segunda-feira, 11 de maio de 2020

Um pensamento direito



O de António Barreto. É evidente que o racismo existe, hoje como em todo o sempre e em toda a parte. “Qui se ressemble s’assemble”, eu sempre ouvi dizer, mas os amigos escolhem-se por afinidades específicas, geralmente culturais, éticas, sociais, o que não significa que não se respeitem uns aos outros, nas suas divergências, se forem dados ao respeito. Mas o racismo sempre existiu, devido a todas essas estranhezas rácicas, que uma educação mais baseada no respeito pela diferença poderia minimizar. É claro que os descobrimentos acentuaram os segregacionismos, com os aproveitamentos da mão-de-obra providencial para a construção dos seus impérios, tal como em todo o sempre das civilizações, mas não podemos esquecer o papel de missionários difundindo, simultaneamente, pelo mundo, valores mais apoiados em fraternidade, e difundindo as luzes do saber. São banalidades, estas, mas o que o texto põe em foco é a demasiada presteza de uma esquerda, que, aparentemente, pretende uma espécie de nivelamento social que sabe não existir, mas, com nova sanha e para ficar bem na foto da igualdade, generaliza o grave defeito segregacionista exclusivamente a uma direita burguesa e preconceituosa, que o fenómeno migratório, é certo, de par com os nacionalismos que defendem os seus espaços culturais, faz exacerbar, ultimamente, pretexto para o aqui d’el-rei frenético dessa esquerda hábil no alardear virtuoso concomitante com o frenesim atacante do tal que não pertence à seita. Porque é de seita que se trata.
Mas a crónica de António Barreto é bem explícita do fenómeno, com a elevação de sempre.
OPINIÃO
Nós e eles
A democracia portuguesa está assim tão frágil que não permite que haja unvirtuoso.s tantos tolos racistas e umas dúzias de xenófobos?
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 10 de Maio de 2020,
A pressão ilegal de emigrantes e refugiados tem deixado a Europa em transe. Há Europeus apavorados. Outros em fúria e com ganas de esfolar. Outros ainda com vontade de fechar fronteiras. E outros paralisados.
A pressão, muitas vezes racista, de grupos anti-racistas, sobretudo brancos e africanos, tem contribuído para provocar reacções xenófobas.
O comportamento irresponsável de certas esquerdas, na tentativa de exacerbar a luta entre etnias, faz o que pode para abrir uma questão racial.
Para completar o quadro, a pandemia despertou todos os imagináveis sentimentos xenófobos, na convicção de que as fronteiras fechadas são os melhores antídotos contra a proliferação do vírus.
Por enquanto, em Portugal, o clima não é ameaçador. Alguns grupos de esquerda, em luta contra o sistema democrático, fazem-se mal ouvir. Umas tantas associações anti-racistas esforçam-se, por enquanto sem grande êxito, por azedar o espaço público. Outros grupos, à direita, provocam as minorias numa tentativa, por enquanto frustre, de glorificar o nacionalismo.
É verdade que há vozes que incomodam, mas não parece haver perigo iminente. Por isso são de admirar as reacções às opiniões do deputado André Ventura. A importância destas é inversamente proporcional ao alarido que provocam. O senhor disse umas tolices sobre ciganos e o mundo político caiu-lhe em cima. Que vem aí o fascismo. Que é necessário reagir e mobilizar (antigamente dizia-se “avisar a malta”), antes que sejam milhões a dizer o mesmo.
É tão estranho! A democracia portuguesa está assim tão frágil que não permite que haja uns tantos tolos racistas e umas dúzias de xenófobos? É outra vez a história de um prurido provocar a maré-cheia? Estará assim Portugal tão fraco que uma palpitação irracional ameaça as liberdades e a decência? É que… se assim for, estamos mesmo mal!
