quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Contemporâneo de Eça


Contemporâneo de Eça
Com apenas mais um ano: (Eça: 5 de novembro de 1845 —16 de agosto de 1900, sofrendo de distúrbios vários do foro intestinal), a panorâmica dos sofrimentos físicos de Friedrich Nietzsche (15 de outubro de 1844 — 25 de agosto de 1900) - que Eça, certamente, leu, o próprio Carlos da Maia tratando o seu amigo Ega de anti-Cristo - é-nos dada por Salles da Fonseca, ao seu modo simples e directo, de quem leu a obra, relacionando o seu conteúdo – de distúrbio e violência contrária à moral tradicional – com esse estado de saúde que ditaria momentos de funda revolta. Por esse motivo, como texto de apoio, além de uma interessante biografia por Dilva Frazão, (texto da Internet) transcrevo uma síntese da obra de Nietzsche, extraída do Dicionário Filosófico (Editorial Estampa), que justifica o sentido de humor de SF, com a sua pergunta final, orientando para um conceito de submissão, muitas vezes, do pensamento, a estados de revolta, contra a crueldade do destino. Eça, que sofreu bastante, também, ao longo da vida, marcou a sua revolta num espírito de ironia, não amarga, mas sensível, no seu humor denunciante.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA,
A BEM DA NAÇÃO 04.09.19
O pai de Friedrich Nietzsche, Karl Ludwig, morreu aos 38 anos de idade com aquilo a que à época era chamada «moleza cerebral», doença que provocava períodos dolorosos e de prostração e, na fase terminal, coma permanente.
O pai foi autopsiado confirmando-se o diagnóstico em vida mas o filho, que morreu louco, não o foi e, portanto, ficou-se sem se saber se herdara algum problema do pai.
Mas pai e filho tiveram vidas muito diferentes. O pai, sacerdote luterano, viveu sempre em paz com mulher e filhos na residência paroquial que lhe fora atribuída enquanto o filho deambulou pelos campos de batalha durante a guerra entre a França de Napoleão III e a Prússia de Bismarck como auxiliar de ambulância e teve aos seus cuidados os feridos e doentes mais graves, nomeadamente de doenças infecciosas. E, tanto quanto a medicina da época conseguiu apurar, terá, num primeiro diagnóstico, contraído disenteria grave e, num segundo diagnóstico, difteria.
Posta a situação nestes termos clínicos, foi-lhe ministrada a terapêutica mais moderna que então se conhecia e que consistia em clisteres de nitrato de prata, ópio e ácido tâmico.
Por incrível que pareça, o doente sobreviveu à doença e à terapêutica mas passou a sofrer horrores pois tinha os intestinos destruídos, tinha icterícia, insónias, vómitos, hemorróidas, um gosto constante a sangue na boca e sofria com todos os horrores psicológicos que os campos da batalha lhe haviam gravado no cérebro.
E a questão é: como é que este desgraçado não havia de enlouquecer?
Setembro de 2019  Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
«EU SOU DINAMITE – a vida de Friedrich Nietzsche», Sue PrideauxCírculo de Leitores, 1ª edição, Abril de 2019
COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da Fonseca, 04.09.2019: Gostei. José Montalvão
Anónimo, 04.09.2019: Tenho lido um pouco de Nietzsche e gosto bastante do que tenho lido.
Ateu ou não, era um sujeito recto.
Anónimo 05.09.2019; Para ti ele era louco por ser ateu ou era ateu por ser louco??Segundo tu foi a doença que o fez enlouquecer e portanto ateu-o que aos teus olhos explicaria o ateísmo-ou foi por ser ateu que ele enlouqueceu-o que aos teus olhos te parecerá explicação suficiente?? Resolve-me este enigma ,pq por exemplo eu sou agnóstico,como milhões de pessoas e não sou louco nem doente de nada!!Por ter estudado a história da igreja do Vaticano é que seria louco se continuasse católico.O catolicismo tal como o comunismo nunca chegaram, na prática, nem perto da teoria uma vez que foram as duas ideologias apossadas por muito má gente, para dizer o mínimo. Abraço Vasco van Zeller
Henrique Salles da Fonseca, 05.09.2019; O facto de Nietzsche ter enlouquecido pode ser devido a causa genética (o pai teve graves problemas cerebrais); a definição de loucura deve ser tida em função da medicina à época e eu não sou «expert» na matéria. Do que eu não tenho dúvidas nenhumas é de que qualquer pessoa ficará perturbada com os tais clisteres de nitrato de prata, ópio e mais não sei quê. Quanto à questão fundamental que colocas, não faço qualquer ligação directa entre ateísmo, catolicismo e loucura. Mais: Nietzsche nem sequer foi educado no catolicismo mas sim no luteranismo. No afastamento que ele fez da religião, ainda me falta estudar um pouco para perceber melhor esse processo (razões teológicas, apenas filosóficas...?) mas desde já creio que a super-religiosidade da mãe e da irmã poderá tê-lo empurrado para fora duma atmosfera que ele possa a certa altura ter considerado asfixiante. Mas, como digo, ainda tenho que estudar mais.
Anónimo, 05.09.2019: Felicito-o pela interessante iniciativa de ter criado um blog que nos permite (a leigos como eu) colher bons ensinamentos e experiências enriquecedoras. Quanto ao que publicou ontem sobre Nietzsche e sobre se a degradação da doença o poder ou não ter enlouquecido, creio que não, embora não tenha muita informação sobre isso. De facto a sua saúde era bastante precária e ele próprio escreveu muito sobre o tema da doença, da alimentação, da influencia climática sobre o metabolismo referidos, por exemplo, em “Ecce Homo”. E noutra parte deste mesmo livro narra o seguinte: eis como evoco aquele tempo de enfermidade; descobri, digamos, de novo a vida, compreendi-me a mim próprio, apreciei todas as coisas boas, e até as mais modestas, como não é fácil que outros possam apreciá-las e da minha vontade de saúde e de vida, fiz a minha filosofia… No que tenho lido sobre a filosofia nietzschiana, os investigadores afirmam que as facetas crítica e criativa são indissociáveis, que o destruidor e o criador estão reunidos. Ele próprio escreve: “Sou de longe o homem mais terrível que houve: o que não impede de vir a ser o mais benéfico. Conheço a alegria de destruir em grau equivalente ao meu poder de destruição. Sou o primeiro imoralista: e assim sou o destruidor por excelência. Para finalizar uma citação do filósofo: Temos a arte para não morrer de verdade…” Os meus melhores cumprimentos Mª Emília Gonçalves


