sábado, 7 de setembro de 2019

“Rien n‘est beau que le vrai”



Salles da Fonseca preocupa-se demais com leituras sérias, o que é admirável, quanto a mim, que as prefiro menos complexas, reconhecendo embora quanto as noções filosóficas são úteis e resultado da “infinita?” capacidade humana de criar – sejam conceitos, sejam peças de calçado ou vestuário e por aí fora. Nunca me esqueço de ouvir dizer ao meu pai – que o leu algures, é certo – que todas as teorias são, em princípio, boas, criadas para mudar algo que está mal, ou desgastado, ou menos justo, mas os homens as subvertem, e outros pontos de vista surgem, a colmatar desvios. O mesmo se dá nas literaturas, na sequência de escolas literárias, no cansaço da “mesmice”. Daí o título do meu comentário, um verso de Boileau, com que ele tentou repor um certo equilíbrio clássico, a contrariar as disformidades do barroco e ainsi de suite, romantismo, parnasianismo, realismo, modernismos… sempre as reacções a contrariar, por vezes a retomar, dados anteriores, todo o mundo sempre composto de mudança, como frisou Camões, em soneto célebre, a terminar com a mudança da própria mudança, mas, de certo modo, sempre a andar à roda, repegando... E as filosofias acompanham, naturalmente, a evolução literária, de que, aliás, são a base.
Como economista, mais prático e pragmático, portanto, insurge-se S. F. contra os excessos das ideologias puras, pretendendo fusões e adaptações de regras e de práticas tendentes a um maior equilíbrio social, a interpretação “à letra” da filosofia, pelos seus detentores, contendo efeitos perversos, de destruição das harmonias terrestres…

FILÓSOFOS E ECONOMISTAS
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO06.09.19
NA FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO
Da edição portuguesa das “Memórias” de Raymond Aron, pág. 120 e seg., GUERRA & PAZ, Fevereiro de 2018, extraio a opinião de que…
(…) Entre uma sociedade comunitária que se dá a si mesma por valor absoluto e uma sociedade liberal que visa alargar a esfera da autonomia individual, não há medida comum. A sucessão de uma à outra não lograria ser apreciada senão por referência a uma norma que deveria ser superior às diversidades históricas mas tal norma é sempre a projecção hipoestagnada do que um colectivo particular é ou quereria ser. Ora, a nossa época conhece demasiado a diversidade que encontra nela própria para cair na ingenuidade dos grupos fechados, ou para se elevar à confiança daqueles que se comparam com o passado e com outrem na certeza da sua superioridade.
(…) o progresso só se aprecia em função de um critério trans-histórico. O «mais» do saber observa-se, o «melhor» das culturas julga-se – e que juiz é imparcial?
Destaques anteriores da minha responsabilidade. * * *
Creio que a transcrição anterior é suficiente para evidenciar a diferença entre a Filosofia do Desenvolvimento e a Teoria do Desenvolvimento dado que aquela (a Filosofia) procura (pelos vistos, debalde) a norma que deveria ser superior ou o critério trans-histórico que justificasse o processo de desenvolvimento enquanto esta (a Teoria), perante o impasse filosófico, avançou por raciocínios talvez de menor elevação mas muito mais pragmáticos, ou seja, pela discussão dos modelos (quiçá econométricos) e de concepção de estruturas sociais e mesmo políticas. * * *
Primeira observaçãoO modelo comunitário que se autodefiniu como de mérito absoluto e definitivo, impediu adaptações às mudanças exógenas, petrificou, rachou e ruiu; o modelo liberal, descontente consigo próprio devido a méritos mutantes (e, portanto, relativos), procura adaptações constantes às mudanças endógenas e exógenas, flexibiliza-se, sobrevive e progride.
Segunda observação - Como somos diferentes, filósofos e economistas, quanto poderíamos aprender uns com os outros! O problema é que nunca sabemos onde está um filósofo e só os encontramos tarde, postumamente.
Setembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Adriano Lima 06.09.2019: Caro Dr. Salles, bem-haja por introduzir este tema, que contém matéria para muita divagação e opinião. A sua análise merece ser confrontada com outras, mas desde já lhe digo que concordo com a sua conclusão, embora a afirmação de que só postumamente encontramos os filósofos nos obrigue a revisitar a definição genérica de filosofia. Se me permite, cito o caso de Marx. Defensor do “modelo comunitário”, o seu pensamento faliu precisamente pela incapacidade congénita de se adaptar às tais mutações naturais do homem, enquanto ser individual e social, e de sequer as prevenir, ou no mínimo considerar o seu peso específico na fenomenologia antropológica. Mas não é por a filosofia de Marx não ter correspondido às suas idealizações (transformar irreversivelmente a sociedade humana), que o deixamos de lobrigar (“encontrar”) ou considerar como autor de ideias. Sim, percebo o seu julgamento póstumo (a falência do seu ideário por o ter congeminado olhando para um tempo e um espaço delimitados), que considero justo e sem grande possibilidade de “transitar em julgado”, mas quero crer que Marx ocupa um lugar na galeria dos pensadores com não menor mérito do que outros filósofos que ousaram lavrar o chão do absoluto. De resto, creio que Marx procurou a mediação entre a Filosofia e a Teoria, e talvez aqui resida a razão do fracasso da sua teoria. Isto leva-nos mais longe, a ponto de perguntar se a problemática do desenvolvimento e progresso humano não deve limitar-se a congeminações práticas e mais objectivas sobre o homem tal como é, um ser frágil e tremendamente sensível às contingências e oscilações do ambiente que o envolve. A filosofia, segundo julgo, é feudo dos que insistem em procurar a aspiração do divino num ser como é o Homo sapiens, o que não quer dizer que não nos comprazamos com os enunciados e os princípios que o emaranhado das ideias filosóficas nos oferece. Com razão, alguém considera a filosofia a síntese flutuante das aproximações hipotéticas da verdade que a ciência procura. Peço desculpas por alguma calinada no que acabei de dizer, mas a intenção é apenas trocar ideias, não resistindo a este e outros desafios que o Dr. Salles amiúde nos coloca neste espaço.

Henrique Salles da Fonseca, 06.09.2019: Muito bom! Adoro a maneira como termina. Helena Salazar Antunes Morais


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