Não, não tem a ver com o filme de Claude
Lelouch, mas é o prazer que oferecem, de descontracção, graça e, afinal,
encanto, pelas bastas referências, estes textos viageiros de Salles da Fonseca, que
proporcionam esse prazer, que me lembrei do título de um filme de outrora, do
tempo em que o riso saudável era ainda possível.
I - ANDA COMIGO –
15
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 08.05.20
Já
referi numa crónica anterior que o nosso professor de equitação (cujo nome
esqueci rapidamente) participou no Concurso Hípico Nacional Oficial realizado
em Verden enquanto lá
estávamos. É claro que fomos assistir, não à prova do dito professor, mas
apenas à mais importante que era disputada em duas mãos, uma antes da hora do
jantar e a outra depois do dito. No intervalo, um desfile de bandas
militares tão ao gosto alemão cuja apresentação, já noite cerrada, concluiu com
o Hino Nacional no que foi acompanhado por toda a assistência de pé e que
enchia por completo as bancadas do estádio municipal. Não sei o que
aconteceu aos cantantes mas eu fiquei com um apertado nó na garganta. Joseph
Haydn tinha um certo jeito para a música. Creio
que a emoção que encheu o estádio tinha também a ver com o facto de, na
sequência da derrota alemã na II Guerra Mundial, aquela parte da Alemanha
Federal estar sob ocupação militar inglesa e, daí, um certo exacerbamento
diplomaticamente admissível do nacionalismo. Tudo sereno, os cavaleiros
ingleses que montavam bem, eram tão aplaudidos como os alemães. E a presença
inglesa sempre era de alguma utilidade perante os russos ali tão perto, do
outro lado da fronteira inter-alemã.
Noutra
ocasião, passámos por um Concurso Regional
em que participavam sobretudo cavalos novos com cavaleiros velhos (experientes)
e cavaleiros velhos com cavalos novos. Estávamos a falar em português entre nós
e um par de cavalheiros perguntou-nos delicadamente que língua estávamos a
falar. À nossa resposta, logo um deles exclamou – Ah! Eusébio und sardinien! ao
que o outro acrescentou – Amália! Naquelas épocas, diziam os brincalhões, os
maiores símbolos de Portugal eram o Eusébio, a Amália Rodrigues, o então
Capitão Henrique Calado e o Cardeal Cerejeira. Joking, of course.
Duma
vez, fomos à sede da Coudelaria de Holstein, a
cerca de 160 quilómetros a Norte, já a caminho da Península da Jutlândia,
onde vimos cavalos à moda antiga, cavalões com 1,70 m. ao garrote e volume que
os fazia parecidos com vagões dos caminhos de ferro, de garupa horizontal, raça
a que pertenciam vários cavalos do nosso Exército e que competiam no «gordo».
Lembro-me do «Palpite» (montado pelo Tenente Coronel António Pereira de
Almeida) e do «Rovuma» (espero que um leitor me ajude a lembrar quem era o seu
cavaleiro).
Doutra
vez, visitámos o Depósito de Garanhões do Estado em Warendorf, a 200 quilómetros a Sul da nossa Escola, onde
residiam os padreadores de todas as raças cavalares que o Estado Alemão
considerava relevantes. Foi aí que vi pela primeira vez um cavalo a pesar
mais de uma tonelada. É claro que se tratava de uma raça destinada ao tiro,
não à sela, aquilo a que muita gente associa ao francês Percheron.
Como
se vê, passeámos muito e, a pretexto dos cavalos, ficámos com uma vasta
ideia da Alemanha então acessível a um ocidental. E ainda a procissão mal tinha
saído do adro…
(continua)
Maio de 2020 Henrique Salles da Fonseca
Tags:
"viagens
na minha casa"
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da
Fonseca 08.05.2020: Para saber
qual o ranking actualizado das raças em competição, ver: https://cwbhorses.com/site/2019/10/14/ranking-de-criadores-e-studbooks/
Henrique Salles da
Fonseca, 08.05.2020: O
«Rovuma II» era montado pelo Coronel
José Carlos Craveiro Lopes. Jorge
Gaspar de Barros
II - ANDA COMIGO –
16 - O CAIS DAS ALMAS
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 09.05.20
Com
tanta andança, o curso passou como um «augenblick»[i] e, mal demos por nós, já era hora de
emalar a trouxa.
