O riso que provoca a crónica de Alberto Gonçalves. Uma crónica impagável.
Inimitável. Incontestável. Ainda bem que regressou de férias. Também já lhe
conhecemos a voz. Uns minutos de alegres sentenças, na Rádio
Observador. O progresso traz-nos estes prazeres desembrutecedores.
Um guia inútil para o voto útil /premium
Perante o alheamento dos cidadãos,
resolvi juntar o desagradável ao escusado e contribuir com o meu próprio
alheamento. Eis, portanto, partido a partido, um guia inútil para o voto útil
no dia 6.
OBSERVADOR, 28 /9/ 2019
As eleições são um momento
importantíssimo nos regimes democráticos. Nos regimes como aquele que estamos a
construir, a importância é relativa. Em duas semanas de férias, não tive o mais
ligeiro contacto com o que o vulgo designa por “actualidade”, política ou
outra. Não foi um esforço, foi uma propensão natural para evitar os “media”, as
“redes sociais” e os amigos – evidentemente duvidosos – que falam de
semelhantes assuntos. Foi um sossego. E um sossego que, durante quinze dias, me
poupou a tudo o que aconteceu na campanha. Após quinze dias, e o regresso às
obrigações profissionais, verifico que não aconteceu nada. Salvo por uma
espécie de polémica alusiva à proibição de vitela na cantina da Universidade de
Coimbra, que me surpreendeu por revelar que a Universidade de Coimbra ainda
existe, o caminho para as “legislativas” fez-se de 372 debates que ninguém viu,
8193 arruadas que ninguém aturou e 478656 medidas programáticas que ninguém leu.
Perante o alheamento dos cidadãos, resolvi juntar o desagradável ao escusado e
contribuir com o meu próprio alheamento. Eis, portanto, partido a partido, um
guia inútil para o voto útil no dia 6 de Outubro. Ou vice-versa.
Aliança. Após perder não sei quantas eleições internas do PSD,
o dr. Santana naturalmente
imaginou que possuía um séquito próprio. Não possui. O Aliança, um de vários
partidos unipessoais, existirá enquanto o chefe plenipotenciário tiver
paciência – ou, nunca se sabe, um emprego no parlamento. Sentença: ele deve andar por aí, mas não se nota.
Bloco de Esquerda. Quando não estão a mentir deliberadamente, o que é
raro, os beatos e as beatas do BE deliberadamente produzem moralismos sem
sentido. Sucede dirigirem-se a um eleitorado peculiar, capaz de engolir em
êxtase as maiores patranhas. Como estamos em Portugal, estes inocentes
terminais rondam os 10% (ou 5% das criaturas com direito de voto) e, excepto
pelo ocasional devoto tresmalhado para a concorrência do PAN, não prometem
vacilar. Sentença: além de montanhas, a fé move
tontinhos.
CDS. Mesmo face à concorrência do dr. Rio, tem conseguido
a proeza de encolher diariamente nas sondagens. O dr. Portas não se limitou a
sair: como nos filmes de acção, deixou tudo armadilhado. Sentença: talvez vençam o PAN.
CDU. É o PCP, e a estranha sensação de, mais de um século
decorrido desde 1917, um partido se afirmar comunista e ser recompensado pela
sinceridade. Dado serem imunes à História, os seus fiéis foram razoavelmente
imunes à “geringonça”, pelo que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém
que diz não” aos princípios essenciais da civilização. Sentença: independentemente do resultado, será uma vitória do
povo trabalhador, etc.
Chega. Outro partido unipessoal, no caso de uma pessoa que,
ao que parece, ganhou nome em programas da bola. O Chega, que se diz liberal e conservador,
é contra: globalização, Europa, imigrantes, ciganos, pretos, aborto, eutanásia,
drogas, gays, muçulmanos, pedófilos, corruptos, violadores e, suponho,
portistas e sportinguistas. O Chega é a favor: património, ambiente, polícias
e, suponho, benfiquistas. Sentença: a estátua do Eusébio, fica ou vai
abaixo?
