Com apenas mais um ano: (Eça: 5 de novembro de 1845 —16 de agosto de 1900, sofrendo
de distúrbios vários do foro intestinal), a panorâmica dos sofrimentos físicos de Friedrich Nietzsche (15 de outubro de 1844 —
25 de agosto de 1900) - que Eça, certamente,
leu, o próprio Carlos da Maia tratando o seu amigo Ega de anti-Cristo - é-nos
dada por Salles da Fonseca, ao seu modo simples e directo, de quem leu a obra,
relacionando o seu conteúdo – de distúrbio e violência contrária à moral
tradicional – com esse estado de saúde que ditaria momentos de funda revolta.
Por esse motivo, como texto de apoio, além de uma interessante biografia por Dilva
Frazão, (texto da Internet) transcrevo uma síntese da obra de Nietzsche,
extraída do Dicionário Filosófico (Editorial Estampa), que justifica o
sentido de humor de SF, com a sua pergunta final, orientando para um conceito
de submissão, muitas vezes, do pensamento, a estados de revolta, contra a
crueldade do destino. Eça, que sofreu bastante, também, ao longo da vida,
marcou a sua revolta num espírito de ironia, não amarga, mas sensível, no seu
humor denunciante.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA,
A BEM DA NAÇÃO 04.09.19
O
pai de Friedrich Nietzsche, Karl Ludwig, morreu aos 38 anos de idade com aquilo
a que à época era chamada «moleza cerebral», doença que provocava períodos
dolorosos e de prostração e, na fase terminal, coma permanente.
O
pai foi autopsiado confirmando-se o diagnóstico em vida mas o filho, que morreu
louco, não o foi e, portanto, ficou-se sem se saber se herdara algum problema
do pai.
Mas
pai e filho tiveram vidas muito diferentes. O pai, sacerdote luterano,
viveu sempre em paz com mulher e filhos na residência paroquial que lhe fora
atribuída enquanto o filho deambulou pelos campos de batalha durante a guerra
entre a França de Napoleão III e a Prússia de Bismarck como auxiliar de
ambulância e teve aos seus cuidados os feridos e doentes mais graves,
nomeadamente de doenças infecciosas. E, tanto quanto a medicina da época
conseguiu apurar, terá, num primeiro diagnóstico, contraído disenteria grave e,
num segundo diagnóstico, difteria.
Posta
a situação nestes termos clínicos, foi-lhe ministrada a terapêutica mais
moderna que então se conhecia e que consistia em clisteres de nitrato de
prata, ópio e ácido tâmico.
Por
incrível que pareça, o doente sobreviveu à doença e à terapêutica mas passou a
sofrer horrores pois tinha os intestinos destruídos, tinha icterícia, insónias,
vómitos, hemorróidas, um gosto constante a sangue na boca e sofria com todos os
horrores psicológicos que os campos da batalha lhe haviam gravado no cérebro.
E
a questão é: como é que este desgraçado não havia de enlouquecer?
Setembro
de 2019 Henrique
Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
«EU SOU DINAMITE – a vida de Friedrich Nietzsche», Sue Prideaux, Círculo de
Leitores, 1ª edição, Abril de 2019
COMENTÁRIOS:
Anónimo, 04.09.2019: Tenho lido um pouco de Nietzsche e gosto bastante do
que tenho lido.
Ateu ou não, era um sujeito recto.
Ateu ou não, era um sujeito recto.
Anónimo 05.09.2019; Para ti ele era louco por ser ateu ou era ateu por ser
louco??Segundo tu foi a doença que o fez enlouquecer e portanto ateu-o que aos
teus olhos explicaria o ateísmo-ou foi por ser ateu que ele enlouqueceu-o que
aos teus olhos te parecerá explicação suficiente?? Resolve-me este enigma ,pq
por exemplo eu sou agnóstico,como milhões de pessoas e não sou louco nem doente
de nada!!Por ter estudado a história da igreja do Vaticano é que seria louco se
continuasse católico.O catolicismo tal como o comunismo nunca chegaram, na
prática, nem perto da teoria uma vez que foram as duas ideologias apossadas
por muito má gente, para dizer o mínimo. Abraço Vasco van Zeller
Henrique Salles da
Fonseca, 05.09.2019; O
facto de Nietzsche ter enlouquecido pode ser devido a causa genética (o pai
teve graves problemas cerebrais); a definição de loucura deve ser tida em
função da medicina à época e eu não sou «expert» na matéria. Do que eu não
tenho dúvidas nenhumas é de que qualquer pessoa ficará perturbada com os tais
clisteres de nitrato de prata, ópio e mais não sei quê. Quanto à questão
fundamental que colocas, não faço qualquer ligação directa entre ateísmo,
catolicismo e loucura. Mais: Nietzsche nem sequer foi educado no catolicismo
mas sim no luteranismo. No afastamento que ele fez da religião, ainda me falta
estudar um pouco para perceber melhor esse processo (razões teológicas, apenas
filosóficas...?) mas desde já creio que a super-religiosidade da mãe e da irmã
poderá tê-lo empurrado para fora duma atmosfera que ele possa a certa altura
ter considerado asfixiante. Mas, como digo, ainda tenho que estudar mais.