E
aqui vamos nós…
De
Verden rumámos a
Norte para darmos uma volta por Hamburgo
já que das vezes em que fôramos a Holstein e
ali ao lado à procura do «leiteiro», tínhamos passado por lá como raposa por
vinha vindimada. E nesta volta vi o mesmo que já tinha visto em Bremen: as ruínas da guerra que ainda vira dois anos
antes, tinham desaparecido completamente e a cidade vibrava de energia como se
nada tivesse acontecido tão pouco tempo antes. Sim, uma cidade da famosa «Liga
Hanseática» que nas matrículas dos seus carros
continuava a ostentar «HH» - «Hansastadt Hamburg» significando «cidade
hanseática». O mesmo em relação a Bremen com as matrículas «HB»[ii]. E, na falta do famoso «Derby» que
naquele ano já se realizara, limitámo-nos a passar no recinto que se situa no
meio de um parque enorme no Langnese que
é uma zona chique ao longo da margem direita do Elba que, apesar de todas as sarrafuscas, continua a
passar por ali a caminho do Mar do Norte.
Retomando
o caminho do Norte, o destino era no Mar Báltico, Kiel, a
uma centena de quilómetros.
Fomos
a casa do Capitão do Porto que era primo da cunhada da tia não sei de quem…
Lembro-me de ter visto uns navios atracados na margem oposta do porto e
lembro-me duma salada de batata que foi servida ao jantar e de que gostei muito
- a ponto de me lembrar dela 59 anos depois de a ter comido. Não tive lata de
me servir segunda vez mas vontade não faltou. Mais que isto, olhei para o
Báltico ali mesmo à nossa frente, cinzento e encrespado e pensei na tragédia do
«Wilhelm Gustloff», navio de cruzeiros alemão torpedeado já em 1945 por um
submarino soviético durante a evacuação dos alemães residente em Königsberg na
Prússia Oriental entretanto tomada pelo Exército Vermelho. Morreram mais de
nove mil pessoas, tantas quantas assim não chegaram a Kiel[iii], precisamente
àquele sítio onde eu estava naquele momento - o cais das
almas.
E,
a propósito de Königsberg,
lá ao fundo longínquo deste mar, lembrei-me de dois que lá ficaram enterrados: Immanuel
Kant e o nosso Marquês de
Alorna, D. Pedro Almeida Portugal, que
partira para França desgostoso por o Duque de Lafões, membro da Junta
Governativa que funcionou entre a partida da Família Real para o Brasil e a
primeira invasão francesa, não o ter deixado defender Olivença
das tropas franco-espanholas e que,
numa reviravolta, decidira aderir à causa napoleónica e acompanhar o Imperador
na acção de sacudir as teias de aranha da velha realeza europeia. Mas a desmedida ambição de Bonaparte levou-o a
«esticar a corda» e a ser batido pelo General Inverno russo. E assim foi que o nosso Marquês, arrastando-se na
retirada, acabou em Königsberg.
E lá está. E se Kant
lá pode ficar porque em vida nunca de lá saiu, o nosso
Marquês bem podia
ser trasladado para Almeirim já
que é tempo de fazermos as pazes com a História.
Arrumados
os talheres nos pratos a dizer que chegáramos ao fim, dados os dedos de
conversa protocolar para que não fosse «comida feita, companhia desfeita», foi
a hora da despedida e dos agradecimentos.
Fomos
pernoitar num qualquer camping que esqueci e no dia seguinte começaríamos nova
grande aventura…
(continua)
Maio de 2020 Henrique Salles da
Fonseca
[ii] - O mesmo relativamente a Hannover que já não sou capaz de recordar como eram. Aguardo
que um leitor me ajude – no modelo do pós-guerra, não as matrículas actuais.
MVWilhelm Gustloff, Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O MVWilhelm
Gustloff foi um navio de cruzeiro alemão, torpedeado em 30 de janeiro de
1945 pelo submarino
soviético S-13, no Mar Báltico,
durante a Operação Hannibal. Foi o o
primeiro navio a ser construído com o propósito de servir como cruzeiro.
No momento do naufrágio carregava a bordo o total de 10582 passageiros
(passageiros e tripulação, total estimado), vitimando 9343 vidas (número
estimado). Representa, até hoje, o maior desastre naval, resultante do
naufrágio de uma única embarcação, de todos os tempos
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