Necessitamos de políticas sobre as migrações, os refugiados, os negreiros da hotelaria, o narcotráfico e a violência contra as mulheresMas não necessitamos de políticas dirigidas aos ciganos, aos muçulmanos, aos africanos ou aos chineses… Uma das manifestações mais odiosas do racismo é a que identifica defeitos com grupos étnicos. É nesse momento que, em vez de lutar contra o crime, se passa a lutar contra um grupo. É tão criminoso lutar, em Portugal, contra o “banditismo cigano” como contra o “racismo branco”. Contra a “corrupção angolana” como contra o “nepotismo português”. Contra o “terrorismo árabe” como contra a “máfia ucraniana”. Mas contra qualquer daqueles crimes, sem designação de etnia, sim, com certeza.
Há ciganos que recusam a integração, não pagam impostos e roubam? Há. Como brancos europeus. E árabes também. Todos merecem o mesmo tratamento. Há brasileiros que vivem do proxenetismo e do lenocínio? Negros também. Ciganos, brancos, espanhóis e portugueses também. Todos merecem o mesmo tratamento. O racismo russo ou indiano não é melhor nem pior do que o americano ou francês. E o de direita não é mais perigoso do que o de esquerda.
Como é evidente, existem problemas, não com todos, mas com alguns ciganos, por causa de comportamentos peculiares. Como existem com alguns muçulmanos, indianos, chineses, brasileiros, cabo-verdianos e muitos portugueses (até porque há mais…). Existem problemas quando grupos cultivam crenças e têm costumes contrários aos que as leis permitem, como por exemplo bater nas mulheres, nos velhos e nas crianças, praticar a excisão e a fibulação, vender crianças para casamento e outras variedades conhecidas. Existem ainda problemas com alguns portugueses, mas também com angolanos, russos, chineses, paquistaneses e espanhóis envolvidos em negócios menos claros, em actos de favoritismo, corrupção, desvios de dinheiros e fuga ao fisco. Todos estes comportamentos exigem acção das polícias, da Justiça e de outras entidades defensoras dos direitos humanos, mas não exigem tratamento étnico especializado, que é o traço do racismo e do preconceito. Que é o que o deputado André Ventura gosta de fazer, no Parlamento e na televisão, com a notável experiência que adquiriu num das áreas humanas mais favoráveis ao preconceito, à corrupção e à violência: o futebol!
O preconceito, a xenofobia e o racismo: eis alguns dos defeitos mais baixos da humanidade. As suas manifestações voltam com enorme facilidade. São da autoria de muita gente. São reacções de pessoas fracas de espírito. É gente que usa um dispositivo odioso, o da generalização. Culpa sempre os outros por qualquer coisa. Atribui aos outros as responsabilidades por tudo quanto corre mal. Considera que eliminar, proibir, calar e expulsar os outros são soluções para os seus problemas.
O diabo está nas generalizações. De género conhecido: os portugueses são racistas. Os judeus são usurários, os negros preguiçosos, os árabes ladrões, os muçulmanos terroristas, os ingleses piratas, os holandeses maricas, os ciganos vendedores de droga e os alemães nazis. E poderia continuar até ao infinito: os indianos desconfiados, os romenos vigaristas, os chineses canibais, os americanos atrasados mentais. Quanto aos espanhóis… estamos conversados…
Muito curiosa é a reacção de gente oportunista de alto calibre. Já há quem faça apelos contra o fascismo, quem estabeleça paralelos com a pior escumalha deste mundo. Mas sempre com um fito: aproveitar politicamente. Lutar contra a direita, que culpam de fascista e de nazi. Lutar contra os brancos, os europeus, os cristãos, os democratasComo se o racismo e a xenofobia fossem necessariamente de direita. Recordo o que dizia Jorge Almeida Fernandes há mais de vinte anos: “Um anti-semita não é necessariamente um nazi”! É exactamente o que se pode dizer hoje de qualquer forma de racismo, de preconceito religioso e de xenofobia: há disso nas direitas e nas esquerdas, entre ricos e pobres, no meio dos brancos e dos negros e em círculos cristãos ou muçulmanos.