Iniciativa
Liberal. Sou amigo do Carlos Guimarães Pinto, logo insuspeito para suspeitar
que a IL é o único partido que não trata os eleitores como atrasados mentais.
Sentença: se me arrancarem de casa no dia 6, adivinhem em quem aproveito para
votar?
Livre. Munido de um optimismo imbecil, tentei ler as
centenas de propostas do Livre. Li meia dúzia e esbarrei numa: “limitar o
transporte aéreo às ligações onde é efectivamente necessário”. Quem decide a
necessidade? Decerto um observatório presidido pelo emérito historiador Rui
Tavares, que ao contrário do resto da humanidade apenas viaja com propósito e
justificação. No final do folheto, uma invectiva evoca o recrutamento militar:
“Por que esperas para vir libertar o futuro connosco?” Sentença:
livra!
PAN. Um aglomerado de pequenas Gretas, que ameaça eleger
algumas. O PAN apresenta um programa infantil e repleto da prepotência típica
das crianças. Por ser tão primário, é obviamente perigoso. Sentença: a esperança é que, enfraquecido por sucessivos
jantares-convívio à base de tofu, o eleitorado desmobilize durante a semana.
PCTP/MRPP. Sem a oposição no exílio de Arnaldo “Grande Educador
da Classe Operária” Matos e a liderança de Garcia “Tenho o Cabelo um Bocado
Seboso para Fingir que sou Pobre” Pereira, o partido terá perdido a graça. Isto
para quem achar engraçado o sangue de milhões e milhões de vítimas do maoismo e
similares.
PDR. É aquele grupinho do dr. Marinho Pinto, que, através
de um grupinho diferente, adquiriu em tempos uma estadia prolongada em
Bruxelas. Durante a estadia, aliás discreta, o homem sumiu da vista e da
memória dos cidadãos, bem como da reeleição em Maio passado. Se ainda não se
cansou a ele, o dr. Marinho Pinto cansou-nos a nós. Sentença: o “R” da sigla
não pode significar reforma?
PNR. Conhecido pelas proclamações xenófobas, o não tão
conhecido lema do Partido Nacional Renovador é “Nação e Trabalho”. Não aprecio
nenhuma das instituições. Os seus 20 mil votantes são considerados uma ameaça,
e um sinal de que o fascismo está à porta. Sentença: o fascismo já entrou, mas
pelo lado aparentemente oposto.
PS. Consta que uns 18% (pois é) da população adulta
(digamos) votarão nos socialistas. É prova de que gostam da carga fiscal, da
austeridade que se fingiu virar e de nova bancarrota a caminho. Também devem
gostar de escolher um primeiro-ministro que, entre inúmeras habilidades, foi o
número dois de um trafulha afamado e o número um de um sujeito acusado
anteontem de quatro crimes. Sentença: são gostos.
PSD. É inegável que o dr. Rio renovou o PSD, a tal ponto
que já poucos o reconhecem e muito poucos votarão nele. Ficaram o nome, o
símbolo e o entulho dito “social-democrata” (?) que Pedro Passos Coelho
procurou enxotar. Certo entulho, de que não mencionarei o dr. Capucho, até
insistiu em regressar, com ganhos eleitorais evidentes. O novo PSD tem um
Centeno igualzinho ao Centeno original, um Costa parecido e resmas de
socialistas comparáveis. Sentença: o segundo lugar não escapa, mas não
custa tentar.
RIR. Muitos acham o sr. “Tino” de Rans um sujeito
engraçado. Por sorte, eu não acho. Para cúmulo, o segundo “R” do acrónimo
significa “Reciclar”, prova de que o sr. Tino aderiu à lengalenga “ecológica” e
de que a lengalenga “ecológica” já desceu a isto. A Wikipedia
define o RIR como “sincrético”. Sentença: chorar.
O
resto (JPP, MAS, MPT, Nós Cidadãos, PTP, PURP). Não imagino o que sejam estas agremiações, e aviso
que deixarei de falar a quem procurar elucidar-me. Sentença: o que é demais é
moléstia.
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