Seremos amigos, como o Don Camillo e o Peppone do inesquecível Giovannino Guareschi em “Le petit Monde de
Don Camillo”, durante anos livro de cabeceira para os fardos da vida, que depois
perdi – o livro, não os fardos. Naquela altura, não se levava tanto a sério o
Gramsci, que, aliás, desconhecíamos, podíamos rir. Agora o nosso riso é
nitidamente amarelo, pelo menos por cá, que vivemos de mão estendida e desse
ressentimento – ou talvez antes raiva contra tanta indignidade - pois que lhe falta a componente inveja, não escapamos.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 28.05.20
Hoje,
28 de Maio de 2020, lembrei-me do conceito nietzschiano de ressentimento (que
ele usa na grafia francesa) e que liga ao sentimento de superação de uma
situação de constrangimento associada à inveja e à necessidade de
culpabilização de alguém por esse sofrimento.
Historicamente,
entre nós, temos duas formas de sublimação desse ressentiment: a
emigração, nomeadamente aquela que erigiu o
Império; as revoluções, de que
destaco as mais recentes - a da implantação da República, a do 28 de Maio de 1926 e a do 25 de Abril de 1974, uma sucessão ao estilo dos alcatruzes – alarga,
aperta, alarga.
A
Monarquia, tipicamente o regime em que uns nasciam destinados ao mando e os
outros à obediência, foi substituída por um outro em que todos se achavam
com direito ao mando, a sublimação do ressentimento numa explosão dos
recalcamentos acumulados e de vingança pelas expectativas frustradas - daí, a
instabilidade social, as constantes revoltas de facção, os Governos de curta
duração, a ausência de soluções sensatas ou eficazes, a bancarrota, a criação
da ansiedade e da aspiração por uma paz entretanto perdida.
Foram os militares humilhados na
Flandres, no norte de Moçambique e no sul de Angola que decidiram «pôr ordem no
quartel» e em 28 de Maio de 1926 disseram que, a partir dali, eram eles que
mandavam. Mas os
traumas eram muitos e também eles não se entenderam como queriam. Lá tiveram que
ser «arrumados» por Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas até que Carmona se sentou
na poltrona. E foi depois duma negaça que tiveram que ir de novo pedir-lhe que
regressasse. A quem? Àquele que definiria a vida portuguesa de 1933 a 1974, o Doutor
Salazar.
E
foram duas as missões que o levaram a agir: o reequilíbrio das Finanças
Públicas e a oposição à determinação dos soviéticos de tomarem conta da
Península Ibérica para subjugarem a Europa entre os Pirenéus e a futura cortina
de ferro e, simultaneamente, tomarem conta das colónias portuguesas.
O desenvolvimento económico foi nesse
longuíssimo período apenas o que o equilíbrio financeiro permitisse e as
frustrações políticas dos que se sentiam constrangidos criaram tensões que a
PIDE ia «gerindo» mas que, acumuladas, não podiam ser contidas.
O
28 de Maio perdurou tempo demais, não quis evoluir e quando o Professor
Marcelo Caetano o tentou
fazer, foi boicotado pelos «ultras» e viu-se apeado por um golpe comunista no
dia 25 de Abril de 1974.
E
aí, novamente, o povo saiu às ruas a berrar nem ele próprio sabia para quê e vá
de se ver envolto num processo revolucionário soviético que só tardiamente derrubou.
E só então é que o ressentimento
pôde
dar largas às invejas, às frustrações.
E
já lá vão 46 anos em que a bancarrota regressou repetidamente, a bagunça
alternou com a austeridade até que Stalin foi claramente substituído por
Gramsci na viabilização de uma geringonça governativa.
Segue-se
o quê? Não sei mas gostaria que não fosse algo parecido com o que aconteceu ao
inspirador destas linhas, Friedrich Nietzsche, a loucura.
Eis
do que «sans ressentiments», me lembrei hoje.
28 de Maio de 2020
Henrique Salles da
Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 28.05.2020: Muito bem
descrito! Mesmo muito tolerante!
Francisco G. de Amorim 28.05.2020: Que
caminhamos para a loucura total, global, disso não consigo ter dúvidas.
NOTAS DA INTERNET
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Gramscismo é uma
ideologia baseada nas teorias do político Antonio Gramsci, líder e co-fundador do PCI (Partido Comunista da Itália). A ideologia política de
Gramsci não foi difundida apenas na Itália; de
fato, com o passar do tempo, através da tradução
de suas obras, espalhou-se pelo resto da Europa, América
Latina, países de línguas germânicas e do Extremo
Oriente.
Antonio
Gramsci: A doutrina política de Antonio Gramsci visava
compreender a verdadeira situação italiana da época na certeza de poder
transformá-la numa sociedade orientada para o socialismo.
Gramsci acreditava que o fascismo se tratava de ditadura do capital, e que era o auge da crise da sociedade
burguesa, uma vez que a possibilidade de um regime repressivo permanecia
apenas com a classe dominante, que escapara à hegemonia cultural. De fato, segundo o
gramscismo, conquistar a maioria política de
um país significa que as forças sociais, que são a expressão dessa maioria,
dirigem a política daquele país e dominam as forças sociais que se opõem a essa
política: obtenção de hegemonia.
O PCI referia-se raramente ao gramscismo,
enquanto os atuais partidos políticos italianos, o PRC (Partido da Refundação Comunista), o
Partito Comunista
Italiano, o Partido Comunista e o Poder para o Povo) são inspirados nele.
As políticas do PSUV (Partido Socialista Unido da
Venezuela) de Hugo Chávez são em parte inspiradas no pensamento de
Gramsci, uma vez que o líder venezuelano era adepto deste.
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