que rebenta querendo rivalizar com o boi
em tamanho, ou mesmo a mosca que atiça – importunando, com os seus volteios e
picadelas - os seis cavalos que puxam o coche pelo monte acima e se julga única
responsável pelo êxito da subida – tal parecemos nós, segundo este texto de Nuno Pacheco – sobre as “farroncas” (que eu também
ouvi) do nosso PM, (não
nos bastando as habituais bacoquices patrioteiras do nosso PR), a respeito da língua portuguesa, com
a estapafúrdia frase hiperbólica e pleonástica - “Na língua portuguesa cabe o mundo inteiro. A língua portuguesa é,
porventura, a nossa maior riqueza, colectiva, de todos nós” - perfeitamente
oca e falsa, na sua boca, quando ele a estima tão pouco, não só nos seus frequentes
atropelos linguísticos, como na monstruosidade de um AO90 adulterador
que não se dispõe a banir de vez, mau grado as muitas demonstrações da insanidade
daquele, na redução de grafemas, não só importantes para a pronúncia, como
distintivos de uma origem clássica que os outros povos europeus com orgulho
mantêm. Mas a presunção é característica comum aos pequenos seres, como esses
da fábula, os grandes não precisando de pregões, pois que lhes basta o esforço
próprio de inteligência aplicada.
OPINIÃO
Língua portuguesa: uns só sabem do
sonho, outros é mais inquietação, inquietação
No Dia Mundial da Língua Portuguesa
houve um generalizado tom ufanista que só a custo encontra expressão prática.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 7 de Maio de 2020
António Gedeão, Manuel Freire e José Mário Branco
não têm culpa nenhuma disto, mas se tivéssemos de traduzir em música as celebrações
do Dia Mundial da Língua Portuguesa, o primeiro desde que a UNESCO fez
mundial a data fixada em 2009 pela CPLP, só duas canções nos
ocorrem: Pedra filosofal e Inquietação. A insustentável leveza do sonho e o peso do que
nos inquieta.
É certo que, a esta hora, já todos
viraram a página, até porque o fantasma da recessão que paira sobre as economias
relegará mais uma vez a língua para segundo plano. Mas nas mensagens, nos discursos, nos artigos de
opinião e nas celebrações que marcaram o dia 5 há um generalizado tom ufanista
que só a custo encontra expressão prática. Dos arroubos poéticos
da mensagem
presidencial (Marcelo Rebelo
de Sousa elogiou no português “o génio de ser uma língua do futuro, viva,
diversa na unidade, que muda no tempo e no espaço, continuando a ser a mesma no
essencial”) à euforia de
António Costa (“Na língua portuguesa cabe o mundo inteiro. A
língua portuguesa é, porventura, a nossa maior riqueza, colectiva, de todos
nós”), passando pelo ufanismo matreiro do texto para o qual o
ministro Augusto Santos Silva
arregimentou três outros ministros que em matéria de políticas da língua só são
chamados quando convém, vai um largo rol de cenários sonhadores e vacuidades. É possível escrever, como se faz neste último texto,
sem soltar de imediato uma gargalhada, que “cresce o uso [da língua portuguesa]
na economia, nas viagens, na informação”? Em que planeta vivem?
Falantes de português no mundo, hão-de ser 500 milhões no futuro, afiança Costa. Mas hoje
há quem fale em 265 milhões, mais de 270 milhões ou cerca de 300 milhões. São
números que só querem dizer alguma coisa se descermos à realidade dos países
onde a língua é falada ou ensinada e aí veremos que há inúmeros problemas
ocultos neste nevoeiro de sonhos. A
imagem, idílica, de milhões de estrangeiros ávidos de aprender o português
(pouco importa em que variante) esbarra na dura realidade de a língua enfrentar
dificuldades no seu próprio terreno, seja no ensino em
países africanos (as queixas são públicas e conhecidas), seja na
insistência com que o português é facilmente substituído pelo inglês em várias
instâncias. A orquestra “lusófona” internacional quer ser bonita,
mas anda muito desafinada.
O
embaixador de Portugal na UNESCO, António Sampaio da Nóvoa, deu recentemente uma entrevista à Renascença onde, a par de considerar que “temos
que fazer mais” pelo ensino da língua no estrangeiro e em Portugal (e se
temos de fazer mais é porque não fazemos ainda o suficiente), acenou com esta
velha miragem: o português como língua oficial da ONU. Diz ele que hoje
“estamos mais perto” de o conseguir. Estamos? Olhe que não. O secretário
executivo da CPLP, Francisco Ribeiro Telles, também numa entrevista recente à Deutsche Welle África, reconhece “que
existe de facto uma vontade de diferentes departamentos das Nações Unidas em
poder desenvolver esforços no sentido em que o português venha a ser uma língua
oficial”, mas constata que, “para além de uma vontade política, é necessário um
enorme esforço financeiro, que obviamente levará o seu tempo a
concretizar”. Um enorme esforço financeiro, aí está. Ora a CPLP tem um
largo historial de contribuições em atraso e o
nada recomendável Instituto Internacional da Língua Portuguesa está
financeiramente nu. Portanto sim, há sonhos, planos, protocolos, promessas.
Mas não há dinheiro. A isto, dá o sonhador uma singela resposta: “A língua
portuguesa é, porventura, a nossa maior riqueza.” Ufanismo de bolsos vazios.
Como
se não bastasse, há ainda o incómodo Acordo Ortográfico. Ratificado por quatro países, que só parcialmente o
aplicam (com as incongruências a ele associadas e com uma trapalhada enorme
nas datas de ratificação, como já várias vezes aqui se escreveu), vem agora Cabo Verde dizer que a atitude do país
“é não entrar em posições fracturantes, neste momento”, ao passo que Angola, cujo ministro das Relações Exteriores, Téte António,
diz “estar a trabalhar com vista à ratificação”, sublinha que ali o
português apresenta “particularidades discursivas, pragmáticas, sintácticas,
léxicas, morfológicas, fonológicas e prosódicas.” Concluindo: é uma variante e
quer ser como tal reconhecida. A amálgama “unificadora” actual não lhe serve.
E
a Portugal muito menos. Atente-se
nesta passagem da já citada entrevista de Sampaio da Nóvoa: “O professor Adriano
Moreira, num texto recente, dizia que tínhamos
que acabar com a inquietação do Acordo Ortográfico. Julgo que é preciso, serenamente, fazer uma
avaliação, pensarmos no que nunca aconteceu ao longo destes últimos anos e
décadas. Pensar o que isso significa para as gerações mais jovens, o que significa
para as gerações menos jovens como a minha e a partir dessa avaliação
encontramos soluções de futuro. É uma resposta que lhe estou a dar a título
pessoal, mas creio que está na altura de fazermos essa avaliação e, retomando
as palavras do professor Adriano Moreira, acabar com esta inquietação.” É um ponto de partida tardio. Mas a
inquietação só terminará quando for reconhecido o logro que este acordo é.
Livremo-nos dele, que terminará a inquietação. E haverá paz ortográfica.
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