segunda-feira, 23 de setembro de 2019

“A Cartilha Maternal”



De um homem correcto, que sofre com o Portugal que somos, a tentar enunciar os conceitos da sua fé, arrumadinhos, como as questões silábicas que João de Deus foi convertendo em palavras até chegar ao seu “Hino de Amor”: a e i o u –ai eu ia ui … Andava um dia Em pequenino Nos arredores de Nazaré…”

É certo que o país cresceu um pouco e a “Cartilha Maternal” foi à viola. Mas o espírito arrumado de António Barreto consegue fabricar uma doutrina que deseja orientadora, conquanto nem ele próprio creia nisso. É, contudo, um bom registo, pelo menos para promessas de eleições, que não tardam a esboroá-la.


OPINIÃO
Dúvidas e dilemas
Será possível que o narcisismo chique e a superioridade moral do Bloco se venham a instalar neste pobre país? Ou haverá alguma hipótese de ver essa espécie de snobismo marxista converter-se finalmente à democracia?
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 22 de Setembro de 2019
Dentro de dias, ou poucas semanas, começará uma vida nova. Não será perceptível de imediato. Mas podemos ter a certeza de que algo de novo vai começar, se é que já não começou agora. Há eleições que, por dramáticas e indecisas, são elas próprias os motores das mudanças. Os afrontamentos políticos são por vezes enormes e deles podem resultar verdadeiras convulsões. Os contrastes entre modelos e propostas políticas podem ser tais que umas meras eleições são suficientes para desencadear a mudança. As «eleições de Outubro» não fazem parte destas categorias. Apesar de os partidos dizerem todos, como devem, que são decisivas, a verdade é que os resultados essenciais estão feitos. Mais ou menos. Podemos não gostar, mas a previsibilidade é às vezes uma virtude democrática.
Acontece que, além dos resultados e da constituição dos órgãos de poder, ficam os problemas de um país e de um povo. Não serão as próximas eleições que resolverão os nossos principais problemas e as nossas grandes questões. Se é que ainda há uns e outras. A verdade é que as eleições se limitam muitas vezes a confirmar. Mas também é certo que, às vezes, anunciam. Depois de duas experiências seguidas, uma de direita e outra de esquerda, ambas com êxito e dominadas pela economia e pela questão da natureza do poder, podemo-nos preparar para um novo período de esclarecimento. Com a Europa e o Ocidente em crise muito séria, sob ameaças militares, comerciais e terroristas, convém que tratemos da casa para enfrentar o mundo.
A grande curiosidade é que as próximas eleições vão deixar o país com dúvidas muito sérias sobre a nossa capacidade de meter mãos à obra e de resolver dilemas.
Estas eleições não permitem escolhas importantes entre políticas, entre obras e entre modelos de vida colectiva. Quem tem escolhas diferentes e propostas originais não tem votos. Quem tem os votos prefere não ter propostas muito diferentes. Na verdade, estas eleições vão tão-só definir quem se vai ocupar do poder a seguir. Com a certeza de que quem vier terá uma grande margem de escolha. De qualquer modo, o que está em causa é importante.
A primeira grande dúvida: a esquerda quer ou não a liberdade? Parece pouco, banal ou até mentira, mas não é. Depois de a esquerda democrática, a do PS, se ter libertado das ameaças autoritárias e da tenaz comunista, assistimos a uma permanente oscilação: os socialistas não sabem se preferem o Plano e a direcção superior à liberdade dos indivíduos. Se preferem a certeza da autoridade do Estado à incerteza da liberdade. Quanto à esquerda não democrática, a do PCP e do Bloco, nunca até hoje preferiu a liberdade, sempre mostrou a sua inclinação irredutível pelo colectivo, pelo Partido e pelo Estado. Saberemos, dentro de poucas semanas, se os socialistas escolhem o colectivo ou se preferem a liberdade. Se PCP e Bloco são eles próprios conquistados ou seduzidos pela liberdade, ou se ficam para sempre atávicos e zelosos, à espera de crises que os possam salvar.
