quarta-feira, 27 de maio de 2020

Afinal, são histórias acerca de um modesto homem



Que se chamou Salazar, com um “homem do bigode” influente e outros protagonistas de acção, a respeito de neutralidade na 2ª guerra - o que ninguém hoje agradece, só condenando, na questão da guerra colonial... Uma história quase de suspense, de Salles da Fonseca, que não receia revisitá-la.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 25.05.20
Antes do mais, recordo que todas as informações contidas no texto anterior resultam do esforço alheio de investigação, sendo que eu me limito a fazer como o cuco que usa o ninho laboriosamente feito por outros. Mas, já que não estou em condições de investigar (forte ambliopia), posso especular e tentar extrair conclusões mais ou menos certas mas plausíveis, pelo menos.
* * *
Então, o que me parece ter acontecido foi que na guerra de 14-18, Agostinho Lourenço terá sido integrado na 2ª Repartição do Comando Português, a da informação e contrainformação e, daí, foi um instante até se aproximar dos homólogos ingleses – não esqueçamos que a Força Expedicionária Portuguesa estava enquadrada no Sector Britânico – que, por sua vez, estavam próximos ou eram membros do MI6. Parece-me que foi aqui que se encurtaram as distâncias entre Agostinho Lourenço e o MI6, se é que as distâncias não se anularam mesmo.
De seguida, «o homem do bigode» veio de licença a Portugal e não voltou para o cenário da guerra.
É aqui que faço entrar Sidónio Paes na cena deste folhetim nomeando Agostinho Lourenço para o cargo de Governador Civil de Leiria a fim de extirpar os movimentos grevistas na Marinha Grande. Mas, feito o «serviço», não aqueceu o lugar pois foi nomeado Director da Polícia Preventiva a qual, segundo informam os nossos investigadores, terá sido instalada à imagem e semelhança do MI6, nomeadamente nas técnicas de «convite dos prisioneiros à fala».
Fim do Consulado Sidonista em 1918 e «o homem do bigode» desaparece da circulação. E desaparece durante 15 anos, o que não é brincadeira. Se me disserem que ele foi «estagiar» no MI6, eu acredito – tempo mais do que suficiente para confirmar fidelidades.
Reaparece em 1933 como Director, o primeiro, da PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado que em 1945 mudou de nome (mas creio que de mais nada) para PIDEPolícia Internacional e de Defesa do Estado. Lourenço manteve-se no cargo de 1933 a 1956, quando atingiu o limite de idade e se aposentou do serviço ao Estado Português. Depois de aposentado, por empenho do MI6, foi Director da Interpol durante cinco anos. De tudo, para concluir que Agostinho Lourenço era homem de confiança dos serviços de segurança britânicos.
E terá já sido nessa posição de confiança que actuou enquanto foi Director da PVDE/PIDE. Por alguma razão, era o único não-Ministro que acedia directamente ao Presidente do Conselho de Ministros e com ele despachava semanalmente.
Ora, tendo o Doutor Salazar desempenhado o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiro de 1936 a 1947, foi a Sevilha também nessa qualidade, o que lhe poupou imenso trabalho não tendo que instruir intermediários. E fez-se acompanhar pelas únicas pessoas da sua especial confiança: o motorista, o Embaixador Pedro Theotónio Pereira, seu braço direito para casos bicudos e Agostinho Lourenço como seu contacto directo com os «bas fonds» dos Aliados. Lourenço foi a Sevilha como membro relevante da comitiva do Doutor Salazar, não como Oficial de Segurança que, aliás, nunca foi. Da segurança do Presidente do Conselho e sua comitiva encarregaram-se dois Oficiais que a História apagou.
Sob a influência diplomática de Ramon Serrano Súñer (pela calada, o «Jamon Serrano») – que até então já tinha sido ministro seis vezes – a Espanha estava prestes a quebrar a neutralidade para alinhar militarmente com o Eixo.
Ora, em Sevilha, o Doutor Salazar garantiu a Franco que o embargo internacional a Espanha seria atenuado com a passagem dos abastecimentos dos Aliados através do território português desde que a Espanha mantivesse a neutralidade. Franco agarrou a ideia e, passado pouco tempo, dispensou Súñer de quaisquer funções ministeriais. Realmente, nunca mais Súñer voltou a ser ministro até que, com 102 anos de idade, se entregou ao Criador.