NOTAS: Friedrich Nietzsche (Internet)
I – Por DILVA FRAZÃO
Biografia de Friedrich Nietzsche
Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo, escritor e crítico alemão que exerceu grande influência no Ocidente. Sua obra mais conhecida é “Assim Falava Zaratustra”. O pensador estendeu sua influência para além da filosofia, penetrando na literatura, poesia e todos os âmbitos das belas artes.
Infância e Formação
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Röcken, na Alemanha, no dia 15 de outubro de 1844. Era filho, neto e bisneto de pastores protestantes. Com cinco anos de idade ele ficou órfão de pai, ficando aos cuidados da mãe, da avó e da irmã mais velha.
Durante a juventude pretendia seguir o exemplo do pai e dedicou-se à leitura da Bíblia. Com 10 anos entrou para o Ginásio de Naumburgo, e com 14 anos recebeu uma bolsa de estudos de preparação para o clero. Destacou-se nos estudos religiosos, literatura alemã e estudos clássicos, porém começou a questionar os ensinamentos do Cristianismo.
Friedrich Nietzsche formou-se em 1864 e continuou seus estudos em Teologia e Filologia Clássica, na Universidade de Bonn. Em 1865, transferiu-se para a Universidade de Leipzig, indicado pelo mestre Wilhelm Ritschl.
Em 1867, Nietzsche foi convocado para o exército prussiano, quase morreu de uma queda de cavalo, e voltou para continuar seus estudos em Leipzig.
Em 1869, com 25 anos, foi contratado pela Universidade da Basileia como catedrático de Filologia Clássica. Nessa época, compôs obras musicais à maneira de Schumann, fez amizade com Wagner e conheceu a filosofia de Schopenhauer. Em 1870, com a deflagração da Guerra Franco-Prussiana, pediu licença da universidade e retornou para o Exército. Nesse período, Nietzsche contraiu difteria e voltou para Basileia a fim de se restabelecer.
Primeiro Livro
Em 1871, Nietzsche publicou seu primeiro livro, “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música”. A segunda edição foi publicada em 1875, com um adendo sobre "Helenismo e Pessimismo". Na obra, Nietzsche sustenta que a tragédia grega teria surgido da fusão de dois componentes: o apolíneo, que representava a medida e a ordem, e o dionisíaco, símbolo da paixão vital e da intuição. Em 1879, com a saúde abalada, com crises constantes de cefaleia, problemas de visão e dificuldade para falar, Nietzsche foi obrigado a se aposentar.
Assim Falava Zaratustra (1883)
Em 1883, Nietzsche publicou “Assim Falava Zaratustra”, sua obra mais conhecida, de estilo bíblico e poético, entre o dos pré-socráticos e o dos profetas hebraicos, sob a máscara do lendário sábio persa. Na obra, estão as ideias-chaves do pensamento de Nietzsche: a ideia de Super-Homem, a ideia de Transmutação de Valores, a ideia de Espírito Senhoril e a ideia de Eterno Retorno. Que derrotariam a moral cristã e o ascetismo servil.
Além do Bem e do Mal (1886)
Nietzsche fez da moral e da religião o alvo de seus combates, considerando sua guerra pessoal contra ambos sua maior vitória. Além do Bem e do Mal é o centro dessa guerra, o primeiro livro entre seus escritos negativos e negadores, conforme ele mesmo declara em seu “Ecce Homo” (1888), publicado postumamente.
De um modo geral, na obra “Além do Bem e do Mal”, Nietzsche desenvolve uma verdadeira crítica da filosofia, da religião e da moral, apontando as congruências existentes entre elas.
O Anticristo
Em 1888, Nietzsche iniciou a obra “O Anticristo”, que só foi publicada em 1895, na qual faz uma comparação com outras religiões, criticando com veemência a mudança de foco que o cristianismo opera, uma vez que o centro da vida passa a ser o além e não o mundo presente.
Últimos Anos
A fase criativa de Nietzsche foi interrompida em 03 de janeiro de 1889, quando sofreu um grave colapso nas ruas de Turim e perdeu definitivamente a razão. Ao ser internado na Basileia, foi diagnosticado com paralisia progressiva, provavelmente em consequência da sífilis. Quando um exemplar de sua obra-prima, "Assim Falou Zaratustra", foi colocado diante dele, leu-o durante alguns minutos e disse em seguida: "Não sei quem é o autor deste livro. Mas, pelos deuses, que pensador deve ele ter sido!".
Friedrich Nietzsche faleceu em Weimar, Alemanha, no dia 25 de agosto de 1900.