A segunda dúvida: saber se a direita está disposta e disponível para lutar contra a desigualdade social. Esta é uma das chagas da sociedade portuguesa. A direita gosta sempre do crescimento económico e do mercado. Antes, gostava mais do aconchego do Estado. Hoje, é até capaz de louvar o pensamento liberal, o que não é de todo a sua tradição. A direita democrática vai ao ponto de aceitar as liberdades individuais, mas não revela uma firme disponibilidade para olhar para a desigualdade social, cujas origens políticas, sociais, jurídicas, históricas e culturais parecem inamovíveis. Verdade é que a desigualdade acaba por ser a mais fértil fonte de ameaças à democracia. Com menos desigualdade, viveríamos, sem dúvida, com mais liberdade.
A terceira: será que a direita e a esquerda estão disponíveis para combater pela justiça? Pela igualdade perante a Justiça? Pela prontidão da Justiça? Pela eficácia da Justiça? Pela independência da Justiça não só perante o Governo, mas também perante o dinheiro, a fama, a comunicação, os partidos e as religiões? Por uma magistratura imune às Igrejas e às maçonarias? Será que a esquerda e a direita estão disponíveis para limpar a Justiça dos delírios burocráticos e processuais que têm como destino não os direitos dos cidadãos, mas bem mais as prerrogativas dos magistrados?
A quarta: será possível que o narcisismo chique e a superioridade moral do Bloco se venham a instalar neste pobre país? Ou haverá alguma hipótese de ver essa espécie de snobismo marxista converter-se finalmente à democracia? Continuará o eleitorado a dar o benefício da dúvida a esta moda tão elegante e radical da virtude e da revolução?
A quinta: este modelo de aliança “soft” tem futuro, é a condenação do PCP (como foi noutros países, a começar pela França) ou é a descarga de vitaminas necessárias a mais uma vida? Será que continuamos a ter o privilégio e o exclusivo do mais obsoleto e jurássico partido comunista do mundo? O PS deixar-se-á seduzir por esta versão serôdia do programa comum das esquerdas? Esta aliança trouxe algum benefício para as liberdades?
A sexta: é talvez chegado o tempo de saber se a esquerda e a direita democráticas, isto é, se o PS e o PSD persistem em querer desculpar, fechar os olhos, conviver, aproveitar e promover a corrupção. Permitirão a sobrevivência deste miserável banditismo político e económico que se instalou na democracia portuguesa, nos grandes serviços públicos e nos negócios de Estado? Será que o PS e o PSD, recheados de ligações familiares e de interesses duvidosos, consideram que a corrupção é um modo de viver português e que, como tal, persistirá? Ou que vale a pena lutar e contrariar aquela que pode ser a pior ameaça das liberdades e da democracia? Serão o PS e o PSD capazes de limpar as suas próprias estrebarias?
A sétima: são os portugueses capazes de romper com o seu pior, o nosso pior, a corrupção, o despotismo e a desigualdade, sem ter de mais uma vez liquidar o passado com violência e intolerância, como fizeram com os mouros, os judeus, os absolutistas, os religiosos, os liberais, os monárquicos, os republicanos, os socialistas, os democratas e os salazaristas? … Uma coisa é certa: romper com todos, sucessiva e repetidamente, proibi-los e expulsá-los, foi a melhor maneira de ficar com todos os seus defeitos, mas também de ficarmos mais pobres. E sem paz.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
FzD: Mais um artigo de antologia sobre a situação social e política actual. A questão da liberdade continua hoje a ser a mais importante a par da necessidade de vencermos a desigualdade social.
antoniofialho1, 22.09.2019: Infelizmente a maioria dos cidadãos votam iludidos. Quase Ninguém conhece os programas, sobretudo porque sabem que são listas de prendas, que podem não ser oferecidas... a politica também é ilusória: a perceção dos cidadãos é baseada na TV, redes sociais, e alguma imprensa, são eles quem criam a avaliação da situação do país, e que orientam o voto. Pouco importa que governo seja eleito pois o que precisamos são bons gestores da maquina pública, e que saibam gerir o futuro...
Luís Pires, 22.09.2019: Num arrepiante deslizar para o cada vez mais ridículo catastrofismo, AB a perder a antiga qualidade que tinha, um pensamento equilibrado e fundamentado, e a escorregar sem jeito semana após semana. É pena.
Fowler Fowler, 22.09.2019: Mais uma vez, as elucubrações do Conselheiro Acácio! Com tanto se(s) e jeito para imitar, em vez de escrever um poema, opta por fazer reflexões históricas ridículas.