Anónimo, 05.09.2019: Felicito-o pela interessante
iniciativa de ter criado um blog que nos permite (a leigos como eu) colher bons
ensinamentos e experiências enriquecedoras. Quanto ao que publicou ontem sobre Nietzsche e sobre
se a degradação da doença o poder ou não ter enlouquecido, creio que não,
embora não tenha muita informação sobre isso. De facto a sua saúde era bastante precária e ele próprio escreveu muito
sobre o tema da doença, da alimentação, da influencia climática sobre o
metabolismo referidos, por exemplo, em “Ecce Homo”. E noutra parte deste mesmo livro narra o seguinte: eis
como evoco aquele tempo de enfermidade; descobri, digamos, de novo a vida,
compreendi-me a mim próprio, apreciei todas as coisas boas, e até as mais
modestas, como não é fácil que outros possam apreciá-las e da minha vontade de
saúde e de vida, fiz a minha filosofia… No
que tenho lido sobre a filosofia nietzschiana, os investigadores afirmam que as
facetas crítica e criativa são indissociáveis, que o destruidor e o criador
estão reunidos. Ele próprio escreve: “Sou
de longe o homem mais terrível que houve: o que não impede de vir a ser o mais
benéfico. Conheço a alegria de destruir em grau equivalente ao meu poder de
destruição. Sou o primeiro imoralista: e assim sou o destruidor por excelência.
Para finalizar uma citação do filósofo: Temos a arte para não morrer de verdade…” Os meus melhores cumprimentos Mª Emília
Gonçalves
NOTAS: Friedrich Nietzsche (Internet)
I – Por DILVA FRAZÃO
Biografia de Friedrich Nietzsche
Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um
filósofo, escritor e crítico alemão que exerceu grande influência no Ocidente.
Sua obra mais conhecida é “Assim Falava Zaratustra”. O pensador estendeu sua
influência para além da filosofia, penetrando na literatura, poesia e todos os
âmbitos das belas artes.
Infância e Formação
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em
Röcken, na Alemanha, no dia 15 de outubro de 1844. Era filho, neto e bisneto de
pastores protestantes. Com cinco anos de idade ele ficou órfão de pai, ficando
aos cuidados da mãe, da avó e da irmã mais velha.
Durante a juventude pretendia
seguir o exemplo do pai e dedicou-se à leitura da Bíblia. Com 10 anos entrou
para o Ginásio de Naumburgo, e com 14 anos recebeu uma bolsa de estudos de
preparação para o clero. Destacou-se nos estudos religiosos, literatura alemã e
estudos clássicos, porém começou a questionar os ensinamentos do Cristianismo.
Friedrich Nietzsche formou-se em 1864 e
continuou seus estudos em Teologia e Filologia Clássica, na Universidade de
Bonn. Em 1865, transferiu-se para a Universidade de Leipzig, indicado pelo
mestre Wilhelm Ritschl.
Em 1867, Nietzsche foi convocado para o
exército prussiano, quase morreu de uma queda de cavalo, e voltou para
continuar seus estudos em Leipzig.
Em 1869, com 25 anos, foi contratado
pela Universidade da Basileia como catedrático de Filologia Clássica. Nessa
época, compôs obras musicais à maneira de Schumann, fez amizade com Wagner e
conheceu a filosofia de Schopenhauer. Em 1870, com a deflagração da Guerra
Franco-Prussiana, pediu licença da universidade e retornou para o Exército.
Nesse período, Nietzsche contraiu difteria e voltou para Basileia a fim de se
restabelecer.