É verdade que há hoje factores de sobra que convidam ao irracional. A democracia está em crise. A Europa também. A política não tem muito boa reputação. A corrupção vinga. As crises das migrações e dos falsos refugiados ameaçam a estabilidade europeia. Os europeus e os democratas têm dificuldade em assumir uma posição simultaneamente liberal e de firmeza, isto é, que aceite o princípio da legalidade e do controlo das migrações. A pandemia em curso veio agravar tudo: para muitos, fechar as fronteiras foi a solução. O preconceito não é a melhor resposta. Não é sequer uma resposta.
Sociólogo
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COMENTÁRIOS:
Manuel Pessoa INICIANTE: Não posso deixar de saudar a mensagem que me parece essencial neste artigo de AB: devemos lutar contra banditismo, racismo, corrupção, nepotismo, terrorismo, máfia (e outros) e tudo fazer para que conduzam a condenações. Se limitarmos a condenação destes crimes quando forem praticados por determinadas etnias erramos tanto ou mais do que quando associamos a qualquer etnia propensão para a sua prática.      Jose MODERADOR: Caro Manuel Pessoa Preste atenção ao texto do autor nesta parte, por exemplo: "O preconceito, a xenofobia e o racismo: eis alguns dos defeitos mais baixos da humanidade. As suas manifestações voltam com enorme facilidade. São da autoria de muita gente. São reacções de pessoas fracas de espírito. É gente que usa um dispositivo odioso, o da generalização. Culpa sempre os outros por qualquer coisa. Atribui aos outros as responsabilidades por tudo quanto corre mal. Considera que eliminar, proibir, calar e expulsar os outros são soluções para os seus problemas." O autor condena a obsessão dos que querem eliminar, proibir, calar e expulsar os outros...
TML INICIANTE: Em geral, apesar de ser um pouco injusto com os anti-racistas e enfiá-los todos no mesmo saco, posso dizer que concordo com a tese. Agora, parece-me que o AB desvaloriza bastante as semelhanças do discurso do André Ventura com um discurso fascista. Não se pode dizer que o é inteiramente, mas também não se pode dizer que não o seja de todo. E vemo-nos neste impasse, em que temos um tipo protofascista, e nos exigem que assobiemos para o lado porque se não só estamos a contribuir para ele crescer...
Fowler Fowler INICIANTE: Não, não vamos assobiar para o lado. Como o sr. Barreto professa de forma marialva e panfletária o individualismo e o liberalismo, ele, por princípio, não pode se deixar afectar publicamente pelo palavreado de racistas e xenófobos no uso das suas liberdades. Apenas o incomoda a reacção e o activismo ético das esquerdas e de outros que, conhecendo as lições da História, não podem deixar de reagir assertivamente.       Margarida Paredes, defensora do Serviço Nacional de Saúde MODERADOR: Quem diria que o António Barreto chegava ao ponto de ter uma agenda política contra os anti-racistas, contra a Esquerda que combate o racismo e a xenofobia? Pelo meio desvaloriza os racistas e xenófobos como meia dúzia de tolos, como se esses tolos não tivessem chegado ao poder nos EUA, Brasil, Polónia e Hungria entre outros. Essa sua viragem à direita populista é resultado do envelhecimento?
IZANAGI01 INICIANTE: Compartilho consigo a opinião de que "Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim" E o que se verifica nos países a que faz referência. Ainda que a maioria dos eleitores tenha escolhido aqueles governantes, não são democratas porque não escolhem como eu escolheria.
rafael.guerra EXPERIENTE: Racismo ou rejeição de certas culturas? Hoje a tendência é de privilegiar os direitos individuais acima dos da nação, e os líderes muçulmanos na Europa abusam dessa concepção. É sempre em nome desses direitos que avançam na islamização da sociedade: velar miúdas nas escolas, usar burkas e burkinis, orar na rua, comer halal no trabalho, ser tratado por médicos do mesmo sexo, até à tentativa de privatizar praias. Tudo isso, acompanhado duma grande habilidade retórica, levou a uma islamização, comunitarização e guetização da sociedade francesa, com bairros onde só muçulmanos vivem entre si, onde raparigas de saias são insultadas e onde mulheres são excluídas dos bares. Quem pôde, fugiu dessa violência cultural. Citando Engels: a partir dum certo número, a quantidade torna-se uma qualidade.