José Manuel Martins, 22.09.2019: um artigo situado algures entre as civilizações pré-clássicas e o século XIX. Presume-se que o artigo zero será composto por uma única palavra, a única que importará, quando os idiotas futuros enterrarem todas estas questiúnculas de formigas importantíssimas vistas de muito longe, e se meterem tumba abaixo com elas: 'carbono'. Aquilo que está em discussão nestas ou em quaisquer outras eleições é consubstanciável num único mot-valise indicador de uma questão do tamanho de uma suma teológica: 'carbono', Todo o mais são os infinitésimos situados do outro lado da vírgula desse tema zero, desse 'carbono, justiça', 'carbono, corrupção'. Adeus, século XIX.
bento guerra, 22.09.2019 : Só depende de 8 milhões de patetas
Jose Vic, 22.09.2019: Após as eleições de 2015, António Barreto escreveu no DN sobre quem iria governar em Portugal. Seria o PS com a mão invisível do PC? Vinha aí novo resgate? etc. Hoje vem com este turbilhão de ideias típicas de um país que foi sempre refém das elites instaladas do centrão nas últimas décadas. António Barreto no seu percurso coerente de sempre. Nada de novo!
viana, 22.09.2019: Um texto ridículo de alguém que anda há muito tempo desorientado. Essa de utilizar a "liberdade" para distinguir a Esquerda da Direita é completamente jurássica. Felizmente, em Portugal, a esmagadora maioria da população sabe que a efectiva liberdade requer igualdade, que por sua vez só é possível com politicas públicas e a acção colectiva. Aliás, a coerência de AB é tanta que acaba, no melhor estilo neo-liberal, efectivamente, a defender mais "liberdade" para melhor combater a desigualdade social... felizmente já ninguém acredita em tal treta, como se vê pelas intenções de voto na IL. E "esquece-se" ao melhor estilo negacionista-neoliberal de mencionar a crise climática e ambiental. Alguém que nada fez durante os muitos anos que esteve na política, agora malha em todos...
Fernando Costa, 22.09.2019: Claro que ninguém acredita. Salvo os habitantes dos países igualitaristas e marxistas que, sem excepção, sempre quiseram fugir para os capitalistas e liberais. E já agora, os habitantes do países capitalistas, mesmo os que dizem defender o que diz o Viana, mas que nunca vi querer fugir para os países socialistas. Explique primeiro isso, e depois talvez possa ser levado a sério.
viana, 22.09.2019 : E alguém acredita?... feche os olhos à realidade, sim. Quantos votos tem a direita "defensora-da-liberdade" e em particular esse grupo de iluminados, que não escondem ao que vêem, a IL? Quantos votos tem a "liberdade" de pagar apenas 15% de IRS?... Estamos a falar de Portugal, não tente desviar o assunto. Há cada cego...
Fernando Costa, 22.09.2019 :  Viana: deu a resposta de quem não tem resposta, invariavelmente a mesma sempre que se faz esta pergunta a um comunista. Caso não se tenha apercebido, Portugal não é um pais orgulhosamente só. Por acaso não sou cego, mas até um ceguinho percebe a sua incoerência.
José Manuel Martins, 22.09.2019: divertido. Como diz o pcp e muito bem, 70% do país é de direita (do PS inclusive para a direita), só restam os semitotalitários híbrido-provisórios - bloco e comunas e grupúsculos - para representar 'a esquerda'. E, se, como a lógica do pim manda proferir a Viana, 'estamos em Portugal', esse Portugal 'onde estamos' (eureka, grita o Viana) está no ocidente livre democrático - de direita capitalista parlamentar, e o único sistema que proporcionou igualdade, enriquecimento e protecção social 'às massas', hoje classe média do 'norte ocidental rico' -. O tal mundo livre que ganhou à esquerda mundial órfã a guerra fria. Watson, não se ponha a tocar violino. Mas, como digo acima, sem oxigénio não liberdade nem gulag, e não me chateiem mais com o séc. XIX.
Macuti, 22.09.2019: Excelente artigo de alguém que tenta remar contra a maré . Um país dividido entre elites extractivas que institucionalizaram a corrupção, dominando um sistema judicial, que não permitem mudar, muito responsável pela desigualdade social atávica, e por uma extrema esquerda a quem essa desigualdade é conveniente. Admiro o seu conhecimento, a sua coragem e a sua persistência em escrever sobre um tema que incomoda muita gente, sujeitando-se semanalmente ao insulto dos que estão contra a liberdade. E Marcelo perde-se entre beijos e abraços....
Colete Amarelo, 22.09.2019: Um óptimo "scan" do Portugal político.


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