sexta-feira, 29 de maio de 2020

E nunca mais



Seremos amigos, como o Don Camillo e o Peppone do inesquecível Giovannino Guareschi em “Le petit Monde de Don Camillo”, durante anos livro de cabeceira para os fardos da vida, que depois perdi – o livro, não os fardos. Naquela altura, não se levava tanto a sério o Gramsci, que, aliás, desconhecíamos, podíamos rir. Agora o nosso riso é nitidamente amarelo, pelo menos por cá, que vivemos de mão estendida e desse ressentimento – ou talvez antes raiva contra tanta indignidade - pois que lhe falta a componente inveja, não escapamos.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.05.20
Hoje, 28 de Maio de 2020, lembrei-me do conceito nietzschiano de ressentimento (que ele usa na grafia francesa) e que liga ao sentimento de superação de uma situação de constrangimento associada à inveja e à necessidade de culpabilização de alguém por esse sofrimento.
Historicamente, entre nós, temos duas formas de sublimação desse ressentiment: a emigração, nomeadamente aquela que erigiu o Império; as revoluções, de que destaco as mais recentes - a da implantação da República, a do 28 de Maio de 1926 e a do 25 de Abril de 1974, uma sucessão ao estilo dos alcatruzes – alarga, aperta, alarga.
A Monarquia, tipicamente o regime em que uns nasciam destinados ao mando e os outros à obediência, foi substituída por um outro em que todos se achavam com direito ao mando, a sublimação do ressentimento numa explosão dos recalcamentos acumulados e de vingança pelas expectativas frustradas - daí, a instabilidade social, as constantes revoltas de facção, os Governos de curta duração, a ausência de soluções sensatas ou eficazes, a bancarrota, a criação da ansiedade e da aspiração por uma paz entretanto perdida.
Foram os militares humilhados na Flandres, no norte de Moçambique e no sul de Angola que decidiram «pôr ordem no quartel» e em 28 de Maio de 1926 disseram que, a partir dali, eram eles que mandavam. Mas os traumas eram muitos e também eles não se entenderam como queriam. Lá tiveram que ser «arrumados» por Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas até que Carmona se sentou na poltrona. E foi depois duma negaça que tiveram que ir de novo pedir-lhe que regressasse. A quem? Àquele que definiria a vida portuguesa de 1933 a 1974, o Doutor Salazar.
E foram duas as missões que o levaram a agir: o reequilíbrio das Finanças Públicas e a oposição à determinação dos soviéticos de tomarem conta da Península Ibérica para subjugarem a Europa entre os Pirenéus e a futura cortina de ferro e, simultaneamente, tomarem conta das colónias portuguesas.
O desenvolvimento económico foi nesse longuíssimo período apenas o que o equilíbrio financeiro permitisse e as frustrações políticas dos que se sentiam constrangidos criaram tensões que a PIDE ia «gerindo» mas que, acumuladas, não podiam ser contidas.
O 28 de Maio perdurou tempo demais, não quis evoluir e quando o Professor Marcelo Caetano o tentou fazer, foi boicotado pelos «ultras» e viu-se apeado por um golpe comunista no dia 25 de Abril de 1974.
E aí, novamente, o povo saiu às ruas a berrar nem ele próprio sabia para quê e vá de se ver envolto num processo revolucionário soviético que só tardiamente derrubou. E só então é que o ressentimento
pôde dar largas às invejas, às frustrações.
E já lá vão 46 anos em que a bancarrota regressou repetidamente, a bagunça alternou com a austeridade até que Stalin foi claramente substituído por Gramsci na viabilização de uma geringonça governativa.
Segue-se o quê? Não sei mas gostaria que não fosse algo parecido com o que aconteceu ao inspirador destas linhas, Friedrich Nietzsche, a loucura.
Eis do que «sans ressentiments», me lembrei hoje.
28 de Maio de 2020
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 28.05.2020: Muito bem descrito! Mesmo muito tolerante!
Francisco G. de Amorim 28.05.2020: Que caminhamos para a loucura total, global, disso não consigo ter dúvidas.

NOTAS DA INTERNET
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Gramscismo é uma ideologia baseada nas teorias do político Antonio Gramsci, líder e co-fundador do PCI (Partido Comunista da Itália). A ideologia política de Gramsci não foi difundida apenas na Itália; de fato, com o passar do tempo, através da tradução de suas obras, espalhou-se pelo resto da Europa, América Latina, países de línguas germânicas e do Extremo Oriente.
Antonio Gramsci: A doutrina política de Antonio Gramsci visava compreender a verdadeira situação italiana da época na certeza de poder transformá-la numa sociedade orientada para o socialismo. Gramsci acreditava que o fascismo se tratava de ditadura do capital, e que era o auge da crise da sociedade burguesa, uma vez que a possibilidade de um regime repressivo permanecia apenas com a classe dominante, que escapara à hegemonia cultural. De fato, segundo o gramscismo, conquistar a maioria política de um país significa que as forças sociais, que são a expressão dessa maioria, dirigem a política daquele país e dominam as forças sociais que se opõem a essa política: obtenção de hegemonia.
O PCI referia-se raramente ao gramscismo, enquanto os atuais partidos políticos italianos, o PRC (Partido da Refundação Comunista), o Partito Comunista Italiano, o Partido Comunista e o Poder para o Povo) são inspirados nele. As políticas do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) de Hugo Chávez são em parte inspiradas no pensamento de Gramsci, uma vez que o líder venezuelano era adepto deste.


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