Realmente, viveu-se a estranha aberração
do desaparecimento de Valentina, e, encontrada esta, a indignação foi geral contra
a monstruosidade do acto do progenitor que com falsas pistas e sugestões de
acto criminoso atribuído a outrem, acompanhou as buscas da polícia no
nervosismo de ser descoberto. E António
Barreto expõe sobre o pensamento geral de repúdio, e sobre o papel do Estado
na protecção à família, que falha naturalmente, pois que um Estado-Providência
efectivo, julgo que tem a ver com um Estado que impõe regras educacionais, que
há muito foram desrespeitadas nas escolas como na família. Nunca a
criminalidade foi tão larga como hoje, com casos frequentes de violência e
abandono e tem a ver isso também com a miséria social, em termos dos valores de
cidadania, na obscuridade dos lares e na parlapatice dos exemplos de
presidentes às compras da semana, para indicar ao povo como se faz na época da
máscara obrigatória, com a televisão seguindo-lhe a figura, não sei se
subservientemente se para melhor caçoar. Somos, de facto, um povo de atroz
mediocridade, não há protecção que valha, meu Deus, contra o ridículo! Julgo
que fugi ao tema, mas a indignação também conta, até contra a lamechice, até
contra o ar de astúcia e arrogância que o protege a ele, ao PM, como assassinos das almas.
OPINIÃO
Justo furor
Há qualquer coisa que não está certa
com as instituições de protecção às crianças e com serviços que devem protecção
aos fracos, aos idosos, aos deficientes e aos internados em lares.
PÚBLICO, 17 DE MAIO DE 2020
Algures para os lados de Peniche, uma
menina, Valentina,
foi assassinada. Tudo
leva a crer que os autores tenham sido o seu pai e madrasta. Com irmãos espectadores. Com pancadaria, sofrimento, tortura e
encenação escabrosa. Não
falta quem reclame justiça privada para castigar aquelas bestas. Nem quem considere que
é o momento chegado para restaurar a pena de morte para certos casos, como o
assassinato de crianças. Há quem prefira a prisão perpétua. É sempre assim: perante
um excesso de violência e de crueldade, logo aparece o excesso de vingança.
Ódio com ódio se paga. É o pior que se pode fazer. Basta que se aplique a
lei actual e que se proíba a redução. Poder-se-á aumentar a duração da
pena? Talvez. Tudo o resto, prisão perpétua, pena de morte e justiça
por mãos próprias, é do domínio da vingança, da raiva e não da justiça.
Há
um justo furor, uma revolta contra a violência e a maldade de um adulto, de um
pai, de uma madrasta ou de um marido, que chegam a este ponto de desumanidade.
Fúria contra os que vieram primeiro dizer que se tratava de bons vizinhos, para
depois os quererem linchar. Fúria também contra os serviços de protecção de
menores e contra os que deviam ter responsabilidades. Fala-se de crianças sinalizadas, mas esquecidas. Diz-se que já havia ficheiros
constituídos. Que havia…
Sinalizados assassinados não faltam.
Já não é o primeiro caso. Nem o segundo. Ora crianças. Ora velhos. Ora
doentes. Ora mulheres. Sinalizados assassinos também não faltam. À solta. O
Estado é só incompetente? Burocrático? Não tem leis que cheguem? Não tem
pessoal? Não tem equipamentos?
Será que há problemas de carreira? Tudo parece ser possível. Mas uma coisa é
certa: num país como o nosso onde é tão fácil pedir ao Estado dinheiros e
regalias, empregos e benesses, há receio de pedir ao Estado que proteja as
crianças, as mulheres, os doentes e os velhos.
Estamos
mais uma vez diante de dilemas. Neste
caso, os do papel do Estado e dos serviços de protecção. Pode o
Estado retirar membros de uma família para os proteger? Pode retirar crianças
aos pais? Tem o dever de esconder mulheres? Pode guardar idosos? Não estamos
mais uma vez a pensar que o Estado resolve, que o Estado é justo, que o Estado
é ama, padrinho e mãe?
O
que tem piores consequências? Meter o Estado dentro de casa? Trazer para dentro
das famílias as leis, os assistentes sociais, os serviços de protecção, os
juízes, os psicólogos e a polícia, retirar crianças e jovens menores aos pais,
colocá-los em instituições, violar as tradições familiares, fazer tábua rasa de
velhos hábitos, ignorar que dentro de casa os pais são os reis, mas
tentar salvar a vida ou a integridade física de crianças? Ou deixar as famílias resolver os
seus problemas, permitir que os conflitos se tratem dentro de quatro paredes,
não violar a intimidade e não contribuir para que se destrua ainda mais a
família e o seu meio de cultura, afecto e cuidado? E se a intervenção do Estado foi excessiva e não se justificava? E se
a protecção do Estado foi mal calculada e não chegou a horas? O que é
mais grave? Educar crianças em meio institucional, dando o flanco aos abusos
conhecidos e às organizações de exploração sexual e laboral? Ou
deixar educar crianças em ambientes violentos, disfuncionais e perigosos, mas
familiares?
