quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Parece mal, obviamente



Pedir a maioria absoluta, como se estivéssemos na tal ditadura, credo! Mas ele não precisa de pedir, está visto, que tem um público que nele se revê, pois conseguiu equilibrar as políticas, cedendo aqui – à esquerda apoiante, seu arrimo, que sustentou com migalhas para o vistão da generosidade desses - de meneio sorridente o Bloco, de cariz trágico e enfermiço o PC, botando ambos faladura dadivosa por conta da sua irresponsabilidade real de mando, limitado à participação vistosa chantagista, a mais fácil, a que Costa foi cedendo, obrigado a aumentar impostos, coitado, por conta do apoio dos parceiros exigentes – trocos, que o público pagante pagou sem bufar, ou bufando como sempre, rezingão e manso. E A. Costa assim se apresentou, firme e lúcido, nos debates, irradiando simpatia, pelo menos inicialmente, à esquerda como à direita, que até nos deixou preocupados, não estivesse ele debilitado na saúde. Mas o que é demais é moléstia, e arrebitou, com as investidas finais dos participantes, chamados a participar. É isso o que bem explica José Manuel Fernandes, em revisão de dados históricos, necessários à composição do retrato. Quanto a mim, Costa tem razão, como o provérbio indica: Mais vale só do que mal acompanhado. Afinal, somos um povo dócil, António Costa sabe-o bem, e conta connosco.

A estratégia de sonso para chegar à maioria absoluta /premium
OBSERVADOR, 25/9/19
Os portugueses não querem uma maioria absoluta mas o PS quer desesperadamente o poder absoluto. Só que quer chegar lá de mansinho, para não darmos por isso, com aquela sonsice a que Costa nos habituou.
Como os tempos mudam! No início de 2001, era António Guterres primeiro-ministro e começavam a acumular-se os sinais de crise, lembro-me de lhe ter perguntado porque não avançava com algumas das reformas que sabia serem necessárias. Enterrado numa poltrona da sala onde me recebera em São Bento, respondeu-me com um misto de desalento e crispação: “Os portugueses têm de compreender que há um preço a pagar quando um governo não dispõe de maioria absoluta”.
Estávamos na legislatura dos 115-115, a legislatura dos orçamentos do queijo limiano, a legislatura que terminaria uns dez meses depois desta conversa com esse mesmo António Guterres a demitir-se para, como disse então, evitar que o país caísse “num pântano político”. A tal legislatura que começara com umas eleições que o PS vencera folgadamente, depois de uma campanha em que o seu líder nunca quisera pedir a maioria absoluta, mesmo sendo esse o seu objectivo assumido.
20 anos depois outro líder do PS parte para mais uma campanha em que fará tudo para chegar à maioria absoluta ao mesmo tempo que quase jura que não a deseja, pois até já chegou ao ponto de afirmar que os “portugueses têm más memórias das maiorias absolutas“. E de facto parecem ter, pois todas as sondagens indicam que a maioria dos entrevistados não deseja que saia qualquer maioria absoluta das próximas eleições – nem sequer os eleitores do PS apoiam essa ideia.
Aparentemente há semelhanças entre a estratégia de Guterres em 1999 e a de Costa em 2019, já que ambos sabem estar perto da maioria absoluta, ambos a desejam, mas ambos optam por não a pedir. Mas essas semelhanças são superficiais e enganam.
Em 1999 Guterres não queria pedir a maioria absoluta porque achava que isso o colava à “arrogância” de Cavaco; Costa não pede a maioria porque sabe que os portugueses não a desejam.
Em 1999 Guterres desejava a maioria absoluta para executar um projecto que tinha para o país, concordasse-se ou não com ele; em 2019 o único projecto de Costa continua a ser o manter-se no poder e navegar à vista.
Por isso se em 1999 Guterres pecou por timidez e falta de ambição, em 2019 a aposta de Costa é outra: é fazer de morto e ganhar o campeonato dos sonsos. Por outras palavras: ele não quer que os portugueses compreendam o preço de não dar a um partido a maioria absoluta, ele quer que os portugueses estejam suficientemente distraídos para ele chegar à maioria absoluta como quem não quer a coisa. Ele não quer entrar pela porta da frente, quer entrar pela porta dos fundos. É de resto a sua especialidade, como bem sabemos.
É por isso que foi muito interessante assistir à maratona de debates das últimas duas semanas. E ver como António Costa preferiu por regra responder aos ataques dos seus adversários em vez de ser ele a conduzir as discussões para os terrenos que lhe fossem mais favoráveis. Houve debates que foram mesmo quase conversas de café (como o primeiro de todos, com Jerónimo de Sousa) e outros onde claramente o primeiro-ministro necessitou de uma segunda oportunidade para contra-atacar (como sucedeu com Rui Rio, no último dia). Só mesmo no fim, no derradeiro debate a seis para a rádio, o verniz estalou a sério, mas também foi nessa altura que o aperto foi maior.
O que se compreende: António Costa não quer desafivelar o seu sorriso nem pode arreganhar o dente se quiser continuar a passar pelo “santo pacificador” que fala com todos, se entende com todos e, por isso, com todos continuará a falar e a negociar no dia seguinte a 6 de Outubro.
Há quatro anos, quando andou pelo país em campanha, percebeu que ia perder as eleições quando encontrou por todo o lado portugueses que não se tinham esquecido da bancarrota de Sócrates. As “contas certas” de Centeno foram e são o antídoto para ultrapassar essa memória.
Mas nestes meses que não deixou de andar por aí só pode ter percebido que entretanto cresceu a percepção de um “PS dono disto tudo”, nepotista e clientelar, um partido já com demasiados tentáculos e a quem se teme entregar todo o poder.
É por isso que sabe que não pode pedir a maioria absoluta. O problema não são as más memórias do passado – é mesmo o medo deste presente, deste PS, destas famílias, destes negócios.
É por isso que mais uma vez faz todo o sentido o cordeirinho que nos apareceu nos debates, o Costa quase bonacheirão que só para o final mostrou uma combatividade que, de tão tardia, até pareceu deslocada.
E depois, para que quer Costa a maioria absoluta? Em nome da estabilidade? Teve-a esta legislatura. Para prosseguir um sonho, um projecto de mudança, uma ambição? Não tenho memória de um programa do PS tão “mais do mesmo” e sem sequer assegurar que haverá recursos para cumprir o que promete.
Mas isso nem importa muito porque ninguém lê os programas e julgo que Costa já percebeu que os portugueses, bem lá no fundo, não desejam mais do que desejavam no tempo de Salazar – “viver habitualmente” –, só que assumir tal falta de ambição também não é coisa que chegue para pedir uma maioria absoluta.
Por isso antes chegar lá sendo sonso e tratado de nos apanhar distraídos. Afinal de contas já funcionou uma vez, e foi só há quatro anos.

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