Um historiador que parece fidedigno, Rui Tavares. Mas não deixam de ser curiosos os
artifícios que presidem a escolhas para o novo mandato europeu, segundo o
relato vivido pelo relator, mesmo - ou “talvez” - por ser amigo da nossa Elisa Ferreira. O espírito clubístico não morre nunca,
pelo menos cá.
OPINIÃO:
CONSOANTE MUDA
A Comissão von der Orwell
António Costa deixou que Orbán vetasse
quem quisesse no Conselho Europeu, mas aprovou à primeira o nome de que Orbán
gostava.
RUI TAVARES
PÚBLICO, 11/9/2019
Nem
sei por onde começar esta crónica, de tal forma as notícias sobre a nova
Comissão Europeia são más. Começo então pelo início. Nunca me cheirou bem o
processo de nomeação de Ursula von der Leyen para presidente da
Comissão Europeia, passando
por cima de candidatos que tinham sido apresentados aos eleitores nas eleições
europeias de Maio passado. Achei inacreditavelmente ingénuo o apoio que
António Costa deu a esta solução depois de von der Leyen ter
feito aos socialistas umas quantas promessas que não conseguirá cumprir,
porque estão bloqueadas no Conselho e não na Comissão. Mas talvez estivesse eu
errado, quem sabe? Pois bem, agora começamos a saber. O odor desta nova
comissão não melhorou. Pelo contrário, está a tornar-se insuportável. E António
Costa tem culpas no cartório.
Ao serem
revelados os nomes dos novos comissários, em conjunção com os seus
portefólios, as primeiras reacções foram de estupefacção com o nome do portefólio
do grego Margaritis Schinas (ele próprio um ex-funcionário da Comissão
que passa directamente a político, um sinal que não me parece de bom agouro). A
pasta do Sr.
Schinas chama-se “Proteger o Nosso Modo de Vida na UE”,
o que parece um título acabadinho de sair do “Ministério dos Andares
Esquisitos” dos Monty Python. O pior é que o nome não é só ridículo, mas
hipócrita, uma vez que o conteúdo da pasta será o dos controles migratórios, ou
como alguém dizia o de “impedir que outras pessoas possam aceder ao nosso modo
de vida na UE”. Na pior tradição do «1984» de George Orwell, no qual o
Ministério da Verdade propagandeava mentiras e o Ministério da Paz fazia a
guerra, os nomes das pastas nesta nova Comissão Europeia significam o contrário
das suas funções.
Mas há pior. Von der Leyen inventou outra nova pasta — que
alcandorou a Vice-Presidência da Comissão! — chamada “Democracia e
Demografia” e entregou-a à comissária croata Dubravka Šuica, que enquanto
eurodeputada votou contra as acções do Parlamento Europeu em respostas às violações
do estado de direito na Hungria. Eis como justificou então a
nova comissária o seu voto: “votámos contra porque a Hungria é um país
vizinho com o qual queremos ter boas relações de vizinhança”. Nenhuma
consideração dada ao respeito pela lei nem aos valores expostos no artigo 2 do
Tratado da União Europeia: respeito pela dignidade humana, liberdade,
igualdade, democracia, estado de direito, e respeito pelos direitos
humanos, incluindo das pessoas oriundas de minorias. Tudo isso esquecido em
nome das boas relações de vizinhança. Em condições normais poderíamos perguntar-nos
que diabo faz uma aliada de Orbán sequer a quilómetros de distância de qualquer
pasta europeia que tenha a ver com democracia, mas estas não são condições
normais. Ela está ali precisamente porque é aliada de Orbán, e a bizarra
conjunção de temas no nome da sua pasta, “democracia e demografia”, é música
para os ouvidos da extrema-direita que Orbán representa no Partido Popular
Europeu.
Mas infelizmente há pior. O
ex-ministro da justiça de Orbán, László Trocsany,
que superintendeu aos piores ataques de que há memória na UE contra a
independência do judiciário e a separação de poderes, viu ser-lhe atribuída a
pasta do alargamento da UE. Sem dúvida que nas suas viagens à Sérvia, ao Kosovo
ou à Turquia os oligarcas e autocratas locais vão prestar imensa atenção às
admoestações que ele tiver a fazer-lhes sobre a luta contra a corrupção e o
respeito pelo estado de direito! Se Trocsany for bem sucedido e alguns desses
países entrarem na UE, tal não se fará com condições exigentes de respeito
pelos valores do estado de direito democrático, mas antes como uma série de
mini-Orbanistões a franquear as portas da UE para a destruírem por dentro.
Brilhante para uma comissão que tem um portfólio para “proteger o nosso modo de
vida na UE”.
Depois
deste desfile de horrores, depois dos comissários-funcionários com
pastas de nomes orwellianos, depois das vice-presidentes dispostas a
esquecer os princípios em troca das boas relações de vizinhança que ficam
responsáveis pela pasta da democracia, depois da linguagem fascizóide usada
negligentemente para agradar aos maluquinhos da teoria da substituição de
populações, depois das palavras “ciência” e “investigação” que desaparece do
portfólio que agora se chama da “inovação e juventude”, depois dos ministros da
Justiça que destruíram a independência dos tribunais a serem premiados com a
avaliação das condições de entrada de novos membros no clube, vem… Elisa Ferreira no fundo da lista do novo organograma da Comissão,
longe das vice-presidências e dos lugares de importância constitucional.
Além de amigo de Elisa Ferreira, sou admirador do seu trabalho na
política europeia e acho que ela merecia uma pasta decisiva na nova Comissão.
Que ela tenha ficado atrás de todos os aliados de Orbán diz tudo sobre como foi
mal gerido o processo da nova Comissão Europeia por parte do governo português.
