sábado, 7 de setembro de 2019

“VARIAÇÕES”



Filme de João Maia e Fernando Pires, leio na Revista do Expresso, E, de 17/8/19. Fui ver, na quinta à tarde, com a minha irmã, generosidade sua, num dos cinemas do Cascais Shopping. Há quantos anos não ia ao cinema! “Foi há vinte? Há trinta? Nem eu sei já quando…” O certo é que muitos filmes que fizeram época, já os tenho visto na televisão, satisfazendo plenamente as minhas ânsias de evasão… Mas António Variações é um cantor de génio, compositor e intérprete também. De génio, como a Amália, que também o foi e que ele amou, de pequenino, a proposta da minha irmã era irrecusável.
De génio, também, o actor que o representou – Sérgio Praia – com uma caracterização e representação fabulosas, de parecença física, com uma voz de um timbre bem semelhante, embora as canções que cantou não fizessem parte, com uma ou outra excepção, daquelas geniais que estamos habituados a ouvir, porque pretenderam representar as suas múltiplas criações, gravadas em cassetes, que atafulharam a sua existência inicial de adulto inquieto, e a ânsia de provar o seu valor e originalidade, em tentativas sucedendo-se ao longo da sua vida de barbeiro, consciente do seu mérito como criador, intérprete e cantor fora de série.
E uma sociedade pequena, de pequenos grupos musicais a que tentou pertencer, o amigo holandês que sempre o apoiou, outras figuras representativas das hipocrisias amistosas dos com algum poder, insensíveis e evasivos - um desses muito bem representado pelo actor José Raposo - para quem nasceu em berço não dourado (embora marcado pelo afecto da mãe, sobretudo), todo um sucessivo estrebuchar de luta pelo que achava merecer e que lhe era sucessivamente vedado…E o êxito final, e o aviso da doença, e o grande amor pelo amante antigo das suas relações de homossexual, que casara, entretanto, mas que não perdera a sua afeição, protegendo-o e amando-o, já nas vésperas da sua morte, num beijo que, duvido, deixaria olhos indiferentes, tal o fluxo trágico que atravessou o abraço dos dois amigos. O filme finaliza, não só com a informação escrita de que o amigo morreria dois anos depois de Variações, mas também com músicas do António Variações, cantadas pelo próprio, que todos conhecemos, com pena minha por não projectarem conjuntamente, algumas das representações do próprio Variações, com as suas contorções e originalidade de trajes, que, todavia, o filme demonstra um pouco, no espectáculo que o projectou.
Um filme bem documentado, que exigiu pesquisa aturada, para além da extrema sensibilidade do seu realizador, João Maia, de quem registo o apontamento retirado da reportagem da E:

«Anda nisto das imagens em movimento há mais de 20 anos e, na vida, já dobrou o cabo dos 40. João Maia fez curtas-metragens, telefilmes, programas de televisão – e muita publicidade - mas “Variações” (…) é a sua primeira longa-metragem de cinema, a experiência serviu para alguma coisa. Para muita coisa, já que o filme está na primeira linha de um cinema português que recusa o solipsismo, quer contar uma história, quer chegar ao público e manter a dignidade. Ele, António Variações e o filme que os há-de unir andam enrolados há mais de década e meia….»

Desejo, com fervor, que o filme seja bem premiado… cá dentro e lá fora. Lembro-me bem do choque que senti, quando soube que A.V era um dos primeiros - ou mesmo o primeiro - que neste país ia morrer com sida.

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