Batota. Não se deve estranhar, em todo o
caso. Quando um partido ganhou, já em tempos, foi abalroado e ninguém
protestou. Porquê agora, que a cada passo somos alertados para mais e mais
batota, como se fosse um traço definidor que nos persegue sem tréguas? Ora bolas!
OPINIÃO
Batota eleitoral
O resultado das eleições de 6 de Outubro
será um Parlamento inconstitucional, ilegítimo e não democrático.
PAULO DE MORAIS
PÚBLICO, 21 de Setembro de 2019
A
Constituição impõe um sistema eleitoral proporcional para a conversão de
votos em mandatos. Mas, nas eleições do próximo 6 de Outubro, este preceito não será respeitado. E
isto porque muitos dos votos expressos, centenas de milhares, são
desperdiçados, não são contabilizados na eleição de qualquer deputado no
respectivo círculo. O resultado do escrutínio será um Parlamento
inconstitucional, ilegítimo e não democrático.
O
problema não é novo. Nas últimas eleições legislativas, os deputados do PSD, do
PS e do CDS foram eleitos com apenas cerca de 20 mil votos cada; mas já o Bloco
de Esquerda precisou de cerca 30 mil e o PCP de 26 mil. O único deputado do PAN
necessitou mesmo de 75 mil votos para a sua eleição. Onde está a
proporcionalidade se, com o mesmo número de votos, o PS consegue eleger 30
deputados e o Bloco de Esquerda apenas alcança 20? Paradoxal. Para além de
que há vários partidos que – apesar de terem muitos mais votos do que os 20 mil
que elegeram cada um dos deputados do PS ou do PSD – não estiveram
representados no Parlamento. Se tivesse sido garantida a proporcionalidade do
sistema, PDR e MRPP teriam tido dois deputados; e até o Livre ou MPT teriam
tido assento parlamentar. Estas e outras forças políticas foram extorquidas dos
mandatos a que teriam
legitimamente direito.
O
que motiva afinal esta falta de proporcionalidade? A origem deste enviesamento de proporcionalidade
reside primordialmente nos círculos de menor dimensão, onde apenas os maiores
partidos elegem deputados e os restantes votos constituem desperdício. Em
14 dos 20 círculos distritais do território nacional, todos eles com menos
de dez deputados, habitualmente apenas dois partidos elegem – ou no máximo
três. Nesses distritos, todos os votos em todos os restantes partidos são
desperdiçados. Se juntarmos os votos (de cada um dos círculos eleitorais do
território nacional) nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse
círculo, verificamos que 509.467 votos foram depositados nas urnas sem
qualquer efeito na eleição de deputados. São cerca de 10% dos votantes. A
lista mais prejudicada em 2015 por este efeito foi a CDU, que desperdiçou
cerca de 90 mil votos, logo seguido do Bloco de Esquerda, que desaproveitou
75.587 votos.
Esta
é a consequência da batota eleitoral de que PS e PSD são maiores responsáveis e
beneficiários; vêem a sua representação parlamentar hiper-favorecida face ao
número de votantes nas suas listas. Incompreensivelmente, Bloco de Esquerda
e PCP, apesar de prejudicados, não protestam, tornam-se cúmplices desta trapaça.
Talvez porque preferem perder os mandatos a que teriam direito, a ter de
conviver na Assembleia da República com o Livre, o PDR ou o MRPP. E é claro que
se nem os mais prejudicados querem mudar o sistema, muito menos o pretenderão
os mais favorecidos.
Só
assim se explica pois que não se adopte uma solução que assegure o sistema
de representação proporcional, nos termos consagrados na Constituição
Portuguesa. Para tal bastaria uma pequeníssima alteração à Lei
Eleitoral, visando criar um pequeno círculo nacional de compensação com 11 ou
12 deputados (5% do total). Este círculo juntaria todos os votos numa única
série de quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção entre o número de
votos e de eleitos. Assim se considerariam todos os votos de forma efectiva,
independentemente do círculo eleitoral. Esta solução é, aliás, adoptada nas
eleições regionais dos Açores, onde a proporcionalidade é garantida e onde os
partidos mais pequenos têm assento parlamentar. Curiosamente, o autor deste
aperfeiçoamento da Lei foi Carlos César, então presidente do Governo Regional.
O mesmo César que, enquanto líder parlamentar do PS, obstaculizou a sua
implementação a nível nacional.
Os
resultados decorrentes das eleições de 6 de Outubro estão, à partida, viciados;
porque violam os artigos da Constituição que, de forma peremptória, impõem a
“representação proporcional” – os artigos 113.º, 149.º e 288.º. Só o Presidente
da República, árbitro do sistema, que jurou “defender, cumprir e fazer cumprir
a Constituição”, pode impedir, em tempo, esta batotice.
Presidente
da Frente Cívica
COMENTÁRIOS:
Alberto Pereira: Uma solução
seria a percentagem nacional da votação ser aplicada à totalidade dos deputados
dos partidos. Depois cada partido, com os seus deputados totais atribuídos, ia
distribuindo os candidatos conforme as regiões. Mas, na prática, embora justo
talvez fosse complicado. De qualquer modo o articulista tem toda a razão.
gualter.cabral: O que o
eleitorado pede, aos gritos, é a diminuição de deputados, já que o
sistema actual não deixa que estes sejam isentos, e, por isso não representam o
seus eleitores. O que se pretende, ao invés, é que os candidatos, que
representem, de facto, os seus eleitores sejam escolhidos, por estes - por
nomes - e que sejam residentes nos círculos por onde devem ser eleitos.
A batota a que se refere Paulo de Morais, bem como a eleição por listas, sejam
erradicadas de acordo com o que está estipulado na Constituição e que
sistematicamente está a ser "esquecida?".
FzD: A democracia não pode ser uma ditadura
da maioria, mas um regime onde as minorias têm voz e contam. Caso contrário
continuaremos a ver a criação de maiorias artificiais para repartição de
benesses entre os que a constituem, mesmo que para isso tenham de esquecer os
princípios que os deviam guiar. O problema é que quem detém o poder não
aceita de livre vontade ser prejudicado. Daí a necessidade de em democracia
real existirem contrapesos que defendam as minorias das arbitrariedades das
maiorias.
Jf: Infelizmente o presidente
fala muito, mas age pouco... Se juntarmos a proposta de Rui Rio de
transformar votos em branco em alguns lugares vazios no parlamento, seria
ainda mais justa a composição do mesmo. Infelizmente o
presidente fala muito, mas age pouco...
davcardos: Completamente de acordo, já agora
esqueceu os votos da emigração. É frustrante a situação actual.
Aumentaram o número de votantes devido à reorganização por morada mas não
adaptaram a quantidade de deputados para a assembleia da república. Espero que
a situação seja discutida!
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