Um livro estranho. Não por me parecer
original, mas por me parecer demasiado insólito e rebuscado e monocórdico, sobretudo
na expressão de um discurso todo ele idêntico, com idênticos rodriguinhos aliteratados
e pretensiosismos filosóficos, ora poéticos, dos vários protagonistas da
intriga, nas suas intervenções pessoais, com que vai alternando o evoluir de
uma acção feita de confidências ora de narrativas pelo narrador heterodiegético,
repegando e aclarando os dados por vezes sublinhados antes, sofisticadamente, em
ziguezagueios estruturais que se vão tornando um hábito entre os nossos romancistas,
para colmatar – quem sabe? - uma certa ausência de criatividade na questão do
enredo, substituindo-a por jeitos construtivos de aparência original, ou por pedantismos de argúcia psicológica, ou mesmo por
uma pieguice tonta na retórica poeticamente simbólica, de coloridos, penugens,
brancuras, passarinhos, a simbolizar a limpidez de alma e a bondade daquela mãe
e esposa primeira, filha sacrificada aos laços parentais, como filha mais velha de
uma família proletária…
De facto, sejam eles a narradora (não
interveniente), a avó (/mãe) Rosalina,
a mãe (/filha) Filomena (Mena), a filha (/neta) Joana e demais personagens masculinos,
todos eles, afinal – exceptuando o vizinho admirador de Rosalina, (representante
da velha escola cavalheiresca masculina do elitismo anterior, como exemplar protocolar
dos tempos da fidalguia), - e exceptuando a última personagem masculina – Miguel
- de uma camaradagem moderna mas salvadora, em simbolismo místico de arcanjo protector
(que, aparentemente, existe para cada ser humano - o que transforma este “romance”
de aparência realista, igualmente em mirífica história infantil das fadas e das
princesas bem ou mal comportadas, e tendo, para além disso, a asa
protectora de uma Rosalina desde sempre sofredora e apaziguadora – a “Terceira
Mãe”, a fada boa – todas as personagens vivendo revoltadamente, ou
amarguradamente, as agruras próprias das vivências de cada uma, condicionadas
por factores políticos ou familiares de incompreensões, de violências, de revoltas próprias.
“A
Terceira Mãe”, um livro de Julieta
Monginho, Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008, com, na badana da direita, dois pequenos textos que me
apraz transcrever, prova da sem-razão provável das minhas reflexões que,
naturalmente, não desejo impor, embora não me coíba de as exprimir, fruto de um
parecer diferente, todavia, e céptico em relação a um prémio que não seria
atribuído, julgo, caso tivesse seguido um parecer político menos adequado ao da
democracia em moda, naturalmente condenatória da política anterior ao 25 de
Abril.
1º TEXTO: «É este o nosso encontro com “A TERCEIRA MÃE”, objecto literário
perfeito no modo como carrega em si uma transparência velada e se torna forma
de dizer para lá dos silêncios que marcam o xadrez das relações e dos afectos.
É este o talento de uma escritora que soube evocar, com as palavras de todos
nós, um mundo onde entramos e nos instalamos para, com Miguel (o Arcanjo) “dividir
infinitos até dar resto zero». - Professora Cristina Robalo Cordeiro – Porta-Voz do
Júri do Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008.
2º TEXTO: «Com uma notável capacidade narrativa, Julieta Monginho põe em “cena”
várias personagens perdidas em relações familiares e afectivas que ora as
atraem, ora as repelem, em que o branco quase nunca é imaculado e o negro não
encerra a escuridão absoluta. A TERCEIRA MÃE (…) inicia-se no princípio do
século XX, quando a moral e os bons costumes impunham uma autêntica ditadura
sobre os corpos e a sexualidade (nomeadamente a feminina), mas evolui até à
nossa época, em que os supostos direitos adquiridos nem sempre significam uma
vida mais fácil ou mais feliz. Uma obra inteligente e de leitura aliciante». Maria
João Martins - Jornal de Letras.
Todavia, mau grado as tais sinuosidades
e paralelismos de escrita generalizantes, de uma aberração monocórdica naturalmente falsa, não deixo de apreciar um jeito de pensamento elegante e
algum sentido de humor neste livro em que condeno, sobretudo, a tal falsidade de
um discurso comum aos vários intervenientes, com sinuosidades e astúcias
verbais, por vezes, outras vezes piegas ou rebuscadamente enriquecidos por
leituras pouco comuns à juventude de hoje – caso de Joana - dos vários
protagonistas de uma acção simbolicamente repartida por três gerações de
mulheres, que se vão libertando das peias educativas, bem representativas dos
tempos que passam.
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