Verdade é que há qualquer coisa que não está certa com as
instituições de protecção às crianças e com serviços que devem protecção aos
fracos, aos idosos, aos deficientes e aos internados em lares. Ou aos hóspedes temporários de
hostels de imigrantes. Há
qualquer coisa errada com as crianças “sinalizadas” e que acabam por ser
assassinadas ou abusadas. Ou com as mulheres “sinalizadas” e que os maridos
matam ou sovam. Ou com os velhos “sinalizados” e que os bandidos ou os presumíveis
herdeiros espancam e roubam. Ou com os candidatos a refugiados que conseguem
entrar no país, são “sinalizados” e depositados aos cinco e aos dez por quarto
em pousadas geridas por negreiros, com o
silêncio ou a cumplicidade de serviços públicos.
Veja-se
o que se tem passado com trinta. Velhos
quase a monte, residências sobrelotadas, taxas de contágio absurdas e
contaminados às dúzias. Onde está o Estado? Onde estão os serviços de
protecção? Será que se trata de mais uma discussão ideológica sobre o papel do
Estado? Será que se pensa que não se pode retirar crianças à família, porque a
família é sagrada? Porque os pais e as mães naturais são sagrados? Será que se
acredita sempre mais na palavra do pai porque é pai, da mãe porque é mãe? Mesmo
quando são bêbedos, bandidos e criminosos? O Estado tem receio da Igreja que
considera sagrada a família? O Estado entende que só em última instância é que
se pode e deve intervir, quando é certo que a última instância é quase sempre
tarde demais. Quantas vezes se
ouve dizer que a criança estava sinalizada, que o velho estava identificado,
que a doente estava referenciada e que a mulher estava registada? E quantas
vezes se ouve dizer que estes todos, mortos, estavam sinalizados?
Os números são cruéis. Nas duas
últimas décadas, pelo menos trinta crianças assassinadas. Milhares de mulheres
batidas e violadas em casa e no espaço público. Trinta
mulheres assassinadas por ano. Centenas de velhos feridos ou
mortos em casa. Os serviços de protecção, as polícias, os magistrados, os
assistentes sociais e as autarquias estão mal preparados para prevenir.
Provavelmente mal equipados. Seguramente sem meios. Mas sobretudo mal formados,
parece. Na
verdade, a ideologia da família, à luz da lei, da Igreja e dos costumes, faz
com que se deixem os mais fracos abandonados. A
família é capaz de tudo, do melhor e do pior. Mas é sabido que a maior
parte dos crimes contra as crianças, os velhos e as mulheres ocorrem em
“ambiente familiar”. E que a grande maioria dos crimes de abuso sexual têm
igualmente a família como cenário e decoração.
O que é preciso de crueldade e de
falta de humanidade para espancar, matar e esconder uma criança de nove anos? O
que é preciso de barbaridade para deixar os velhos literalmente amontoados a
morrer, sem dignidade, sem serviços de inspecção e sem protecção da autarquia,
do Estado ou seja de quem for? O que é preciso de selvajaria para espancar uma
mulher, a sua mulher, a mãe dos seus filhos até a matar ou deixar desfigurada?
O que é preciso de brutalidade e de grosseria para espancar ou matar os velhos
indefesos e doentes! Estes crimes não têm desculpa, nem perdão. Nem atenuantes,
sejam eles a miséria, a ignorância, as origens, o desespero, o álcool ou a
droga…
Sociólogo
TÓPICOS
fernando
jose silva EXPERIENTE: Um país pode aprovar a melhor legislação concebível para
proteger os mais fracos, os mais débeis, os mais frágeis, os mais pobres, as crianças,
a velhice... Porém, se as leis não tiverem conteúdo e aplicação prática, quanto
mais legislação se fizer, pior é o sistema. Pugnar por princípios éticos,
justiça social e justiça dos tribunais, melhor educação, mais conhecimento e
elevar a cultura geral do cidadão até obter um sentido crítico e uma cidadania
consciente e exercida, serão partes dum caminho que não se vê. Se o cidadão faz
a sociedade que temos, só o cidadão dignificado, livre, actuante e critico no
tecido humano, pode fazer melhores sociedades.
