quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Reflexões sobre “A TERCEIRA MÃE”


Um livro estranho. Não por me parecer original, mas por me parecer demasiado insólito e rebuscado e monocórdico, sobretudo na expressão de um discurso todo ele idêntico, com idênticos rodriguinhos aliteratados e pretensiosismos filosóficos, ora poéticos, dos vários protagonistas da intriga, nas suas intervenções pessoais, com que vai alternando o evoluir de uma acção feita de confidências ora de narrativas pelo narrador heterodiegético, repegando e aclarando os dados por vezes sublinhados antes, sofisticadamente, em ziguezagueios estruturais que se vão tornando um hábito entre os nossos romancistas, para colmatar – quem sabe? - uma certa ausência de criatividade na questão do enredo, substituindo-a por jeitos construtivos de aparência original, ou por pedantismos de argúcia psicológica, ou mesmo por uma pieguice tonta na retórica poeticamente simbólica, de coloridos, penugens, brancuras, passarinhos, a simbolizar a limpidez de alma e a bondade daquela mãe e esposa primeira, filha sacrificada aos laços parentais, como filha mais velha de uma família proletária…
De facto, sejam eles a narradora (não interveniente), a avó (/mãe) Rosalina, a mãe (/filha) Filomena (Mena), a filha (/neta) Joana e demais personagens masculinos, todos eles, afinal – exceptuando o vizinho admirador de Rosalina, (representante da velha escola cavalheiresca masculina do elitismo anterior, como exemplar protocolar dos tempos da fidalguia), - e exceptuando a última personagem masculina – Miguel - de uma camaradagem moderna mas salvadora, em simbolismo místico de arcanjo protector (que, aparentemente, existe para cada ser humano - o que transforma este “romance” de aparência realista, igualmente em mirífica história infantil das fadas e das princesas bem ou mal comportadas, e tendo, para além disso, a asa protectora de uma Rosalina desde sempre sofredora e apaziguadora – a “Terceira Mãe”, a fada boa – todas as personagens vivendo revoltadamente, ou amarguradamente, as agruras próprias das vivências de cada uma, condicionadas por factores políticos ou familiares de incompreensões, de violências, de revoltas próprias.
A Terceira Mãe”, um livro de Julieta Monginho, Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008, com, na badana da direita, dois pequenos textos que me apraz transcrever, prova da sem-razão provável das minhas reflexões que, naturalmente, não desejo impor, embora não me coíba de as exprimir, fruto de um parecer diferente, todavia, e céptico em relação a um prémio que não seria atribuído, julgo, caso tivesse seguido um parecer político menos adequado ao da democracia em moda, naturalmente condenatória da política anterior ao 25 de Abril.

1º TEXTO: «É este o nosso encontro com “A TERCEIRA MÃE”, objecto literário perfeito no modo como carrega em si uma transparência velada e se torna forma de dizer para lá dos silêncios que marcam o xadrez das relações e dos afectos. É este o talento de uma escritora que soube evocar, com as palavras de todos nós, um mundo onde entramos e nos instalamos para, com Miguel (o Arcanjo) “dividir infinitos até dar resto zero». - Professora Cristina Robalo Cordeiro – Porta-Voz do Júri do Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008.
2º TEXTO: «Com uma notável capacidade narrativa, Julieta Monginho põe em “cena” várias personagens perdidas em relações familiares e afectivas que ora as atraem, ora as repelem, em que o branco quase nunca é imaculado e o negro não encerra a escuridão absoluta. A TERCEIRA MÃE (…) inicia-se no princípio do século XX, quando a moral e os bons costumes impunham uma autêntica ditadura sobre os corpos e a sexualidade (nomeadamente a feminina), mas evolui até à nossa época, em que os supostos direitos adquiridos nem sempre significam uma vida mais fácil ou mais feliz. Uma obra inteligente e de leitura aliciante». Maria João Martins -  Jornal de Letras.

Todavia, mau grado as tais sinuosidades e paralelismos de escrita generalizantes, de uma aberração monocórdica naturalmente falsa, não deixo de apreciar um jeito de pensamento elegante e algum sentido de humor neste livro em que condeno, sobretudo, a tal falsidade de um discurso comum aos vários intervenientes, com sinuosidades e astúcias verbais, por vezes, outras vezes piegas ou rebuscadamente enriquecidos por leituras pouco comuns à juventude de hoje – caso de Joana - dos vários protagonistas de uma acção simbolicamente repartida por três gerações de mulheres, que se vão libertando das peias educativas, bem representativas dos tempos que passam.

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