terça-feira, 3 de setembro de 2019

O “In Memoriam” da Paula a um amigo



As notícias são profusas na Internet, sobre a morte de Carlos Carranca (1957 – 2019), mas a sua doença era referida várias vezes, pelo telefone, com as lágrimas da Paula sempre. Um dia fez-nos escutar, no café, a gravação de uma homenagem feita pelos alunos daquele, lá em baixo, no exterior do Hospital, quando ele caiu doente, e usaram processos mecânicos de lhe fazer chegar o som, com ele à janela do Hospital, muito lá em cima, os portáteis de hoje permitindo a fixação das memórias. Também o conheci, num outrora alegre e sem doença, ao lado da sua mulher Rosa, colega da Paula e da Binha, Mulher encantadora, a Rosa, espirituosa, doce e alegre que, com a Irene, outra colega da Paula, criavam um bem-estar de graças, na casa da Paula, que recordo sempre com prazer. O Tempo se encarregou de desfazer essa harmonia, ameaçador sempre, por vezes mais precipitado nas suas medições das vidas, e assim nos faltou o Carranca, hospitalizado e sempre acompanhado pela sua Companheira da vida que tanta falta faria às companheiras da Escola. A Paula mandou-me o texto que enviou à Rosa, e eu guardo-o no meu blog, como preciosidade de Amor real, sem as marcas usuais da convenção que os eventos fúnebres favorecem: a família esmerara-se em transformar o passamento do Homem amado, numa festa de alegria, que os alunos e amigos tão expressivamente traduziram.
Só desejo que a Rosa – a Rosinha – retome breve a sua estrada anterior, na sua Escola, e na Vida própria, num contributo humano bem raro e tão necessário sempre, na sua eficiência de qualidade intelectual e humana que todos lhe reconhecem.

Ao Carlos Carranca, à Rosinha, ao Miguel, ao João, Leonor e Afonso
Que linda cerimónia, que grande homenagem! Abriu com a Rosinha a dizer “O meu amor é marinheiro e mora no alto mar…”. Um antigo aluno, Ruben Chama, pegou-lhe na comoção final e apresentou, comovido, o Carlos. A voz do Carlos, em registo espalhado por este mundo virtual, fez-se ouvir, através de um computador, em “Tenho barcos, tenho remos…” e a voz do padre, pontuando as manifestações que se iam intercalando, disse a sua missa completa (orações, homilia, encomendação). Conseguiu dela fazer, generosamente, o mais belo poema de amor: de forma um pouco menos convencional, nos seus vários momentos respeitou e honrou, autêntica, Deus e Aquele Homem. Como o Carlos gostaria e a família idealizou. Seguimos pelo espírito deste que passou breve por este mundo, porém “deixando uma vida melhor e permanecendo, para sempre, nos nossos corações e na cultura portuguesa” (nas palavras de Eugénio Lisboa). Ruben Chama contou também da harmonia vivida, da boa disposição nas alcunhas que usava para designar cada um dos alunos, e Carlos surgiu-nos, pela voz do seu primo, “como filho único, mas o melhor dos irmãos”. O som das guitarras envolveu-nos, uma voz naquele fado de Coimbra que é a sua marca pessoal (“Cantiga para quem sonha”), repetido no refrão por quem o quis cantar. O padre despediu-se, dizendo o seu desejo de que a beleza continue a uma plateia a abarrotar de nós que nunca o esqueceremos. Ouviram-se, à vez e repetidamente, como ecos, vozes dos seus antigos alunos vindas de todos os lados da capela Emaúz da igreja de Santo António, no Estoril, soltando a invocação «Oh Captain, my Captain…»
Obrigada à Rosinha, ao João e ao Miguel por terem mantido o espírito deste “Adamastor” que largou o Cabo da Boa Esperança, indo no encalço da sua ninfa, uma ilha desconhecida que vive no alto mar.
Paula Lacerda

BIOGRAFIA

Carlos Carranca de nome completo: Carlos Alberto Carranca de Oliveira e Sousa, nasceu na Figueira da Foz a 9 de Novembro de 1957. É professor do ensino superior, poeta, ensaísta e declamador. Licenciado em História e doutorado em Língua e Cultura Portuguesa pela U.A.L., exerce docência na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, Universidade Lusófona como professor associado convidado e na Escola Profissional de Teatro de Cascais. Foi presidente da Sociedade da Língua Portuguesa, assessor cultural da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa, director adjunto do jornal mensal Artes & Artes, assim como sócio fundador do Círculo Cultural Miguel Torga. É director do Centro de Estudos da Lusofonia Agostinho da Silva e da Biblioteca da ESE Almeida Garrett.
Foi agraciado no ano de 2001 com a medalha de Mérito Cultural do Município de Cascais.
Autor profundamente arreigado à sua terra de adopção, Coimbra, onde viveu e estudou durante a infância e juventude, é reconhecidamente uma das referências do chamado "Fado de Coimbra" como autor e intérprete..
Na opinião de Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Carranca é "(....) um D. Quixote que se revela contra a mesquinhez do mundo e cavalga, à procura de si, de um sentido, de um segredo, de um sinal." É autor de: Torga o português do mundo 8 1988); Miguel Torga e a África Portuguesa ( 1995); Torga, o bicho religioso (2000); A Nostalgia de Deus ou a Palavra Perdida em Miguel Torga (2001); O Sentimento religioso em Torga e Unamuno (2007); O Portugal  dos Políticos no Diário XVI de Miguel Torga (2007); Tempos de Aprendizagem na Vida e Obra de Miguel Torga (2011)…


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