domingo, 22 de setembro de 2019

Na urna, como na vida



Batota. Não se deve estranhar, em todo o caso. Quando um partido ganhou, já em tempos, foi abalroado e ninguém protestou. Porquê agora, que a cada passo somos alertados para mais e mais batota, como se fosse um traço definidor que nos persegue sem tréguas? Ora bolas!
OPINIÃO
Batota eleitoral
O resultado das eleições de 6 de Outubro será um Parlamento inconstitucional, ilegítimo e não democrático.
PAULO DE MORAIS
PÚBLICO, 21 de Setembro de 2019
A Constituição impõe um sistema eleitoral proporcional para a conversão de votos em mandatos. Mas, nas eleições do próximo 6 de Outubro, este preceito não será respeitado. E isto porque muitos dos votos expressos, centenas de milhares, são desperdiçados, não são contabilizados na eleição de qualquer deputado no respectivo círculo. O resultado do escrutínio será um Parlamento inconstitucional, ilegítimo e não democrático.
O problema não é novo. Nas últimas eleições legislativas, os deputados do PSD, do PS e do CDS foram eleitos com apenas cerca de 20 mil votos cada; mas já o Bloco de Esquerda precisou de cerca 30 mil e o PCP de 26 mil. O único deputado do PAN necessitou mesmo de 75 mil votos para a sua eleição. Onde está a proporcionalidade se, com o mesmo número de votos, o PS consegue eleger 30 deputados e o Bloco de Esquerda apenas alcança 20? Paradoxal. Para além de que há vários partidos que – apesar de terem muitos mais votos do que os 20 mil que elegeram cada um dos deputados do PS ou do PSD – não estiveram representados no Parlamento. Se tivesse sido garantida a proporcionalidade do sistema, PDR e MRPP teriam tido dois deputados; e até o Livre ou MPT teriam tido assento parlamentar. Estas e outras forças políticas foram extorquidas dos mandatos a que teriam legitimamente direito.
O que motiva afinal esta falta de proporcionalidade? A origem deste enviesamento de proporcionalidade reside primordialmente nos círculos de menor dimensão, onde apenas os maiores partidos elegem deputados e os restantes votos constituem desperdício. Em 14 dos 20 círculos distritais do território nacional, todos eles com menos de dez deputados, habitualmente apenas dois partidos elegem – ou no máximo três. Nesses distritos, todos os votos em todos os restantes partidos são desperdiçados. Se juntarmos os votos (de cada um dos círculos eleitorais do território nacional) nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse círculo, verificamos que 509.467 votos foram depositados nas urnas sem qualquer efeito na eleição de deputados. São cerca de 10% dos votantes. A lista mais prejudicada em 2015 por este efeito foi a CDU, que desperdiçou cerca de 90 mil votos, logo seguido do Bloco de Esquerda, que desaproveitou 75.587 votos.
Esta é a consequência da batota eleitoral de que PS e PSD são maiores responsáveis e beneficiários; vêem a sua representação parlamentar hiper-favorecida face ao número de votantes nas suas listas. Incompreensivelmente, Bloco de Esquerda e PCP, apesar de prejudicados, não protestam, tornam-se cúmplices desta trapaça. Talvez porque preferem perder os mandatos a que teriam direito, a ter de conviver na Assembleia da República com o Livre, o PDR ou o MRPP. E é claro que se nem os mais prejudicados querem mudar o sistema, muito menos o pretenderão os mais favorecidos.
Só assim se explica pois que não se adopte uma solução que assegure o sistema de representação proporcional, nos termos consagrados na Constituição Portuguesa. Para tal bastaria uma pequeníssima alteração à Lei Eleitoral, visando criar um pequeno círculo nacional de compensação com 11 ou 12 deputados (5% do total). Este círculo juntaria todos os votos numa única série de quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção entre o número de votos e de eleitos. Assim se considerariam todos os votos de forma efectiva, independentemente do círculo eleitoral. Esta solução é, aliás, adoptada nas eleições regionais dos Açores, onde a proporcionalidade é garantida e onde os partidos mais pequenos têm assento parlamentar. Curiosamente, o autor deste aperfeiçoamento da Lei foi Carlos César, então presidente do Governo Regional. O mesmo César que, enquanto líder parlamentar do PS, obstaculizou a sua implementação a nível nacional.
Os resultados decorrentes das eleições de 6 de Outubro estão, à partida, viciados; porque violam os artigos da Constituição que, de forma peremptória, impõem a “representação proporcional” – os artigos 113.º, 149.º e 288.º. Só o Presidente da República, árbitro do sistema, que jurou “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição”, pode impedir, em tempo, esta batotice.
Presidente da Frente Cívica
COMENTÁRIOS:
Alberto Pereira: Uma solução seria a percentagem nacional da votação ser aplicada à totalidade dos deputados dos partidos. Depois cada partido, com os seus deputados totais atribuídos, ia distribuindo os candidatos conforme as regiões. Mas, na prática, embora justo talvez fosse complicado. De qualquer modo o articulista tem toda a razão.
gualter.cabral: O que o eleitorado pede, aos gritos, é a diminuição de deputados, já que o sistema actual não deixa que estes sejam isentos, e, por isso não representam o seus eleitores. O que se pretende, ao invés, é que os candidatos, que representem, de facto, os seus eleitores sejam escolhidos, por estes - por nomes - e que sejam residentes nos círculos por onde devem ser eleitos. A batota a que se refere Paulo de Morais, bem como a eleição por listas, sejam erradicadas de acordo com o que está estipulado na Constituição e que sistematicamente está a ser "esquecida?".
FzD: A democracia não pode ser uma ditadura da maioria, mas um regime onde as minorias têm voz e contam. Caso contrário continuaremos a ver a criação de maiorias artificiais para repartição de benesses entre os que a constituem, mesmo que para isso tenham de esquecer os princípios que os deviam guiar. O problema é que quem detém o poder não aceita de livre vontade ser prejudicado. Daí a necessidade de em democracia real existirem contrapesos que defendam as minorias das arbitrariedades das maiorias.
Jf: Infelizmente o presidente fala muito, mas age pouco... Se juntarmos a proposta de Rui Rio de transformar votos em branco em alguns lugares vazios no parlamento, seria ainda mais justa a composição do mesmo. Infelizmente o presidente fala muito, mas age pouco...
davcardos: Completamente de acordo, já agora esqueceu os votos da emigração. É frustrante a situação actual. Aumentaram o número de votantes devido à reorganização por morada mas não adaptaram a quantidade de deputados para a assembleia da república. Espero que a situação seja discutida!


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