Mario Coimbra EXPERIENTE: Excelente. O Racismo, a Xenofobia não são de esquerda ou direita. Qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe disto e não devia entrar em facilitismos de os catalogar com fascista ou comunista. André Ventura quer palco. O melhor maneira de o tirar é os partidos se comportarem com escrúpulos e decência que por vezes faltam. PS agora no poder, PSD, PCP, BE, CDS. Todos têm telhados de vidro e não são campeões de nada a não ser muitas vezes da falta de vergonha.
Fowler Fowler INICIANTE: Discurso salazarista! Caladinhos fazemos melhor figura e ainda passamos por inteligentes, não é Coimbra? João Rodrigues INICIANTE: Só vê meia dúzia? Sabe como são as pulgas... Mas muito tolo também foi iniciar o texto com a alusão a certas esquerdas... Quando a ameaça são as pulgas de direita. E sabemos ambos o que se passa por essa Europa fora quanto à infestação reaccionária, são mesmo apenas dúzia e meia de agentes infecciosos. Há que actuar imediatamente.
Magritte EXPERIENTE: Quem está feliz com o status quo, que razão tem para o mudar? Os negros portugueses são as nossas empregadas domésticas, trolhas e jardineiros. Racismo? É como se fossem cá da casa! A população negra, como a cigana, é desproporcionalmente mais pobre, tem menos acesso à educação e é frequentemente tratada como inferior pelos poderes públicos e olhada de lado pela "maioria". E depois, pergunta Barreto? Porque querem alguns deles e da esquerda debater estes problemas, se não o são? Barreto sabe de há muito que é da política colocar assuntos na agenda. Mas para ele, esta não é uma questão de agenda. Prefere atacar os perigosos esquerdistas/anti-racistas e não os racistas/extremistas, e culpa-los do racismo dos outros. É no fundo a táctica do "se não queria ser violada, não vestia mini-saia."
Mario Coimbra EXPERIENTE: Caro Magritte, colocar na agenda política não tem que ser do ponto de vista racista. Mas sim como apoiar populações menos favorecidas. Negros, Brancos do interior do país, e muitos mais. Não tem a ver com cor. Melhor, não devia ter de ser acerca da cor mas sim como apoiar. Falar em anti racismo é pôr a ênfase no racismo. Percebe???   Macuti EXPERIENTE: Os portugueses em França também são “empregados domésticos, trolhas e jardineiros” Racismo? Não! Não confundir desigualdade social , que existe em todas as sociedades, com racismo.
IZANAGI01 INICIANTE: Também concordo consigo. A generalização do André Ventura é incorrecta, diria mesmo fascista: a sua (os negros portugueses são as..) é adequada e muito democrática. Pois é, Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim.. Não podia estar mais de acordo.
Magritte EXPERIENTE: Eu nunca generalizei: nunca disse que os portugueses eram racistas. Há os racistas e outros que não o são. O meu ponto é que há problemas sociais com base em diferenças raciais que são reproduzidas por estruturas sociais.
ana cristina MODERADOR: Pois claro. Os partidos “decentes” estão à espera de quê para lançar campanhas contra os males de que fala o António Barreto? Contra a corrupção, o banditismo, o racismo, o nepotismo? De cada vez que sai uma notícia sobre uma compra de milhões por ajuste directo a um candidato autárquico do PS é mais um fã do Ventura que aparece.

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