sábado, 21 de setembro de 2019

Gente que sabe escrever


VPV, como sempre, em penadas argumentativas impecáveis, que nos martelam a cabeça sem resultado visível. O texto de Adriano Lima, publicado em “A BIGORNA” de D. Martelo, refere o lamento de Jerónimo de Sousa que também escutei, e apreciei, segundo idêntico sentimento de repúdio, por um homem que está ali há tanto tempo, sem um desvio de linha orientadora, na esperteza, queixosa embora, de manter o seu tapete na sala do governo onde conseguiu figurar, tapete que não deseja perder, se possível transformado mesmo em alcatifa de vasto piso nas próximas legislativas. Adriano Lima traça um retrato firme de um PCP imutável, numa história marxista que foi evoluindo ailleurs. Entretanto, um bravo ao Dr. Mário Centeno que respondeu à letra, figurativamente falando, às alegres e engraçadas provocações de RAP no seu “Gente que não sabe estar”.
I - OPINIÃO:  Diário
VASCO PULIDO VALENTE         PÚBLICO, 21 de Setembro de 2019
O reitor da Universidade de Coimbra resolveu proibir o bife com batatas fritas. Julga ele que isto é ser moderno. Não é. É ser, como de costume, uma universidade submissa aos poderes do dia e servil perante a ideologia dominante. A universidade do dr. Salazar e do almirante Tomás também teria preferido uma feijoada, para não “vir nos jornais”.
15 de Setembro: A unanimidade portuguesa não é um defeito, é um destino.
16 de Setembro: Os jornalistas e os comentadores da nossa praça queriam por força ter um assunto de conversa e, por isso, resolveram achar que Rui Rio tinha “ganho” o debate. Na medida em que “ganhar” ou “perder” nestes debates faz algum sentido, e não faz nenhum, acho precisamente o contrário. António Costa foi o primeiro-ministro atencioso e condescendente e deixou Rui Rio fazer o seu número. Apesar da calma e das boas maneiras, o debate acabou por tocar, e talvez por acaso, na questão essencial. Quase no fim, Rui Rio desabafou: a despesa pública continua a aumentar em percentagem do PIB e os impostos aumentam atrás dela, e este mecanismo infernal tem de parar. Ao que Costa respondeu que isso era uma questão de fé. Exacto. Também é o que divide, e em Portugal sempre dividiu, a esquerda e a direita.
17 de Setembro: De facto, a emigração continua. Os contribuintes portugueses bem podem gastar o seu dinheiro a educar especialistas portugueses. O mercado de trabalho não é nacional e a Europa oferece melhores salários e mais oportunidades. Este é um ponto importante sobre o qual os “europeístas” nunca falam. Só que um dia podemos acordar como um país lateral de serviços turísticos e negócios de imobiliário.
18 de Setembro: Jorge Sampaio fez oitenta anos. Houve grandes comemorações. Mas, para mim, tudo foi um grande equívoco. O Jorge Sampaio que eu comemoro não é o Presidente da República, nem o secretário-geral do PS: é o secretário-geral da RIA e o homem do MAR, que foi a esperança de uma geração, a minha, e que nunca será esquecido por ela.
19 de Setembro: Quarta eleição legislativa em quatro anos. A situação da Espanha é uma história cautelar para Portugal. Se, por acaso, o Bloco de Esquerda tivesse algum dia a força eleitoral do Podemos, o sistema político português seria subvertido e, no dia 7 de Outubro, António Costa estaria a explicar a Catarina Martins por que razão ela não devia ser vice-primeira-ministra.
20 de Setembro: Já estava à espera que aparecesse um qualquer caso judicial para entreter a populaça nos últimos dias da campanha. Agora, foi um secretário de Estado arguido no caso das “golas anti-fumo”. Mas bastou isso para o noticiário político reverter durante quarenta e oito horas para um noticiário policial. O jornalismo português é uma desgraça.
Colunista
II- OS MITOS REVOLUCIONÁRIOS
ADRIANO LIMA in «A BIGORNA» de DAVID MARTELO (email)
O secretário-geral do Partido Comunista afirmou recentemente que foi preciso ter “paciência revolucionária” no decurso destes quatro anos de negociações com o Partido Socialista, no quadro da legislatura que está a chegar ao fim. Embora isso, o secretário-geral deve, no fundo, estar ufano da sua “paciência revolucionária” porque ela teve o mérito de viabilizar uma solução governativa única e inédita na Europa nestes tempos que correm. E com resultados em que muitos observadores da cena nacional não acreditavam, ou porfiavam em não acreditar, tanto que o anterior líder do PSD a considerava via certa e segura para diabo voltar a assombrar as nossas vidas. Mas enganou-se completamente porque o actual governo teve prodígios de exorcismo que o devem ter surpreendido, mais ainda quando foi ele que, enquanto governo, quebrou conscientemente o pote da água benta protectora. Contudo, aquela afirmação de Jerónimo de Sousa suscitou-me esta pergunta: Que é feito dos mitos revolucionários, o que verdadeiramente deles sobra? Hoje, olha-se para a turbulência política e social que eclode em alguns lados e constata-se que o fenómeno há muito deixara de ser inspirado e