sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Páginas de História que vivemos

Páginas de História que vivemos
Sobre Jacques Chirac, que morreu ontem. Lembramos dele o tom de imponência simpática, mas Teresa de Sousa o definiu com a precisão do conhecimento. Da Internet extraio o texto de apresentação:
Jacques René Chirac (Paris, 29 de Novembro de 1932Paris, 26 de Setembro de 2019) foi um político francês filiado à UMP. Foi prefeito de Paris, e primeiro-ministro da França, de 1974 a 1976 e de 1986 a 1988. Foi também o vigésimo segundo presidente da França, de 1995 a 2007. Como presidente, foi também co-príncipe de Andorra, por inerência.

CRÓNICA
Chirac: A mais longa cimeira europeia
Foi em Nice, no início de Dezembro de 2000, que Jacques Chirac presidiu, porventura, à sua mais difícil cimeira europeia, que ficou na história por muitas razões. Entre elas o Tratado de Nice e o projecto de Constituição Europeia, que os franceses rejeitaram em 2005.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO,26 de Setembro de 2019
Não tinha a panache de De Gaulle ou de Mitterrand, aquela distância do comum dos mortais de quem encarna a “grandeza da França”. Talvez porque fosse demasiado caloroso e afável - demasiado humano, escreve o Libération -, duas das características que toda a gente lhe reconhece. Partilhava com o general o mesmo sentimento ligeiramente eurocéptico, próprio do gaullismo, que ainda via a Comunidade Europeia como um instrumento ao serviço da França. Ironicamente, coube-lhe presidir ao fim de uma era em que Paris liderava a Europa, ainda ocidental, enquanto a Alemanha passava os cheques. Era assim o compromisso saído da II Guerra a que apenas a queda do Muro de Berlim viria pôr cobro, deixando emergir de novo no centro da Europa uma “grande potência” que começava lentamente a libertar-se dos constrangimentos da sua divisão durante a Guerra Fria.
Foi em Nice, no início de Dezembro de 2000, que Jacques Chirac presidiu, porventura, à sua mais difícil cimeira europeia, que ficou na história por muitas razões, entre as quais por ter sido a mais longa de sempre. Estava um tempo magnífico na bela cidade francesa do Mediterrâneo. Com a inevitabilidade do alargamento da União Europeia a Leste, era absolutamente indispensável alterar o sistema de votação no Conselhoo órgão onde estavam representados os Governos de uma União que já era de Maastricht, mas apenas a 15. Cabia à presidência francesa levar a cabo a reforma das instituições que contemplasse essa mudança.
No fundo, havia duas questões escaldantes em cima da mesa do Conselho Europeu. A primeira, como equilibrar o peso dos pequenos e médios países, cada vez mais numerosos, com o dos grandes, para que estes últimos não corressem o risco de ficar sistematicamente em minoria. A segunda, que peso atribuir a uma Alemanha unificada, que passava a ser o “maior” entre os “maiores”. Era uma questão de população. Mas era também quebrar um princípio implícito que existia desde a fundação da Comunidade: a igualdade entre Paris e Bona e, depois, Berlim. Para um Presidente da França era quase insuportável.
Gerhard Schroeder, o chanceler alemão, muito diferente de Kohl, que vivera a guerra, avisara que o seu país passaria a “defender o seu interesse nacional” como qualquer outro. O chanceler alemão não era dado a nuances, interessava-se pouco por História, era um pragmático. A Alemanha tinha de ter mais votos no Conselho. Numa conferência de imprensa verdadeiramente dramática, Jaques Chirac não hesitou em lembrar o passado da Alemanha e a sua dívida à França e aos outros países europeus, para defender a paridade. Um acordo só foi possível cinco dias e quatro noites depois. Nasceu o Tratado de Nice.
O chanceler exigiu a convocação de uma Conferência Intergovernamental para reformar de alto a baixo as instituições da União. Nasceu uma Constituição europeia. De vida curta. Os franceses, ainda com Chirac no Eliseu, chumbaram-na num referendo em 2005, desferindo-lhe um golpe fatal. A França precisava de tempo para se adaptar às novas condições geopolíticas de uma Europa alargada à dimensão do continente.
Chirac era uma personalidade complexa. Subordinava facilmente as convicções às conveniências políticas do momento. Um bulldozer quando queria atingir os seus objectivos. Mas a gente comum gostava dele e ele gostava da gente comum. Foi o primeiro Presidente a pedir perdão aos judeus de França pêlos crimes de Vichy em nome da República francesa.
COMENTÁRIO:
Vieira, 26.09.2019:
4 -No final do anos 90 são trazidos a público vários casos sobre o financiamento do partido que lidera, o RPR, que acumula com a autarquia da capital francesa. Mas como está em funções presidenciais não só tem imunidade como pode recusar, como fez, prestar declarações aos magistrados. Uma vez saído do Eliseu, em 2007, Chirac é ouvido pelos tribunais sobre o processo de empregos fictícios na Câmara de Paris, como testemunha. Mas mais tarde passou a arguido, acusado de "desvio de fundos públicos". O julgamento decorreu em 2011, ao qual não compareceu por razões de saúde. Em 15 de dezembro de 2011, Jacques Chirac foi condenado pelo Tribunal Penal de Paris a dois anos de prisão suspensa. É a primeira vez que um antigo presidente é acusado, julgado e condenado após o seu mandato.
3 - Condenado pela justiça Edwy Plenel, fundador do Mediapart, site francês de jornalismo de investigação, alertou: "Perante o dilúvio de homenagens extasiadas a Chirac, lembre-se que o antigo presidente foi considerado culpado de quebra de confiança, desvio de fundos públicos e apropriação ilegal de capitais."
2 - "Apesar de todas as divergências que pudéssemos ter tido com Jacques Chirac, ele era um grande amante do ultramar e o presidente capaz de se opor à loucura da guerra no Iraque, retomando a tradicional posição de equilíbrio e diplomacia de França", escreveu Marine Le Pen. Portanto este grande democrata era um colonialista convicto aplaudido pela extra-direita.
1 -Nascido em 1932 em Paris, Jacques Chirac testemunhou os horrores da Segunda Guerra e a ocupação nazi. Comunista nos anos 50, abandonou o que chamou de "sectarismo" do Partido Comunista e voluntariou-se, em 1956, para a guerra na Argélia e foi um fervoroso apoiante do general De Gaulle (isto quando a extrema direita participa activamente foi contra a Guerra de independência da Argélia e assassinava activistas políticos em Franca). A sua carreira política começou nos anos 60 e foi mudando de agulha ao longo dos tempos. Gaullista e eurocéptico nos anos 70, advogou o modelo liberal de Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 80, antes de se tornar um defensor da coesão social nos anos 90. Alvo de fortes críticas por ter autorizado ensaios nucleares na Polinésia Francesa em 1995.

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