II- DICIONÁRIO FILOSÓFICO (Tradução de Luís Marques Silva), 1972:
Nietzsche Friedrich (1844-1900). Filósofo idealista alemão, um dos predecessores da ideologia fascista; professor de filologia em Basileia (Suíça, 1869-79), N. formou-se ideologicamente no período em que o capitalismo entrava no seu estádio imperialista; as concepções nietzschianas representam uma reacção do ideário burguês perante a agudização das contradições de classe. A sua concepção do mundo ressuma ódio contra o “espírito de revolução” e as massas do povo. A “escravidão”, segundo Nietzsche, pertence à “essência da cultura”, a “exploração” encontra-se “vinculada à essência de tudo o que é vivo”. Os pensamentos de N. tendem a “conter a torrente da revolução, pelos vistos inevitável”. A partir deste ponto de vista, N. submete a nova valorização os princípios e normas da ideologia burguesa liberal: a filosofia racionalista, a ética tradicional, a religião cristã. Considera que enfraquecem a vontade de luta, que não são idóneos para esmagar o crescente movimento revolucionário e propugna abertamente a substituição de tais princípios e normas pelos do anti-humanismo e anti-democratismo. N. separa taxativamente a ideologia destinada a educar o espírito de submissão dos trabalhadores (“moral dos escravos”) e a ideologia em que se há-de inspirar a educação da “casta de senhores” (“moral dos senhores”), para os quais preconiza um individualismo desenfreado no direito e na moral. Voluntarismo, é a filosofia de N: contrapõe à razão a vontade. Considera que a força motriz universal de desenvolvimento é a “luta pela existência”, que se converte em “vontade de poder”. Face à teoria científica do progresso, apresenta o mito sobre “o eterno regresso de todas as coisas”.

Principais obras: «Assim falou Zaratrusta» (1883-1891): «Para além do bem e do mal» (1886); «A vontade de poder” (editada em 1906).

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