António Costa deixou que Orbán vetasse quem quisesse no Conselho Europeu, mas
aprovou à primeira o nome de que Orbán gostava. Depois deixou-se convencer com uma mão-cheia de
promessas vazias por von der Leyen e apoiou-a no Twitter, dando-lhe os votos
dos nove eurodeputados socialistas portugueses que constituíram a reduzida
margem com que ela passou no Parlamento Europeu. E agora desejou para Elisa
Ferreira uma pasta da coesão onde ela terá de ser muito cuidadosa para não
beneficiar Portugal e das reformas onde terá de ser muito cuidadosa para não
nos prejudicar.
Quando
tudo isto começou, alguns comentadores explicaram-nos pacientemente que von
der Leyen era uma verdadeira europeísta, que Costa tinha saído do Conselho
Europeu com uma vitória e que Orbán estava apenas a cantar de galo. Com a
lista dos futuros comissários apresentada vemos agora quem foi de facto o
ganhador no Conselho. O Parlamento Europeu deveria rejeitar o colégio de
comissários e pôr o contador a zeros antes que esta “Comissão von der Orwell”
destrua o projecto europeu para as próximas décadas.
Historiador;
fundador do Livre
COMENTÁRIOS
FPS, 11.09.2019: Palavras escritas, a que vou ficar
atento no futuro... fazendo votos que Rui Tavares esteja enganado. Mas pela sua
costumada seriedade intelectual, temo que não!
José Teixeira, 11.09.2019: Ops! Parece-me um ataque muito grave de Rui Tavares à
presidente da comissão, que é uma mulher, e as mulheres são santas e oprimidas
e os homens brancos heterossexuais estão sempre a criticá-las como é o caso de
Rui Tavares aqui. Muito grave! Margarida Paredes, anda cá ver isto! Ó da
guarda!
Leitor Registado, 11.09.2019: A Margarida e o RT não são a mesma pessoa? Se não são...parecem....tal
é o amém da Margarida aos artigos do RT.
Fowler Fowler, 11.09.2019: Parece-me que o sr. Rui “Elvtárs” está manifestamente
a exagerar. Responder
Bertold, 11.09.2019: Nesta fase de crise, não é mau tudo o que possa trazer
para a defesa da Europa pessoas hesitantes e de meias-tintas. Com mais
responsabilidades serão mais nítidas e claras e ganha-se com isso. De nada
serve meter pessoas simpáticas, se calhar apenas ao RT, mas sem poder efectivo.
Antonio Leitao, 11.09.2019: Muitos comentários insurgem-se contra RT defendendo a
legalidade do processo. Porém não é de legalidade que RT fala: é de política. E
se o que diz é verdade, há duas conclusões a tirar daqui: primeiro, Costa ficou
a ver navios em todo o processo, enfiou a carapuça e foi para casa. Segundo: a
direita europeia continua a guinar para o extremo, e não para o centro, talvez
com a esperança de poder vir a domesticar uma besta que lhe escapará, como a
história mostra, ao controlo. A coragem que a Comissão já teve, na UE,
esboroa-se tanto através da mediocridade das escolhas, das suas preferências
políticas anti-democráticas e da fantasiosa nomenclatura das pastas que têm.
Leitor Registado, 11.09.2019: “Nunca me cheirou bem o processo de nomeação de Ursula
von der Leyen para presidente da Comissão Europeia, passando por cima de
candidatos que tinham sido apresentados aos eleitores nas eleições” Deve ser
por isso, que as pessoas que apoiam este raciocínio também sempre afirmam
““Nunca me cheirou bem o processo de nomeação de Conte para PM, passando por
cima de candidatos que tinham sido apresentados aos eleitores nas eleições”
TM, 11.09.2019: Ora nem mais!
RT
evidencia um ressabiamento brutal...nada de novo.
Joao, 11.09.2019: Ah Ah meu caro Tavares eu não dou para este peditório
... já há anos me cheira mal, mas mesmo mal. Nem sabia os pormenores de que o
caro fala, nem precisaria de saber pois já há muito me cheirava mal como a
potassa.
Ah
Ah também gostei dessa que gosta de ter boas relações com a vizinhança ... as
emoções estão sempre antes do raciocínio ... e já agora saliento que a Ursula,
sendo claro igual aos outros ratos senão não era nomeada, com 7 filhos alguma
visão diferente deveria ter tido em tempos, oxalá não a tenha perdido já.
Choninhas
Chanfrado - prof. Catedrático em New Iorque (exatamente 3 cátedras) 11.09.2019 09: A UE é uma ditadura que não tem por missão alegrar Rui
Tavares. Existem uns vídeos no YouTube que explicam isso muito bem.
Bertold, 11.09.2019: Imagino que o autor desses videos seja Trump ... Só
por essa frase perde uma cátedra, Sr. Choninhas. Mas 2 chegam...
OldVic, 11.09.2019: Meu caro, vocês começaram uma guerra contra o sistema
dos "Spizenkandidaten" quando não gostaram de Manfred Weber, proposto
pelo bloco mais votado. Perderam? Temos pena. O que eu me recuso a engolir é a
vossa recusa implícita de responsabilidade na situação actual. Compraram um
combate que julgavam vencer à revelia do voto popular; aprendam com o erro, e
para a próxima respeitem a democracia que agora consideram estar em perigo.
TM, 11.09.2019: E o Livre nem sequer foi eleito para o
Parlamento Europeu!
TM, 11.09.2019 Cabe ao Parlamento Europeu escrutinar e
recusar os novos nomes. É para isso que serve o órgão eleito diretamente pelos
cidadãos! Não haverá vida fácil para esses novos nomes que refere pode ter a
certeza! E já houve no passado Comissários que não foram aprovados!
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