Como é garrafal a letra do ideário de
PAN, segundo José Manuel Fernandes, limito-me,
quase, ao meu título, também garrafal, embora menos, por timidez envergonhada, confiando
no que leio, escrito por JMF no Observador, no espanto e no mesmo susto daquele,
por tal generalização “humana” a um status de irracionalidade, se não, mesmo, a
uma condição vegetalista… talvez de nabos, talvez de peanuts …
ELEIÇÕES: Fui ler o programa do PAN e apanhei um
susto /premium
O PAN cresce com a nossa ignorância. Não sabemos bem o que é, ignoramos quase tudo o que
propõe. Quando escavamos um bocadinho percebemos que o
ambientalismo esconde uma agenda perigosa e autoritária. Os partidos têm programas. Quando chegam os períodos
eleitorais é obrigação dos jornalistas lê-los. Mas nada nos prepara para o
que o PAN apresenta como sendo o seu “programa eleitoral para as legislativas
de 2019”. Nada mesmo.
Quando
o PDF me caiu na secretária do computador quase desesperei: 414 páginas.
Apetece logo desistir, e se calhar é essa a intenção dos autores. Depois,
passado o susto inicial, percebe-se que as 414 páginas são possíveis porque a letra
usada é garrafal. Mesmo assim, quando se chega à última página, a
contabilidade não engana: o PAN alinhou nada menos de 1196 propostas.
Isso mesmo: 1196. Na verdade nem as muitas páginas nem as 1196 propostas fazem
do documento um verdadeiro programa eleitoral – é mais uma lista quase
infindável de coisas de que os misteriosos membros do “Pessoas-Animais-Natureza” se foram lembrando e que achavam que ficavam num
programa eleitoral. Há ali um pouco de tudo, desde vacuidades gerais e
abstractas – do tipo “dotar de meios financeiros, técnicos e humanos
necessários” os serviços públicos de
saúde (medida 842) ou
“reforçar o número de profissionais de saúde que prestam Cuidados de Saúde
Hospitalares” (medida 849) – até
micro-propostas como a de “restringir a largada massiva de balões e lanternas
de papel em eventos” (medida 90).
Pode
haver vantagens nesta forma de fazer política. Eu já ouvi alguém desabafar que,
no meio da confusão que por aí vai, ainda vota PAN porque eles propõem “a
obrigação de limpeza da propaganda política fixa até 30 dias após o acto
eleitoral” (medida 98).
É possível que pescando à linha muitos eleitores encontrem ideias simpáticas
neste monte infindável de 1196 propostas, mas tendo tido a paciência (de santo) para olhar
para todas elas devo dizer que o resultado de conjunto é aterrador.
André
Silva tem vindo a dizer que o seu partido é pós-ideológico e que ainda não está
preparado para governar. Só tem razão na segunda parte do argumento – de facto
não há neste programa nada que se aproxima de uma proposta coerente para
qualquer das grandes áreas da governação, nunca se fala da economia e das
empresas, nada se diz sobre como deve ser a relação do Estado com os cidadãos,
não há uma visão integrada para as políticas sociais, apenas ideias soltas,
desconexas e às vezes contraditórias, há mesmo mais páginas dedicadas ao bem
estar e saúde animal (48 páginas) do que à saúde humana (34 páginas, sendo que
destas apenas 5 se ocupam do SNS).
Agora
o PAN atira areia para os olhos quando pretende ser “pós-ideológico”
pretendendo que a ideologia se resume a definir o que é esquerda ou direita.
Não: o PAN tem uma ideologia, que é animalista antes de ser ambientalista –
e há aqui uma enorme, uma colossal diferença – e tem da política uma visão
autoritária, pois pretende impor as suas obsessões e dogmas a toda a sociedade
em nome do que diz ser “um bem superior”. Um bom
exemplo desta pulsão autoritária é o desejo do PAN de fazer com que todos
passemos a ser vegetarianos, porventura vegans. Na sua medida 3, por exemplo, propõe-se “determinar como regra que
todas as refeições nos eventos promovidos pela administração directa e
indirecta do Estado são vegetarianas”, nem mais, nem menos. Mas adiante, na medida
993, quer que os municípios passem a
assegurar “um dia de refeição vegetariana por mês em todas as escolas”. Ao
mesmo tempo, na medida 154,
quer “cessar os apoios públicos à produção de carne e leite” e na 412 exige uma “oferta pública de cozinha/pastelaria
vegetariana, nomeadamente nos cursos de educação e formação, nos cursos
profissionais e na educação e formação de adultos”. Depois o PAN consegue
ser ainda mais politicamente correcto do que o Bloco de Esquerda, isto é,
consegue levar as novas causas identitárias ainda mais longe, atrevendo neste
programa a propor o que mais ninguém propõe, como abrir a “possibilidade da abolição
da menção de género/sexo em documentos oficiais” (medida 567), a ter como primeira medida no seu programa para a
Cultura a criação do “Museu Nacional da Memória das Migrações” (medida
441), sendo naturalmente completamente
omisso sobre qualquer Museu dos Descobrimentos, e indo ao ponto de se propor
“devolver o património cultural das ex-colónias existente em território
português (…) assegurando-se assim a reposição de justiça histórica” (medida
442).
