Uma curta biografia sobre um nome
importante hoje, que foi pioneiro dos estudos ligados à natureza e à acção do
Homem sobre ela: Alexander von
Humboldt. Um texto de Marisa Fernandes, de muito interesse, como alerta para uma questão –
a Natureza – com quem
sempre convivemos de olhos fechados, como coisa que está presente, tal como nós
estamos, mas é coisa viva que devemos respeitar, e não apenas com lirismo
poético, ou terreno útil para as nossas realizações. Alexander von Humboldt, um nome a “explorar”,
presente, afinal, nos estudos de Geografia
Física, sem que tenhamos sido alertados para isso.
OPINIÃO
250 Anos do Nascimento de Alexander von
Humboldt, o géografo alemão visionário
As ideias de Humboldt permanecem actuais,
fazendo dele aquilo que se pode denominar de um visionário, sobretudo quando as
alterações climáticas têm hoje o impacto que têm.
MARISA FERNANDES
PÚBLICO, 19 de Setembro de 2019
Há
dois séculos e meio, a 14 de Setembro, nascia Alexander von Humboldt em Berlim, um dos cientistas mais conhecidos do
seu tempo. Explorador, quis “conquistar” o mundo não pela via da força, mas
através do conhecimento, observando e compreendendo in loco os fenómenos
físicos, isto é, a Geografia Física.
Filho
de um oficial prussiano e irmão de Wilhelm von Humboldt, funcionário do
governo, linguista e fundador da Universidade de Berlim, a
Humboldt-Universität, deixou de lado o conforto que a herança nobre lhe podia
proporcionar e dedicou grande parte da sua vida a viajar para investigar a
natureza. Para Humboldt, a Geografia correspondia a uma Erdbeschreibung
[descrição da terra]
Há
dois séculos e vinte anos, o explorador Humboldt partiu para a sua expedição à
América do Sul, onde o seu significativo papel é lembrado e reconhecido como
o atestam vários animais e plantas nativas de seu nome, muitas ruas, parques e
praças, um pico na Venezuela, umas montanhas no México, um rio no Brasil e um
géiser no Equador, entre outros.
Custeando
do seu próprio bolso, viajou pelo continente americano mediante autorização do rei
Carlos IV de Espanha, com o intuito de explorar a fauna e a flora da América
do Sul e das Filipinas e trazer, posteriormente, exemplares das mesmas. Porventura
devido à sua formação interdisciplinar (em administração pública e economia
política, ciência, matemática e línguas, finança e economia, geologia),
Humboldt tinha interesse num grande conjunto de elementos: plantas, animais, rochas e água, e enviava o material e a
informação recolhidos para a França e a Alemanha (Prússia).
Foi
ainda no decorrer desta expedição que Humboldt, fonte de inspiração para
Charles Darwin, começou a elaborar a Naturgemälde [pintura da natureza],
um desenho com uma montanha no centro, dispondo de
várias colunas com informação dispostas da esquerda para a direita, nas quais
podemos ficar a saber a altitude, a temperatura, a humidade ou a pressão
atmosférica, bem como os diferentes tipos de animais e plantas que podem ser
encontrados em cada altitude.
Pela
primeira vez, a natureza foi demonstrada como uma força global com as
correspondentes zonas climáticas a atravessar continentes. Humboldt observou,
de igual modo, a flora através das variações climáticas por localização,
entendendo o mundo como algo uno e onde tudo é interação.
Ainda
com o intuito de completar a sua Naturegemälde, Humboldt procurou levar a
cabo uma viagem à Índia e mais concretamente aos Himalaias embora sem sucesso,
já que nunca conseguiu obter autorização da companhia britânica da Índia
Oriental. O seu objectivo era, como notado por Andrea Wulf, autora da obra A Invenção da
Natureza - As Aventuras de Alexander von Humboldt, o Herói
Esquecido da Ciência, publicada
pela Circulo de Leitores em Portugal, examinar o maior número possível
de continentes para comparar informações acerca dos padrões climáticos, tipos
de vegetação e formações geológicas distribuídas por regiões.
Humboldt
acreditava que a natureza se tratava de um organismo vivo, em relação ao qual o
homem parece ter uma intervenção fundamental desde sempre, e que ao atravessar
continentes e oceanos, o homem trouxe consigo plantas de uns locais para os
outros e, por conseguinte, algumas plantas acabam por contar algo não só sobre
a humanidade, como também pela natureza em si mesma. E isto acaba por estar
relacionado com a política e a economia. Refira-se, aliás, que Humboldt, tido
como pai da ecologia para Wulf, alertava já na época para o papel que o homem
tem e teria nas mudanças climáticas.