impulsionado pelas doutrinas revolucionárias de Marx, Lenine ou Mao, valendo-se mais de ideias nacionalistas retrógradas ou rebuscadas e sem um projecto imbuído de uma nova filosofia política. O fenómeno dos “Coletes Amarelos” de França poderá ter algo de comum com o “Movimento de Maio de 68” em “inorganicidade”, ambos escapando ao controlo das estruturas partidárias identificadas com a esquerda revolucionária e tradicional e as organizações sindicais instituídas. No entanto, o “Movimento de Maio de 68” era tributário de ideias esquerdistas, comunistas trotskistas ou anarquistas, ainda que numa amálgama difusa, no seu propósito de sacudir os valores da “velha sociedade”, reivindicando uma nova ordem social, em especial sobre a educação e os costumes. Constata-se que pouco ou nada sobrou de palpável do esboço ideológico que se possa vislumbrar naquele movimento francês. Muitos dos fiéis do Trotskismo converteram-se à Social-democracia e ao Neoliberalismo puro e duro. Deste modo, louve-se ao menos o Partido Comunista português pela sua persistência em acreditar ainda num mito revolucionário cujas bandeiras se esfrangalharam um pouco por todo o lado onde se ousou hasteá-las com ímpeto e sobranceria. A implosão da União Soviética foi o estilhaçar do que há muito vinha sendo colado com cuspo. A essência da teoria de Marx reside na união inseparável da teoria à prática e assim imaginou um mundo sem burguesia e governado pela ditadura do proletariado. Mas Lenine não julgou procedente que a ditadura do proletariado (operários e camponeses) se exercesse sem uma “guarda avançada”, ou seja, sem o Partido, organização centralizada e tida como a única capaz de intuir e gizar as estratégias para atingir os “objectivos finais”: uma sociedade sem 2 classes e plena de prosperidade económica. Pois, Lenine, um revolucionário absoluto, realista, inflexível e fanático, sublinhou que o marxismo era “um guia para a acção” e não um conjunto de dogmas e que só à prática competia destilar e apurar o critério da verdade. Com o Partido de novo tipo, doutrinado, os quadros seriam doravante formados para se apoderarem do poder e conservá-lo. O Leninismo, variante do culto da personalidade, atingiu o paroxismo no pior sentido com Estaline, e as suas ideias foram-se desvanecendo com o tempo, muito devido à falta de fidelidade dos seus sucessores, Estaline, Kruschev e Brejenev, que se interessaram mais com a sua sobrevivência política ancorados na rígida burocracia do Estado do que com a consecução dos tais “objectivos finais”. Entretanto, os “traidores e revisionistas” tiveram de ser tolerados quando os partidos comunistas europeus enveredaram pelo eurocomunismo, uma reinterpretação que dava coloração mais acentuada ao seu nacionalismo do que ao internacionalismo soviético (com excepção do português, claro, que se alapou sempre à ortodoxia soviética). Posteriormente, o eurocomunismo iria adoptar algumas posições mais liberais para não perder força, renunciando mesmo à criação de uma sociedade sem classes. Os defensores dessa “heresia comunista” apoiaram-se em Engels, companheiro de Marx, que, nos últimos anos de vida, aceitou que os comunistas acedessem ao poder pela via democrática em países de democracia parlamentar. Foi assim que os secretários-gerais dos partidos comunistas da Europa Ocidental − Carrillo (Espanha), Berlinguer (Itália), Marchais (França) e Cunhal (Portugal) − discutiram o eurocomunismo, ou socialismo de rosto humano, em que todos se distanciaram do comunismo soviético, à excepção de Cunhal. Tudo foi tragado pelo tempo e jaz num canto do baú da História. É o destino do que é ordem imaginada e não ordem natural. As doutrinas políticas e religiosas não passam de produto da imaginação humana – mitos – reflectindo crenças, sonhos e ideais, mas tão frágeis e voláteis quanto precária e efémera é a existência humana. Jamais podem reclamar a condição de ordem estável como é, por exemplo, a gravidade, a força que nos mantém presos à terra. E, sendo assim, importa perguntar se nos fazem falta os mitos revolucionários ou se é necessário reinterpretá-los para lhes imprimir uma feição e uma pulsão mais condizentes com a actualidade. Sim, vivemos num tempo em que a ciência e a produção modernas deram aos trabalhadores não somente uma melhor existência e qualidade de vida mas, sobretudo, a possibilidade de adquirir maior liberdade, mãe do progresso pela expansão que permite ao espírito e à criatividade. É possível que Marx exteriorizasse outra visão da realidade se vivesse nos nossos tempos, pelo que, só por isso, é imprudente deitar para o caixote de lixo da História o manancial das suas ideias. No entanto, se a nostalgia dos mitos revolucionários e da unidade ideológica pode ocupar os cenáculos da história das ideias e embevecer os que vivem ainda do seu culto, jamais pode estorvar o pensamento livre e a via para o progresso humano. Tomar, Set. 19

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