A
fixação do PAN com algumas das causas dos dias que correm – e não coloco em
causa a pertinência dos problemas, apenas a forma como o PAN os explora – é
visível no desequilíbrio das suas propostas para combater a violência
doméstica. Basta notar que se propõe “alterar o código penal para impedir a
suspensão da execução da pena de prisão nos casos mais graves de violência
doméstica” (medida 486)
quando, no capítulo da Justiça, todas as suas propostas vão em sentido
contrário, desde “alargar o Programa em Regime Aberto ao Exterior a uma maior
fatia da população prisional” (medida 1078) até à redução do “tempo médio de cumprimento de
penas efectivas” através da atribuição de mais recursos para “estratégias de
socialização” (medida 1084),
passando pela ideia peregrina de “Instituir a obrigatoriedade de reclusos
condenados por crimes violentos contra outras pessoas fazerem uma sessão
semanal de reconciliação com os familiares das vítimas, mediante aceitação
destas e, caso não se trate de um homicídio, também com as próprias
vítimas” (medida 1081).
Ao
mesmo tempo é um partido populista, sendo porventura a mais emblemática das
suas medidas populistas a de limitar a pensão máxima a 12 IAS (indexante de
apoio social, 435 euros). Esta medida 786, como ficou claro no debate com
Catarina Martins, não corresponderia a qualquer plafonamento das pensões – o
que o PAN se propõe fazer é expropriar os descontos de quem descontou para ter
direito a uma pensão superior a 12 IAS, pois não daria a esses contribuintes
sequer a alternativa de saírem do sistema público nos valores remanescentes.
Mas
há mais medidas deste tipo, caça-votos sem olhas a meios, todas elas apresentadas
sem qualquer preocupação de enquadramento económico. O PAN quer, por exemplo,
tornar obrigatório o feriado da terça-feira de Carnaval (medida
1001), subir o salário mínimo para 800 euros
(medida 996) e impor ao sector privado o horário de 35 horas (medida
1001).
Naturalmente
que alguns dos excessos mais absurdos estão nos pontos em que mais se nota a
raiz animalista do PAN, sendo que a minha medida preferida é a 710, onde pretende “abolir a utilização de animais em
espectáculos tauromáquicos”. Naturalmente fico à espera que André Silva
explique como é que se realiza um espectáculo tauromáquico sem animais,
deixando até lá à imaginação dos leitores as hipóteses mais benévolas. Mas o PAN também quer fechar os jardins zoológicos e
os delfinários (medida 726),
“proibir o uso de animais como meio de tracção de charretes de carácter
lúdico ou turístico” (medida 731),
“garantir a obrigatoriedade da existência de sombra e a protecção contra as
intempéries nos pastos extensivos” (medida 770), “impedir a proibição de alimentar e abeberar
colónias de gatos na via pública” (medida 699) ou “abolir o uso de coleiras com choque eléctrico
ou picos” (medida 680), isto só
para dar alguns exemplos que mostram como o fanatismo impede de compreender o
mundo rural, de perceber o papel que os jardins zoológicos podem ter na
conservação das espécies e na educação ambiental ou de como é importante a
higiene urbana.
Mas
um bom exemplo de inversão de prioridades é o da introdução de um “quase SNS”
para animais através da medida 676:
“implementar uma rede médico-veterinária de apoio às famílias carenciadas e
aos movimentos associativos que tenham a seu cargo animais errantes ou
abandonados”. E se nesta legislatura vimos os restaurantes serem obrigados a
admitir cães e gatos, na próxima isso pode acontecer com os transportes
públicos (medida 679), bastando
para tal que os donos os levem com trela ou açaime. Acham que chega? Não chega:
o PAN também quer que todas as escolas procedam à “adopção de pelo menos dois
animais por contexto educativo” (medida 356), ficando por saber quem fica a tratar do gatinho ou do
cãozinho aos fins-de-semana, quando a escola estiver fechada…
De
resto a irresponsabilidade do PAN só tem paralelo na sua ignorância e na leveza
com que faz propostas de uma enorme gravidade sem que sequer tente
fundamentá-las. A ignorância é bem patente no facto de mais de três dezenas das
medidas avançadas no programa serem propostas para a realização de estudos, ou
de levantamentos, ou de inventários. Como se já não nos sobrassem estudos e
relatórios, o PAN ainda arranjou forma de propor mais três Observatórios (para
a Discriminação e Xenofobia, para Promoção dos Direitos e Protecção das
Crianças e Jovens e, claro, para acompanhar o Bem-estar e Protecção Animal. Já
no que diz respeito à irresponsabilidade, o PAN parece querer partidarizar a
nomeação do Procurador-Geral da República e do Presidente do Tribunal de
Contas, ao defender que esta passe a ser feita pela Assembleia da República (medida
1136), o que significaria que poderiam
passar a depender da maioria política do momento. E na frente internacional,
quer “aproximar política e diplomaticamente a UE da Federação Russa” (medida
1173) e “reconhecer a autodeterminação
do povo Sarauí no Saara Ocidental” (medida 1196). Esta última medida, que é também a última do
programa, é mesmo fechar com chave de ouro, pois ignora a complexidade da
situação e despreza as nossas relações com Marrocos cuja capital, Rabat, fica
em linha recta a menos quilómetros de Lisboa do que Madrid.
É isto o PAN: uma mistura de ideias populares-populistas com causas
na moda e obsessões autoritárias. Tal como o seu programa é um saco de
propostas a eito, o grupo é mais uma coisa do que um partido, mais uma seita do
que o representante de interesses legítimos ou ideias políticas estruturadas.
Que esteja a ter sucesso é um sinal assustador dos tempos que vivemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário