segunda-feira, 18 de maio de 2020

Protecção



Realmente, viveu-se a estranha aberração do desaparecimento de Valentina, e, encontrada esta, a indignação foi geral contra a monstruosidade do acto do progenitor que com falsas pistas e sugestões de acto criminoso atribuído a outrem, acompanhou as buscas da polícia no nervosismo de ser descoberto. E António Barreto expõe sobre o pensamento geral de repúdio, e sobre o papel do Estado na protecção à família, que falha naturalmente, pois que um Estado-Providência efectivo, julgo que tem a ver com um Estado que impõe regras educacionais, que há muito foram desrespeitadas nas escolas como na família. Nunca a criminalidade foi tão larga como hoje, com casos frequentes de violência e abandono e tem a ver isso também com a miséria social, em termos dos valores de cidadania, na obscuridade dos lares e na parlapatice dos exemplos de presidentes às compras da semana, para indicar ao povo como se faz na época da máscara obrigatória, com a televisão seguindo-lhe a figura, não sei se subservientemente se para melhor caçoar. Somos, de facto, um povo de atroz mediocridade, não há protecção que valha, meu Deus, contra o ridículo! Julgo que fugi ao tema, mas a indignação também conta, até contra a lamechice, até contra o ar de astúcia e arrogância que o protege a ele, ao PM, como assassinos das almas.
OPINIÃO
Justo furor
Há qualquer coisa que não está certa com as instituições de protecção às crianças e com serviços que devem protecção aos fracos, aos idosos, aos deficientes e aos internados em lares.
PÚBLICO, 17 DE MAIO DE 2020
Algures para os lados de Peniche, uma menina, Valentina, foi assassinada. Tudo leva a crer que os autores tenham sido o seu pai e madrasta. Com irmãos espectadores. Com pancadaria, sofrimento, tortura e encenação escabrosa. Não falta quem reclame justiça privada para castigar aquelas bestas. Nem quem considere que é o momento chegado para restaurar a pena de morte para certos casos, como o assassinato de crianças. Há quem prefira a prisão perpétua. É sempre assim: perante um excesso de violência e de crueldade, logo aparece o excesso de vingança. Ódio com ódio se paga. É o pior que se pode fazer. Basta que se aplique a lei actual e que se proíba a redução. Poder-se-á aumentar a duração da pena? Talvez. Tudo o resto, prisão perpétua, pena de morte e justiça por mãos próprias, é do domínio da vingança, da raiva e não da justiça.
Há um justo furor, uma revolta contra a violência e a maldade de um adulto, de um pai, de uma madrasta ou de um marido, que chegam a este ponto de desumanidade. Fúria contra os que vieram primeiro dizer que se tratava de bons vizinhos, para depois os quererem linchar. Fúria também contra os serviços de protecção de menores e contra os que deviam ter responsabilidades. Fala-se de crianças sinalizadas, mas esquecidas. Diz-se que já havia ficheiros constituídos. Que havia…
Sinalizados assassinados não faltam. Já não é o primeiro caso. Nem o segundo. Ora crianças. Ora velhos. Ora doentes. Ora mulheres. Sinalizados assassinos também não faltam. À solta. O Estado é só incompetente? Burocrático? Não tem leis que cheguem? Não tem pessoal? Não tem equipamentos? Será que há problemas de carreira? Tudo parece ser possível. Mas uma coisa é certa: num país como o nosso onde é tão fácil pedir ao Estado dinheiros e regalias, empregos e benesses, há receio de pedir ao Estado que proteja as crianças, as mulheres, os doentes e os velhos.
Estamos mais uma vez diante de dilemas. Neste caso, os do papel do Estado e dos serviços de protecção. Pode o Estado retirar membros de uma família para os proteger? Pode retirar crianças aos pais? Tem o dever de esconder mulheres? Pode guardar idosos? Não estamos mais uma vez a pensar que o Estado resolve, que o Estado é justo, que o Estado é ama, padrinho e mãe?
O que tem piores consequências? Meter o Estado dentro de casa? Trazer para dentro das famílias as leis, os assistentes sociais, os serviços de protecção, os juízes, os psicólogos e a polícia, retirar crianças e jovens menores aos pais, colocá-los em instituições, violar as tradições familiares, fazer tábua rasa de velhos hábitos, ignorar que dentro de casa os pais são os reis, mas tentar salvar a vida ou a integridade física de crianças? Ou deixar as famílias resolver os seus problemas, permitir que os conflitos se tratem dentro de quatro paredes, não violar a intimidade e não contribuir para que se destrua ainda mais a família e o seu meio de cultura, afecto e cuidado? E se a intervenção do Estado foi excessiva e não se justificava? E se a protecção do Estado foi mal calculada e não chegou a horas? O que é mais grave? Educar crianças em meio institucional, dando o flanco aos abusos conhecidos e às organizações de exploração sexual e laboral? Ou deixar educar crianças em ambientes violentos, disfuncionais e perigosos, mas familiares?
Verdade é que há qualquer coisa que não está certa com as instituições de protecção às crianças e com serviços que devem protecção aos fracos, aos idosos, aos deficientes e aos internados em lares. Ou aos hóspedes temporários de hostels de imigrantes. Há qualquer coisa errada com as crianças “sinalizadas” e que acabam por ser assassinadas ou abusadas. Ou com as mulheres “sinalizadas” e que os maridos matam ou sovam. Ou com os velhos “sinalizados” e que os bandidos ou os presumíveis herdeiros espancam e roubam. Ou com os candidatos a refugiados que conseguem entrar no país, são “sinalizados” e depositados aos cinco e aos dez por quarto em pousadas geridas por negreiros, com o silêncio ou a cumplicidade de serviços públicos.
Veja-se o que se tem passado com trinta. Velhos quase a monte, residências sobrelotadas, taxas de contágio absurdas e contaminados às dúzias. Onde está o Estado? Onde estão os serviços de protecção? Será que se trata de mais uma discussão ideológica sobre o papel do Estado? Será que se pensa que não se pode retirar crianças à família, porque a família é sagrada? Porque os pais e as mães naturais são sagrados? Será que se acredita sempre mais na palavra do pai porque é pai, da mãe porque é mãe? Mesmo quando são bêbedos, bandidos e criminosos? O Estado tem receio da Igreja que considera sagrada a família? O Estado entende que só em última instância é que se pode e deve intervir, quando é certo que a última instância é quase sempre tarde demais. Quantas vezes se ouve dizer que a criança estava sinalizada, que o velho estava identificado, que a doente estava referenciada e que a mulher estava registada? E quantas vezes se ouve dizer que estes todos, mortos, estavam sinalizados?
Os números são cruéis. Nas duas últimas décadas, pelo menos trinta crianças assassinadas. Milhares de mulheres batidas e violadas em casa e no espaço público. Trinta mulheres assassinadas por ano. Centenas de velhos feridos ou mortos em casa. Os serviços de protecção, as polícias, os magistrados, os assistentes sociais e as autarquias estão mal preparados para prevenir. Provavelmente mal equipados. Seguramente sem meios. Mas sobretudo mal formados, parece. Na verdade, a ideologia da família, à luz da lei, da Igreja e dos costumes, faz com que se deixem os mais fracos abandonados. A família é capaz de tudo, do melhor e do pior. Mas é sabido que a maior parte dos crimes contra as crianças, os velhos e as mulheres ocorrem em “ambiente familiar”. E que a grande maioria dos crimes de abuso sexual têm igualmente a família como cenário e decoração.
O que é preciso de crueldade e de falta de humanidade para espancar, matar e esconder uma criança de nove anos? O que é preciso de barbaridade para deixar os velhos literalmente amontoados a morrer, sem dignidade, sem serviços de inspecção e sem protecção da autarquia, do Estado ou seja de quem for? O que é preciso de selvajaria para espancar uma mulher, a sua mulher, a mãe dos seus filhos até a matar ou deixar desfigurada? O que é preciso de brutalidade e de grosseria para espancar ou matar os velhos indefesos e doentes! Estes crimes não têm desculpa, nem perdão. Nem atenuantes, sejam eles a miséria, a ignorância, as origens, o desespero, o álcool ou a droga…
Sociólogo
TÓPICOS
fernando jose silva EXPERIENTE: Um país pode aprovar a melhor legislação concebível para proteger os mais fracos, os mais débeis, os mais frágeis, os mais pobres, as crianças, a velhice... Porém, se as leis não tiverem conteúdo e aplicação prática, quanto mais legislação se fizer, pior é o sistema. Pugnar por princípios éticos, justiça social e justiça dos tribunais, melhor educação, mais conhecimento e elevar a cultura geral do cidadão até obter um sentido crítico e uma cidadania consciente e exercida, serão partes dum caminho que não se vê. Se o cidadão faz a sociedade que temos, só o cidadão dignificado, livre, actuante e critico no tecido humano, pode fazer melhores sociedades.
Jose MODERADOR: Um libelo acusatório da liberdade individual, da integridade ética das famílias, da iniciativa privada dos Lares, das instituições da Santa Casa, das instituições privadas da caridade ou assistência social, um libelo acusatório do indivíduo e sua liberdade e um apelo ao Estado totalitário, força salvadora do cidadão, bruto, bêbedo, ignorante, pai e mãe irremediavelmente mau e criminoso. Coisa mais reaccionária é difícil. Estes crimes hediondos são praticados em todas as famílias. Lembra-se da "herança Sommer, motor de arranque de António Champalimaud? Lembra-se dos herdeiros de Pinto Magalhães (banqueiro), motor de arranque de Belmiro de Azevedo, capitalista de abril? Lembra-se da perseguição familiar a Stanley Ho... A Liberdade e a Segurança é o lema da sua crónica. Antes a liberdade! Sim!
Mário Areias INICIANTE: É de facto um tema muito melindroso e complicado. Estou completamente de acordo consigo sobre o investimento que vale a pena nestes sectores sociais e também muito de acordo que as penas que temos são suficientes desde que não haja reduções.
AndradeQB MODERADOR: Se a questão das penas não se discute quando acontecem estes crimes, e também não se discutem nos intervalos, a resposta está dada. Colocando de fora os países em que existe a pena de morte, a prisão perpétua ou penas longas existem em muitos países com uma tradição mais democrática do que a de Portugal. Existe alguma superioridade dos portugueses que ainda algum dia se vai descobrir em que vantagem se traduz. Até ver, não se descortina em quê e, muito menos, na protecção de crianças e de indefesos. O milagre português é, no entanto, incontestado. Deve ser um milagre tipo Fátima, aparecem umas parangonas no céu (na actualidade o céu foi substituído pelo ecrã da televisão), a seguir não se vê nada, mas o milagre já ninguém o tira.
jorge morais INICIANTE: Não deve haver dúvidas que António Barreto causa invejas a muitos vencidos na vida que nunca deram uma para a caixa. Até à próxima crónica.
PSG MODERADOR: No CM e na CMTV já se debateu essa questão e a conclusão foi unânime: contrata - se o cronista.
jorge morais INICIANTE: Olha. Um já acusou o toque.
PSG MODERADOR: A sociologia passa bem sem os dogmas do douto. Demita - se dessa sua ambição de ser líder de opinião sff.
FPS INFLUENTE >  Fowler Fowler INICIANTE: A intervenção do Estado na promoção dos direitos e protecção da criança e jovem em perigo obedece a princípios que o autor parece ignorar. Devemos a António Guterres a lei que vigora na protecção de crianças e jovens em risco. Deu-se um grande passo legislativo, um avanço na sociedade portuguesa. Enquanto isso, este cronista entretinha-se a aviltar aquele político como mais ninguém o fez.
Maria Marques INICIANTE Num país em que os partidos políticos maioritários vão legalizar a eutanásia, que protecção se poderá esperar do Estado às vítimas de crimes sociais?
TML INICIANTE não sendo eu a favor da eutanásia, não posso deixar de dizer: Porra, que desonestidade intelectual!
bento guerra EXPERIENTE O Estado, ao contrário das empresas, não promove competência, dedicação e inovação. Promove afilhados ou companheiros de partido. Uma enorme frustração para os que derem dar significado à sua actividade e empenho. Dei formação a alguma dessa gente, há três décadas, percebi o potencial perdido e uma desilusão que se mantém
Mario Coimbra EXPERIENTE Este tema é tão difícil. Uma coisa é certa. O Estado tem que ter mecanismos que ajudem estas pessoas. No caso da menina ela queria estar com os irmãos. Como sinaliza isto. A mãe tem que trabalhar. É divorciada. O Pai é um assassino. Que hipótese tem esta criança. Isto é tudo muito mau, muito triste e desolador. Estamos no séc XXI e certas barbáries teimam em não passar.
FPS INFLUENTE Ainda esta semana, todos assistimos, apalermados, a um homem ser assassinado, à facada, pela sua mulher... É bom que se registe isto e que isto se não esqueça também. O homem é, sobretudo e para além da sua natureza, a sua circunstância. Concluir, como concluiu AB, que estes crimes não têm perdão é muita soberba e autoconfiança juntas. Que diabo, ainda não foi esquecido que o princípio fundador da civilização ocidental é o cristianismo... é o cristianismo que sustenta a maioria das nossas leis - ainda que, todos saibamos, foi votado às malvas mal começou a conhecer a sabor inebriante do poder e a adulterar o que foi o pensamento de Cristo. Pelo menos, o pensamento atribuído a alguém, a quem se deu o nome de Cristo, - dizem alguns até, que é filho de Deus (existisse ou não, pouco importa...)!


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