Jose MODERADOR: Um libelo acusatório da
liberdade individual, da integridade ética das famílias, da iniciativa privada
dos Lares, das instituições da Santa Casa, das instituições privadas da
caridade ou assistência social, um libelo acusatório do indivíduo e sua
liberdade e um apelo ao Estado totalitário, força salvadora do cidadão, bruto,
bêbedo, ignorante, pai e mãe irremediavelmente mau e criminoso. Coisa mais reaccionária
é difícil. Estes crimes hediondos são praticados em todas as famílias.
Lembra-se da "herança Sommer, motor de arranque de António Champalimaud?
Lembra-se dos herdeiros de Pinto Magalhães (banqueiro), motor de arranque de
Belmiro de Azevedo, capitalista de abril? Lembra-se da perseguição familiar a
Stanley Ho... A Liberdade e a Segurança é o lema da sua crónica. Antes a
liberdade! Sim!
Mário Areias INICIANTE: É
de facto um tema muito melindroso e complicado. Estou completamente de acordo
consigo sobre o investimento que vale a pena nestes sectores sociais e também
muito de acordo que as penas que temos são suficientes desde que não haja
reduções.
AndradeQB MODERADOR: Se
a questão das penas não se discute quando acontecem estes crimes, e também não
se discutem nos intervalos, a resposta está dada. Colocando de fora os países
em que existe a pena de morte, a prisão perpétua ou penas longas existem em
muitos países com uma tradição mais democrática do que a de Portugal. Existe
alguma superioridade dos portugueses que ainda algum dia se vai descobrir em
que vantagem se traduz. Até ver, não se descortina em quê e, muito menos, na
protecção de crianças e de indefesos. O milagre português é, no entanto,
incontestado. Deve ser um milagre tipo Fátima, aparecem umas parangonas no céu
(na actualidade o céu foi substituído pelo ecrã da televisão), a seguir não se
vê nada, mas o milagre já ninguém o tira.
jorge morais INICIANTE: Não deve haver dúvidas que António Barreto causa
invejas a muitos vencidos na vida que nunca deram uma para a caixa. Até à
próxima crónica.
PSG MODERADOR: No CM e na CMTV já se debateu essa questão e a
conclusão foi unânime: contrata - se o cronista.
jorge morais INICIANTE: Olha.
Um já acusou o toque.
PSG MODERADOR: A sociologia
passa bem sem os dogmas do douto. Demita - se dessa sua ambição de ser líder de
opinião sff.
FPS INFLUENTE > Fowler
Fowler INICIANTE: A intervenção do Estado na promoção dos direitos e
protecção da criança e jovem em perigo obedece a princípios que o autor parece
ignorar. Devemos a António Guterres a lei que vigora na protecção de crianças e
jovens em risco. Deu-se um grande passo legislativo, um avanço na sociedade
portuguesa. Enquanto isso, este cronista entretinha-se a aviltar aquele
político como mais ninguém o fez.
Maria
Marques INICIANTE Num país em que os partidos políticos maioritários vão
legalizar a eutanásia, que protecção se poderá esperar do Estado às vítimas de
crimes sociais?
TML INICIANTE não
sendo eu a favor da eutanásia, não posso deixar de dizer: Porra, que
desonestidade intelectual!
bento guerra EXPERIENTE O
Estado, ao contrário das empresas, não promove competência, dedicação e
inovação. Promove afilhados ou companheiros de partido. Uma enorme frustração
para os que derem dar significado à sua actividade e empenho. Dei formação a
alguma dessa gente, há três décadas, percebi o potencial perdido e uma
desilusão que se mantém
Mario
Coimbra EXPERIENTE Este tema é tão difícil. Uma coisa é certa. O Estado
tem que ter mecanismos que ajudem estas pessoas. No caso da menina ela queria
estar com os irmãos. Como sinaliza isto. A mãe tem que trabalhar. É divorciada.
O Pai é um assassino. Que hipótese tem esta criança. Isto é tudo muito mau,
muito triste e desolador. Estamos no séc XXI e certas barbáries teimam em não
passar.
FPS INFLUENTE Ainda
esta semana, todos assistimos, apalermados, a um homem ser assassinado, à
facada, pela sua mulher... É bom que se registe isto e que isto se não esqueça
também. O homem é, sobretudo e para além da sua natureza, a sua circunstância.
Concluir, como concluiu AB, que estes crimes não têm perdão é muita soberba e
autoconfiança juntas. Que diabo, ainda não foi esquecido que o princípio
fundador da civilização ocidental é o cristianismo... é o cristianismo que
sustenta a maioria das nossas leis - ainda que, todos saibamos, foi votado às
malvas mal começou a conhecer a sabor inebriante do poder e a adulterar o que
foi o pensamento de Cristo. Pelo menos, o pensamento atribuído a alguém, a quem
se deu o nome de Cristo, - dizem alguns até, que é filho de Deus (existisse ou
não, pouco importa...)!
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