita moderação. Esta calmaria irrita-me. Colunista
II - ELEIÇÕES: A evaporação da
democracia /premium
Cantando
e rindo, os portugueses marcham para o abismo e só darão por ele quando se
esbardalharem lá em baixo. Ou, palpita-me, nem aí. Não seria a primeira vez.
“Estamos
agora a entrar numa longuíssima campanha eleitoral, que teria gostado que fosse
menos longa e que não demorasse um ano”, disse há dias o prof. Marcelo,
indivíduo que se encontra em campanha eleitoral vai para quatro anos. Além de
faltar legitimidade ao autor, à frase (igual nas várias fontes que consultei)
falta sentido: agora é que estamos a entrar numa campanha que começou há um ano
ou há quase um ano? Quando a presidência se desvia das “selfies” e das análises
à temperatura do mar dá nisto. Para cúmulo, à frase falta também realidade.
Uma
campanha eleitoral pressupõe uma série de adversários políticos que se confrontam
e disputam o maior número possível de votos. Aquilo que temos visto é o partido
que ocupou o poder e que manda no Estado a apascentar os demais partidos com
migalhas ou promessas de migalhas desse poder e desse Estado. E os demais
partidos, os que se aliaram formalmente ao PS e os que sonham com uma aliança,
encontram-se satisfeitíssimos com a situação, a ponto de limitarem a oposição a
um simulacro ridículo. Hoje, excepto por minúsculos movimentos bem ou
mal-intencionados, não há oposição, não há alternativa e, por este andar, não
tarda não haverá sequer os vestígios de democracia que ainda restam.
Nestas
pacíficas circunstâncias, e com a ajuda adicional – e escusada – da
generalidade dos “media”, de comentadores amestrados, do “empresariado”
subserviente, da igreja e de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República,
o PS das negociatas e das clientelas e das patranhas e das bancarrotas ganhará
as “legislativas”, ficando apenas por apurar se com ou sem maioria parlamentar.
Em qualquer dos casos, não importa tanto o resultado do PS quanto o resultado
das esquerdas, incluindo as beatas do PAN, que ameaçam conquistar dois terços
do parlamento para brincar às revisões constitucionais. Na legislatura que
agora acaba, uma cavalgada de impostos e censuras, ensaiou-se
a incursão pelas fronteiras do Terceiro Mundo. Não é garantido que na próxima
não se formalize a adesão.
Salva-nos, enquanto nos salvar, a “Europa”. Certa direita (por “patriotismo”) e boa parte da
esquerda (por ressentimento) passam a vida a condenar “a ingerência de
Bruxelas”. Muito heróico. Mas sem essa ingerência, ocasionalmente irritante, o
país já estaria entregue em definitivo aos bandos que nos pastoreiam. O
projecto de conquista elaborado pelos bandos e pela inércia depende do
dinheiro. Como o nosso dinheiro não se produz aqui e sim lá fora, convém ir
mantendo alguns laços com os regimes ocidentais que inúmeros socialistas e a
totalidade dos comunistas abominam. Em simultâneo, e pelos mesmos motivos, lá
se vão mantendo as diferenças face aos regimes tropicais que inúmeros
socialistas e a totalidade dos comunistas veneram. No instante em que a
“Europa”, ou uma Alemanha sem folgas e a sra. Merkel, recusar uns milhares de
milhões para “resgatar” inimputáveis, o último obstáculo à barbárie vai ao
chão. Ao contrário do que sucede com as beatas, ninguém pagará multa. Há
dias, um amigo que padece de optimismo e cegueira, opinava que os portugueses
nunca se deixariam cair numa ditadura. Discordei com delicadeza: a
principal vocação dos portugueses é justamente a de obedecer sem sombra de
resistência. Mesmo os destacados resistentes à ditadura de Salazar combatiam
por uma ditadura incomensuravelmente pior. Nem sei se os portugueses gostam que
mandem neles: parece que não notam a diferença. No limite, acho que não sonham
existir diferença entre a resignação e a liberdade. A apatia terminal, ou uma
fascinante incapacidade de discernimento, implicam a absoluta ausência de
escrutínio.
Até
ver, o momento da campanha em curso foram as declarações da
dona Catarina Martins acerca das barragens e da água que se perde através da
evaporação. A chacota que se seguiu, restrita a um pedacinho das “redes
sociais” e que não chegou aos noticiários para não ferir susceptibilidades,
deveria ser o eco de cada atoarda da criatura, que à semelhança dos colegas do
BE produz imbecilidades sem descanso nem receio das consequências. Há dias,
porém, a dona Catarina Martins disse enfim uma coisa plausível, a qual mereceu
igual indiferença das pessoas sérias: “Não queremos que Portugal seja uma
Irlanda, uma Holanda ou um Luxemburgo”. De facto, não querem. Não por
coincidência, a dona Catarina Martins escolheu três nações particularmente
prósperas para exemplificar as sociedades que abomina, sistemas capitalistas e
progressistas, com estabilidade fiscal, produtividade alta, salários altíssimos
e investimento estrangeiro a rodos. Alguém perguntou à dona Catarina Martins a
que título prefere a Venezuela ou Cuba? Alguém considerou renunciar ao BE após
tamanha confissão de primitivismo? Alguém se lembrou de questionar o PS por
pactuar com uma agremiação que deseja declaradamente a miséria dos portugueses?
São,
claro, pormenores, embora pormenores que revelam a dimensão dos disparates que
a líder de um partido com 10% dos votos pode proferir com radical impunidade.
Se tivesse 30%, a impunidade seria idêntica. O dr. Costa, que arrisca 40% em
Outubro, praticamente nunca abriu a boca para dizer uma verdade (ou uma palavra
em português correcto). E o prof. Marcelo, que é o que é, ronda os 90% nos
índices de popularidade. Cantando e rindo, os portugueses marcham para o abismo
e só darão por ele quando se esbardalharem lá em baixo. Ou, palpita-me, nem aí.
Não seria a primeira vez.
Nota: o autor, que sou eu, vai de
férias. Regresso no dia 28.
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