Pedir a maioria absoluta, como se
estivéssemos na tal ditadura, credo! Mas ele não precisa de pedir, está visto,
que tem um público que nele se revê, pois conseguiu equilibrar as políticas,
cedendo aqui – à esquerda apoiante, seu arrimo, que sustentou com migalhas para
o vistão da generosidade desses - de meneio sorridente o Bloco, de cariz trágico e enfermiço o PC, botando ambos faladura dadivosa por
conta da sua irresponsabilidade real de mando, limitado à participação vistosa chantagista,
a mais fácil, a que Costa foi cedendo, obrigado a aumentar impostos, coitado,
por conta do apoio dos parceiros exigentes – trocos, que o público pagante
pagou sem bufar, ou bufando como sempre, rezingão e manso. E A. Costa assim se
apresentou, firme e lúcido, nos debates, irradiando simpatia, pelo menos
inicialmente, à esquerda como à direita, que até nos deixou preocupados, não
estivesse ele debilitado na saúde. Mas o que é demais é moléstia, e arrebitou,
com as investidas finais dos participantes, chamados a participar. É isso o que
bem explica José Manuel
Fernandes, em revisão de dados históricos, necessários à
composição do retrato. Quanto a mim, Costa tem razão,
como o provérbio indica: Mais vale só do que mal acompanhado. Afinal, somos um
povo dócil, António Costa sabe-o bem,
e conta connosco.
A estratégia de sonso para chegar à
maioria absoluta /premium
OBSERVADOR, 25/9/19
Os
portugueses não querem uma maioria absoluta mas o PS quer desesperadamente o
poder absoluto. Só que quer chegar lá de mansinho, para não darmos por isso,
com aquela sonsice a que Costa nos habituou.
Como
os tempos mudam! No início de 2001, era António Guterres
primeiro-ministro e começavam a acumular-se os sinais de crise, lembro-me de
lhe ter perguntado porque não avançava com algumas das reformas que sabia serem
necessárias. Enterrado numa poltrona da sala onde me recebera em São Bento,
respondeu-me com um misto de desalento e crispação: “Os portugueses têm de
compreender que há um preço a pagar quando um governo não dispõe de maioria
absoluta”.
Estávamos
na legislatura dos 115-115, a legislatura dos orçamentos do queijo limiano,
a legislatura que terminaria uns dez meses depois desta conversa com esse
mesmo António Guterres a demitir-se para, como disse então, evitar que o país
caísse “num pântano político”. A tal legislatura que começara com
umas eleições que o PS vencera folgadamente, depois de uma campanha em que o
seu líder nunca quisera pedir a maioria absoluta, mesmo sendo esse o seu
objectivo assumido.
20
anos depois outro líder do PS parte para mais uma campanha em que fará tudo
para chegar à maioria absoluta ao mesmo tempo que quase jura que não a deseja,
pois até já chegou ao ponto de afirmar que os “portugueses têm más memórias das
maiorias absolutas“. E de facto parecem ter, pois todas as sondagens
indicam que a maioria dos entrevistados não deseja que saia qualquer maioria absoluta
das próximas eleições – nem sequer os eleitores do PS apoiam essa ideia.
Aparentemente
há semelhanças entre a estratégia de Guterres em 1999 e a de Costa em 2019, já
que ambos sabem estar perto da maioria absoluta, ambos a desejam, mas ambos
optam por não a pedir. Mas essas semelhanças são superficiais e enganam.
Em 1999 Guterres não queria pedir a
maioria absoluta porque achava que isso o colava à “arrogância” de Cavaco;
Costa não pede a maioria porque sabe que os portugueses não a desejam.
Em 1999 Guterres desejava a maioria
absoluta para executar um projecto que tinha para o país, concordasse-se ou não
com ele; em 2019 o único projecto de Costa continua a ser o manter-se no poder
e navegar à vista.
Por
isso se em 1999 Guterres pecou por timidez e falta de ambição, em 2019 a aposta
de Costa é outra: é fazer de morto e ganhar o campeonato dos sonsos.
Por outras palavras: ele não quer que os portugueses compreendam o preço de não
dar a um partido a maioria absoluta, ele quer que os portugueses estejam
suficientemente distraídos para ele chegar à maioria absoluta como quem não
quer a coisa. Ele não quer entrar pela porta da frente, quer entrar pela porta
dos fundos. É de resto a sua especialidade, como bem sabemos.
É por isso que foi muito interessante
assistir à maratona de debates das últimas duas semanas. E ver como António
Costa preferiu por regra responder aos ataques dos seus adversários em vez de
ser ele a conduzir as discussões para os terrenos que lhe fossem mais
favoráveis. Houve debates que foram mesmo quase conversas de café (como o
primeiro de todos, com Jerónimo de Sousa) e outros onde claramente o
primeiro-ministro necessitou de uma segunda oportunidade para contra-atacar
(como sucedeu com Rui Rio, no último dia). Só mesmo no fim, no derradeiro
debate a seis para a rádio, o verniz estalou a sério, mas também foi nessa
altura que o aperto foi maior.
O que se compreende: António
Costa não quer desafivelar o seu sorriso nem pode arreganhar o dente se quiser
continuar a passar pelo “santo pacificador” que fala com todos, se entende com
todos e, por isso, com todos continuará a falar e a negociar no dia seguinte a
6 de Outubro.
Há
quatro anos, quando andou pelo país em campanha, percebeu que ia perder as
eleições quando encontrou por todo o lado portugueses que não se tinham
esquecido da bancarrota de Sócrates. As “contas certas” de Centeno foram e
são o antídoto para ultrapassar essa memória.
Mas nestes meses que não deixou de andar por aí só pode ter
percebido que entretanto cresceu a percepção de um “PS dono disto tudo”,
nepotista e clientelar, um partido já com demasiados tentáculos e a quem se
teme entregar todo o poder.
É
por isso que sabe que não pode pedir a maioria absoluta. O problema não são as
más memórias do passado – é mesmo o medo deste presente,
deste PS, destas famílias, destes negócios.
É por isso que mais uma vez faz todo
o sentido o cordeirinho que nos apareceu nos debates, o Costa quase bonacheirão
que só para o final mostrou uma combatividade que, de tão tardia, até pareceu
deslocada.
E
depois, para que quer Costa a maioria absoluta? Em nome da estabilidade? Teve-a
esta legislatura. Para prosseguir um sonho, um projecto de mudança, uma
ambição? Não tenho memória de um programa do PS tão “mais do mesmo” e sem
sequer assegurar que haverá recursos para cumprir o que promete.
Mas
isso nem importa muito porque ninguém lê os programas e julgo que Costa já
percebeu que os portugueses, bem lá no fundo, não desejam mais do que desejavam
no tempo de Salazar – “viver habitualmente” –, só que assumir tal falta de
ambição também não é coisa que chegue para pedir uma maioria absoluta.
Por isso antes chegar lá sendo sonso
e tratado de nos apanhar distraídos. Afinal de contas já funcionou uma vez, e
foi só há quatro anos.
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