Filme de João
Maia e Fernando
Pires, leio na Revista do Expresso, E, de 17/8/19.
Fui ver, na quinta à tarde, com a minha irmã, generosidade sua, num dos cinemas
do Cascais Shopping. Há quantos anos não ia ao cinema! “Foi há vinte? Há trinta? Nem eu sei já quando…” O certo é que
muitos filmes que fizeram época, já os tenho visto na televisão, satisfazendo
plenamente as minhas ânsias de evasão… Mas António
Variações é um cantor de génio, compositor e intérprete também.
De génio, como a Amália, que também
o foi e que ele amou, de pequenino, a proposta da minha irmã era irrecusável.
De génio, também, o actor que o
representou – Sérgio Praia – com uma caracterização e
representação fabulosas, de parecença física, com uma voz de um timbre bem semelhante,
embora as canções que cantou não fizessem parte, com uma ou outra excepção,
daquelas geniais que estamos habituados a ouvir, porque pretenderam representar
as suas múltiplas criações, gravadas em cassetes, que atafulharam a sua
existência inicial de adulto inquieto, e a ânsia de provar o seu valor e
originalidade, em tentativas sucedendo-se ao longo da sua vida de barbeiro,
consciente do seu mérito como criador, intérprete e cantor fora de série.
E uma sociedade pequena, de pequenos
grupos musicais a que tentou pertencer, o amigo holandês que sempre o apoiou, outras
figuras representativas das hipocrisias amistosas dos com algum poder, insensíveis
e evasivos - um desses muito bem representado pelo actor José Raposo - para quem nasceu em berço não dourado
(embora marcado pelo afecto da mãe, sobretudo), todo um sucessivo estrebuchar
de luta pelo que achava merecer e que lhe era sucessivamente vedado…E o êxito
final, e o aviso da doença, e o grande amor pelo amante antigo das suas
relações de homossexual, que casara, entretanto, mas que não perdera a sua
afeição, protegendo-o e amando-o, já nas vésperas da sua morte, num beijo que,
duvido, deixaria olhos indiferentes, tal o fluxo trágico que atravessou o
abraço dos dois amigos. O filme finaliza, não só com a informação escrita de
que o amigo morreria dois anos depois de Variações, mas também com músicas do António Variações, cantadas pelo
próprio, que todos conhecemos, com pena minha por não projectarem
conjuntamente, algumas das representações do próprio Variações, com as suas
contorções e originalidade de trajes, que, todavia, o filme demonstra um pouco, no
espectáculo que o projectou.
Um filme bem documentado, que exigiu pesquisa
aturada, para além da extrema sensibilidade do seu realizador, João Maia, de
quem registo o apontamento retirado da reportagem da E:
«Anda nisto das imagens em
movimento há mais de 20 anos e, na vida, já dobrou o cabo dos 40. João Maia fez
curtas-metragens, telefilmes, programas de televisão – e muita publicidade -
mas “Variações” (…) é a sua primeira longa-metragem de cinema, a experiência
serviu para alguma coisa. Para muita coisa, já que o filme está na primeira
linha de um cinema português que recusa o solipsismo, quer contar uma história,
quer chegar ao público e manter a dignidade. Ele, António Variações e o filme
que os há-de unir andam enrolados há mais de década e meia….»
Desejo, com fervor, que o filme seja bem
premiado… cá dentro e lá fora. Lembro-me bem do choque que senti, quando soube
que A.V era um dos primeiros - ou mesmo o primeiro - que neste país ia morrer com
sida.
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