Salles
da Fonseca preocupa-se demais com leituras sérias, o que é
admirável, quanto a mim, que as prefiro menos complexas, reconhecendo embora
quanto as noções filosóficas são úteis e resultado da “infinita?” capacidade
humana de criar – sejam conceitos, sejam peças de calçado ou vestuário e por aí
fora. Nunca me esqueço de ouvir dizer ao meu pai – que o leu algures, é certo –
que todas as teorias são, em princípio, boas, criadas para mudar algo que está
mal, ou desgastado, ou menos justo, mas os homens as subvertem, e outros pontos
de vista surgem, a colmatar desvios. O mesmo se dá nas literaturas, na
sequência de escolas literárias, no cansaço da “mesmice”. Daí o título do meu
comentário, um verso de Boileau, com que ele tentou repor um certo equilíbrio
clássico, a contrariar as disformidades do barroco e ainsi de suite, romantismo, parnasianismo, realismo, modernismos…
sempre as reacções a contrariar, por vezes a retomar, dados anteriores, todo o mundo sempre composto de mudança, como frisou Camões,
em soneto célebre, a terminar com a mudança da própria mudança, mas, de certo modo, sempre a andar à roda, repegando... E as filosofias acompanham, naturalmente, a evolução literária, de que, aliás, são
a base.
Como economista, mais prático e
pragmático, portanto, insurge-se S.
F. contra os excessos das ideologias puras, pretendendo fusões e
adaptações de regras e de práticas tendentes a um maior equilíbrio social, a
interpretação “à letra” da filosofia, pelos seus detentores, contendo efeitos
perversos, de destruição das harmonias terrestres…
FILÓSOFOS E ECONOMISTAS
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO06.09.19
NA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
Da edição portuguesa das “Memórias” de Raymond
Aron, pág. 120 e seg., GUERRA & PAZ, Fevereiro de 2018, extraio a
opinião de que…
(…)
Entre uma sociedade comunitária que
se dá a si mesma por valor absoluto e uma sociedade liberal que visa alargar a
esfera da autonomia individual, não há medida comum. A sucessão de uma à outra não lograria ser apreciada
senão por referência a uma norma que deveria ser superior às diversidades
históricas mas tal norma é sempre a projecção hipoestagnada do que um colectivo
particular é ou quereria ser. Ora, a nossa época conhece demasiado a
diversidade que encontra nela própria para cair na ingenuidade dos grupos
fechados, ou para se elevar à confiança daqueles que se comparam com o passado
e com outrem na certeza da sua superioridade.
(…) o progresso só se aprecia em função
de um critério trans-histórico. O «mais»
do saber observa-se, o «melhor» das culturas julga-se – e que juiz é imparcial?
Destaques anteriores da minha
responsabilidade. * * *
Creio que a transcrição anterior é suficiente
para evidenciar a diferença entre a
Filosofia do
Desenvolvimento e a Teoria do Desenvolvimento dado que aquela (a Filosofia) procura (pelos vistos,
debalde) a norma que
deveria ser superior ou o critério trans-histórico que justificasse o processo de desenvolvimento enquanto esta
(a Teoria), perante o impasse filosófico, avançou por raciocínios talvez de
menor elevação mas muito mais pragmáticos, ou seja, pela discussão dos modelos
(quiçá econométricos) e de concepção de estruturas sociais e mesmo políticas. * * *
Primeira observação – O modelo comunitário que se autodefiniu como de mérito absoluto e
definitivo, impediu adaptações às mudanças exógenas, petrificou, rachou e ruiu;
o modelo liberal, descontente consigo próprio devido a méritos mutantes (e,
portanto, relativos), procura adaptações constantes às mudanças endógenas e
exógenas, flexibiliza-se, sobrevive e progride.
Segunda observação - Como somos diferentes, filósofos e economistas, quanto poderíamos
aprender uns com os outros! O problema é que nunca sabemos onde está um
filósofo e só os encontramos tarde, postumamente.
Setembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Adriano Lima 06.09.2019: Caro Dr.
Salles, bem-haja por introduzir este tema, que contém matéria para muita
divagação e opinião. A sua análise merece ser confrontada com outras, mas desde
já lhe digo que concordo com a sua conclusão, embora a afirmação de que só
postumamente encontramos os filósofos nos obrigue a revisitar a definição
genérica de filosofia. Se me permite, cito o caso de Marx. Defensor do
“modelo comunitário”, o seu pensamento faliu precisamente pela incapacidade
congénita de se adaptar às tais mutações naturais do homem, enquanto ser
individual e social, e de sequer as prevenir, ou no mínimo considerar o seu
peso específico na fenomenologia antropológica. Mas não é por a filosofia
de Marx não ter correspondido às suas idealizações (transformar
irreversivelmente a sociedade humana), que o deixamos de lobrigar
(“encontrar”) ou considerar como autor de ideias. Sim, percebo o seu
julgamento póstumo (a falência do seu ideário por o ter congeminado olhando
para um tempo e um espaço delimitados), que considero justo e sem grande
possibilidade de “transitar em julgado”, mas quero crer que Marx ocupa um
lugar na galeria dos pensadores com não menor mérito do que outros filósofos
que ousaram lavrar o chão do absoluto. De resto, creio que Marx procurou
a mediação entre a Filosofia e a Teoria, e talvez aqui resida a razão do
fracasso da sua teoria. Isto leva-nos mais longe, a ponto de perguntar
se a problemática do desenvolvimento e progresso humano não deve limitar-se a
congeminações práticas e mais objectivas sobre o homem tal como é, um ser
frágil e tremendamente sensível às contingências e oscilações do ambiente que o
envolve. A filosofia, segundo julgo, é feudo dos que insistem em
procurar a aspiração do divino num ser como é o Homo sapiens, o que não quer
dizer que não nos comprazamos com os enunciados e os princípios que o
emaranhado das ideias filosóficas nos oferece. Com razão, alguém
considera a filosofia a síntese flutuante das aproximações hipotéticas da
verdade que a ciência procura. Peço desculpas por alguma calinada no que
acabei de dizer, mas a intenção é apenas trocar ideias, não resistindo a este e
outros desafios que o Dr. Salles amiúde nos coloca neste espaço.
Henrique Salles da Fonseca, 06.09.2019: Muito bom! Adoro a
maneira como termina. Helena Salazar
Antunes Morais
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