Primeiro Livro
Em 1871, Nietzsche publicou seu primeiro
livro, “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música”. A segunda edição foi
publicada em 1875, com um adendo sobre "Helenismo e Pessimismo". Na
obra, Nietzsche sustenta que a tragédia grega teria surgido da fusão de dois
componentes: o apolíneo, que representava a medida e a ordem, e o dionisíaco,
símbolo da paixão vital e da intuição. Em 1879, com a saúde abalada, com crises
constantes de cefaleia, problemas de visão e dificuldade para falar, Nietzsche
foi obrigado a se aposentar.
Assim Falava Zaratustra (1883)
Em 1883, Nietzsche publicou “Assim
Falava Zaratustra”, sua obra mais conhecida, de estilo bíblico e
poético, entre o dos pré-socráticos e o dos profetas hebraicos, sob a máscara
do lendário sábio persa. Na obra, estão as ideias-chaves do pensamento de
Nietzsche: a ideia de Super-Homem, a ideia de Transmutação de Valores, a
ideia de Espírito Senhoril e a ideia de Eterno Retorno. Que derrotariam a moral
cristã e o ascetismo servil.
Além do Bem e do Mal (1886)
Nietzsche fez da moral e da religião o
alvo de seus combates, considerando sua guerra pessoal contra ambos sua maior
vitória. Além do Bem e do Mal é o centro dessa guerra, o primeiro livro entre
seus escritos negativos e negadores, conforme ele mesmo declara em seu “Ecce
Homo” (1888), publicado postumamente.
De um modo geral, na obra “Além do
Bem e do Mal”, Nietzsche desenvolve uma verdadeira crítica da filosofia,
da religião e da moral, apontando as congruências existentes entre elas.
O Anticristo
Em 1888, Nietzsche iniciou a obra “O
Anticristo”, que só foi publicada em 1895, na qual faz uma comparação com
outras religiões, criticando com veemência a mudança de foco que o cristianismo
opera, uma vez que o centro da vida passa a ser o além e não o mundo presente.
Últimos Anos
A fase criativa de Nietzsche foi
interrompida em 03 de janeiro de 1889, quando sofreu um grave colapso nas ruas
de Turim e perdeu definitivamente a razão. Ao ser internado na Basileia,
foi diagnosticado com paralisia progressiva, provavelmente em consequência
da sífilis. Quando um exemplar de sua obra-prima, "Assim
Falou Zaratustra", foi colocado diante dele, leu-o durante
alguns minutos e disse em seguida: "Não sei quem é o autor deste livro.
Mas, pelos deuses, que pensador deve ele ter sido!".
Friedrich Nietzsche faleceu em Weimar,
Alemanha, no dia 25 de agosto de 1900.
II- DICIONÁRIO FILOSÓFICO (Tradução de Luís
Marques Silva), 1972:
Nietzsche Friedrich (1844-1900).
Filósofo idealista alemão, um dos predecessores da ideologia fascista;
professor de filologia em Basileia (Suíça, 1869-79), N. formou-se
ideologicamente no período em que o capitalismo entrava no seu estádio
imperialista; as concepções nietzschianas representam uma reacção do
ideário burguês perante a agudização das contradições de classe. A sua
concepção do mundo ressuma ódio contra o “espírito de revolução” e as massas do
povo. A “escravidão”, segundo Nietzsche, pertence à “essência da
cultura”, a “exploração” encontra-se “vinculada à essência de tudo o que é vivo”.
Os pensamentos de N. tendem a “conter a torrente da
revolução, pelos vistos inevitável”. A partir deste ponto de vista, N.
submete a nova valorização os princípios e normas da ideologia burguesa
liberal: a filosofia racionalista, a ética tradicional, a religião cristã. Considera
que enfraquecem a vontade de luta, que não são idóneos para
esmagar o crescente movimento revolucionário e propugna abertamente a substituição
de tais princípios e normas pelos do anti-humanismo e anti-democratismo. N. separa
taxativamente a ideologia destinada a educar o espírito de submissão dos
trabalhadores (“moral dos escravos”) e a ideologia em que se há-de
inspirar a educação da “casta de senhores” (“moral dos senhores”), para os
quais preconiza um individualismo desenfreado no direito e na moral. Voluntarismo, é
a filosofia de N: contrapõe à razão a vontade. Considera que a força
motriz universal de desenvolvimento é a “luta pela existência”, que
se converte em “vontade de poder”. Face à teoria científica do progresso,
apresenta o mito sobre “o eterno regresso de todas as coisas”.
Principais obras: «Assim falou
Zaratrusta» (1883-1891): «Para além do bem e do mal» (1886);
«A
vontade de poder” (editada em 1906).
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