Prussiano
de nascimento, quando em espaço europeu, o geógrafo alemão preferia
permanecer em Paris (e escrever em francês), uma cidade mergulhada na ciência,
não existindo no espaço europeu nenhum outro lugar onde pensar de forma liberal
e livre fosse permitido. A verdade, porém, é que nem Napoleão
(encarando-o possivelmente como uma “ameaça” para o sucesso da sua obra acerca
do Egipto, Description de l’Egypt, e também como espião da inimiga Prússia)
nem o rei Friedrich Wilhelm III apreciavam esta
permanência de Humboldt, sendo que este último ordenou seu regresso à então
anti-liberal Berlim, onde o explorador passaria a desempenhar o papel de
entertainer cultural do rei e a proporcionar-lhe, sempre que necessário,
conhecimentos geográficos.
Na
época e ao mesmo tempo, Humboldt iniciou um conjunto de sessenta e uma
conferências na universidade, realizando várias numa mesma semana com
sucesso e com um público diversificado (incluindo membros da família real,
estudantes, criados e até mulheres, que habitualmente não dispunham de
autorização para estudar em universidades ou para frequentar encontros
científicos), democratizando
e popularizando a ciência; Humboldt foi, neste sentido, um pioneiro da
comunicação cientifica. Note-se
também que este fomentava as conversas entre cientistas, provenientes das mais
diversas áreas de conhecimento e de toda a Europa, sendo um defensor da
interdisciplinaridade.
Aliás,
foi igualmente nesta linha que redigiu a obra Kosmos [Cosmos], composta por
cinco volumes, contando com o apoio de especialistas em várias áreas de
conhecimento. A visão geral cabia a Humboldt, ao passo que as visões
especificas lhe eram fornecidas pelos dados e pelas informações dos especialistas
que com ele colaboravam. Tendo o primeiro volume sido publicado em 1845,
Kosmos tornou-se um bestseller com mais de 20.000 cópias na edição alemã; nos
anos seguintes foram publicadas traduções nas línguas inglesa, holandesa,
italiana, francesa, dinamarquesa, polaca, sueca, espanhola, russa e húngara.
Muito
provavelmente como resultado das suas expedições (a última realizou-se, em
1829, à Sibéria) pelo mundo, Humboldt era um espírito livre (crítico
da escravatura também) e cosmopolita, defendendo a existência de uma relação
directa entre a natureza e a cultura, objecto de estudo da Geografia Humana.
Falecido
há um século e sessenta anos, as ideias
de Humboldt permanecem actuais, fazendo dele aquilo que se pode denominar de um
visionário, sobretudo quando as alterações climáticas têm hoje o impacto que
têm, com o passado mês de Junho a ser o mais quente na Europa desde que há
registo, de acordo com o programa Copernicus, apenas para dar um exemplo. Daí que no início do presente ano, na sua visita
ao Equador, Frank-Walter Steinmeier, Presidente da Alemanha, o tenha assumido
como um modelo inspirador por ter dado a conhecer o mundo à Alemanha e ter
ensinado que não se pode ser indiferente a este mundo, pelo qual somos
responsáveis.
A
atestar a importância de Humboldt para a Alemanha e para a ciência encontra-se
também a existência de uma fundação e de um veleiro com o seu nome. No que
respeita à fundação, a mesma foi criada em 1860, em Berlim, logo após a
morte de Alexander von Humboldt com o nome Alexander von Humboldt-Stiftung für
Naturforschung und Reisen [Fundação Alexander von Humboldt para a
Investigação da Natureza e as Viagens], estando dedicada ao financiamento
de investigadores alemães que se encontram no estrangeiro. Após um período
de encerramento, a fundação reabriu em 1925, passando a apoiar cientistas
estrangeiros e doutorandos durante os seus estudos na Alemanha, mas
voltaria a encerrar com o fim da Segunda Guerra Mundial. A fundação, com a
denominação actual de Alexander von Humboldt-Stiftung, reabriu em 1953 e
encontra-se desde então sediada em Bona. Relativamente ao veleiro, o mesmo
tem o nome de Alexander von Humboldt II e corresponde a um veleiro de
instrução destinado aos jovens e a todos aqueles que tenham interesse em viver
uma experiência a bordo, pertencendo à Deutsche Stiftung Sail Training
(DDST), em Bremerhaven, e construído em 2011.
Humboldt foi, de igual modo, relembrado no romance publicado em Portugal
como A Medida do Mundo pela
Editorial Presença, da autoria de Daniel
Kehlmann, o autor alemão escolhido para a edição deste ano da
Noite da Literatura Europeia em Lisboa.
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