Pelo Carnaval, a propósito dos bailes de
máscaras, creio que caídos em desuso, havia sempre quem referisse a máscara que
cada um de nós transporta no rosto que esconde frustrações ou hipocrisias, envoltas
em sorrisos. Eram máscaras em sentido abstracto, mas as máscaras de hoje são bem
concretas e a mim causa horror a mascarada que vai por essas ruas do mundo, de
gente que engole o ar que expira, incómodo e sujo, com o trapo a cobrir o nariz e a desfigurar as gentes. Será passageira esta seca? Na natureza, nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma… será que esta transformação veio para ficar? Não,
prefiro a máscara abstracta segundo a banalidade que se afirmava a rir, nos
carnavais de outrora. Ao menos essa não embacia os óculos.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA A BEM
DA NAÇÃO, 20.05.20
Por
vezes, é bom sermos confrontados com ideias contrárias às nossas convicções
mais ou menos profundas, mais ou menos importantes. Mas esse confronto que não
seja sistemático que é para não… não quê? … não atirarmos com os «aparelhos» ao
ar.
Assim
foi que há dias alguém me enviou uma mensagem que, em resumo, dizia que o
uso da máscara era um triunfo do Islão sobre o Ocidente e assim foi também que,
ao ler uma biografia de Nietzsche, fiquei a saber que ele considerava perversa
a exegese cristã. Então, por ironia das circunstâncias, eu que sempre
fui contra as burkas e vestimentas quejandas, dou agora por mim a pugnar
pelo uso universal das máscaras e eu, que sempre fui contra a não interpretação
dos textos sagrados, dou por mim agora a ter que meditar um pouco mais
sobre a perversão exegética.
Claro está que as burkas e suas
variantes mais ou menos rigorosas são instrumentos da misoginia muçulmana
destinadas a humilhar a mulher que, consideram eles, é um ser inferior. Contudo, um dos absurdos deste pensamento é o
facto de os homens se estarem a classificar a si próprios como filhos de seres
menores. Com a evidência de que, ao abrigo das Leis de Mendel, ao filho
de um ser menor não corresponder muito provavelmente um ser superior, o destino
da «raça» sucessivamente miscigenada com seres menores, não poderá ser
brilhante e, pelo contrário, conduzirá à menoridade completa. Portanto, ao
fim de catorze séculos dessa doutrina, das duas, uma: ou eles já estão
completamente diminuídos ou a doutrina está errada – até porque as Leis de
Mendel, essas sim, estão correctas. Obviamente, a ideia
da inferioridade feminina é um sofisma. Quanto
ao uso universal – mais ou menos temporário - da máscara, não tem qualquer
objectivo de subalternização de ninguém e, pelo contrário, pretende ser uma
defesa contra o vírus que por aí anda a mando dos chineses. Obviamente,
o Islão nada ganhou sobre o Ocidente e quem divulgou essa ideia absurda perdeu
uma boa oportunidade para estar quieto. Já quanto à exegese, temos que
reconhecer que o estilo parabólico de muitos textos fundacionais de várias
religiões e a própria evolução do estilo literário e da capacidade de
entendimento humano, não é compatível com a mera literalidade desses textos
estaminais (cujas formas literárias podem hoje ser consideradas desactualizadas
para não lhes chamar primitivas), a exegese é indispensável. E se, ao
longo dos séculos, essas interpretações foram sucessivamente virtuosas ou
perversas, é de esperar que a inteligência do homem moderno consiga expurgar o
mau e fazer a apoteose do virtuoso. Mas
exegese, sempre. Portanto,
o Senhor Friedrich Nietzsche não tinha razão – mas eu estou em crer que se ele
tivesse conhecido o actual Sunismo, talvez também concordasse comigo no sentido
de que as religiões não podem ser seguidas à letra.
Maio
de 2020 Henrique Salles da Fonseca Tags: avulsos
COMENTÁRIOS:
J.S.M.suave e nas tintas 21.05.2020: É caso para
dizer: glória à hermenêutica! Mas como ela nunca é tida nem achada, senão por
uma imensa minoria (bendito paradoxo), estou tentado a concordar com Nietzsche:
uma coisa é o virtuosismo intrínseco das ideias, outra, bem diferente e muito
mais complexa, é a sua prática - e, sobretudo, as suas consequências: mais
ominosas num determinado momento, mais virtuosas noutro (na senda do milenar
dilema ontológico: essência vs existência). Podemos, se me permite, aplicar o mesmo
princípio às ideologias (sem confundir os conceitos - o que seria uma estultícia
tonta), cujos resultados são, invariavelmente, os mesmos! Parafraseando Jorge Luís
Borges: "A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a
maioria e a maioria é formada de imbecis. As ditaduras fomentam a opressão, as
ditaduras fomentam o servilismo, as ditaduras fomentam a crueldade. Mas o mais
abominável é que elas fomentam a idiotia."
Henrique Salles da Fonseca 21.05.2020: :
Parafraseando Churchill, "a
democracia é o pior regime político com excepção de todos os outros". Resta
a solução platónica da democracia apenas para os letrados. No caso actual só
para quem tivesse aproveitamento em Exame de Estado na conclusão do Ensino
Obrigatório. Cumprimentos HSF
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