Se quiséssemos fazer humor, diríamos que o Doutor Salazar fizera uma mexida fundamental no Governo Espanhol. Mas, sem humor, temos que reconhecer que naquele encontro secreto em Sevilha aconteceram coisas importantes:
A neutralidade espanhola foi muito prejudicial ao Eixo que já não contava com a Itália para nada;
O Doutor Salazar demonstrou estar claramente do lado dos Aliados evitando que estes invadissem os nossos «portaviões» Açores e Cabo Verde;
Que três cérebros bem ginasticados valem bastante mais do que algumas Divisões Blindadas.
* * *
Acabo como comecei: os factos são fruto de investigação alheia; a especulação é minha. Esta, pode servir para alguém, com mais imaginação, escrever folhetins «à la façon de James Bond» ou para servir de sugestão a investigadores nas suas teses académicas. Nem a uns nem a outros cobrarei direitos de especulação.
FIM
Maio de 2020
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca, 25.05.2020: Muito interessante. Jorge Gaspar de Barros
Henrique Salles da Fonseca, 25.05.2020: Henrique, muito bom. Obrigado, Carlos Bernardo
Henrique Salles da Fonseca 26.05.2020: Vamos fazendo luz AN
Henrique Salles da Fonseca 26.05.2020: A excelência dos teus textos, Henrique, fez com que eu, mais uma vez, tivesse ganas em dar algumas pinceladas em complemento. Não falarei do homem do bigode, que Irene Flunser Pimentel aborda-o na sua história da PIDE, mas sim de Ramón Serrano Suñer, que, conforme dizes, pela calada, seria Jamón Serrano e, pelas claras, o Cuñadísimo, por ser casado com uma irmã da mulher de Franco e exercer uma enorme influência sobre ele, a tal ponto que os espanhóis alcandoraram o substantivo cuñado, como se adjectivo fosse, ao grau superlativo absoluto simples, como dizíamos na instrução primária.
Pese embora o nome de
Suñer
já me ter aparecido em páginas de livros que folheei, só comecei a prestar-lhe atenção, curiosamente, após a sua morte em 2003. Vivia na altura em Madrid e alguém me disse que tinha morrido o Cuñadisimo. Quién? E daí o desfiar do rosário. De tudo o que soube e depois li sobre ele – personagem incontornável nas relações entre Portugal e Espanha no período da 2ª guerra mundial – quero apenas, a título de pinceladas rápidas, sublinhar alguns aspectos, possivelmente menos conhecidos dos teus leitores, socorrendo-me, designadamente, de bibliografia de Filipe Ribeiro de Menezes e de Bernardo Futscher Pereira:
a) Deve ter estado por detrás da assinatura, em janeiro de 1940, do Protocolo Adicional ao Tratado de Amizade e Não Agressão entre Portugal e Espanha, este assinado em março de 39. Enquanto para o nosso personagem esse Protocolo fixaria Portugal na órbita de Espanha, para Salazar aquele dava uma oportunidade a Espanha de não cair nos braços dos Países do Eixo (os presidentes americanos ainda não tinham inventado a expressão “Eixo do Mal”). O Protocolo foi saudado pela Alemanha e pela Grã-Bretanha;
b) Ele protagonizava dentro da Falange a ala germanófila (não sei se haveria outra) e, consequente, a beligerância de Espanha aliada ao Eixo, contra os desejos de Salazar de neutralidade ibérica. Ele pugnava pela invasão de Gibraltar e de… Portugal;
c) Em 16/9/1940, em conversa com o ministro dos negócios estrangeiros alemão, Ribbentrop, afirmou que “era impossível não nos apercebermos, olhando para um mapa da Europa, que, geograficamente falando, Portugal de facto não tinha direito nenhum de existir”;
d) Em conversas com diplomatas do Eixo, por diversas vezes, e de forma transparente, deu a entender que Portugal devia ser absorvido por Espanha. Felizmente, a tese da neutralidade ibérica de Salazar prevaleceu, tendo contribuída para ela também os cereais e outros abastecimentos aliados para Espanha a que te referes, bem como os desaires nazis na URSS, que envolveram igualmente a Divisão Azul que o Cuñadisimo tinha sido o grande promotor.
Foi certamente com grande alívio que as Chancelarias aliadas, assim como Salazar, Theotónio Pereira e Armindo Monteiro, viram este inenarrável personagem ser substituído pelo prestável Conde Jordana, à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A morte de Suñer livrou-o de processo por delitos durante a guerra civil. Forte abraço. Carlos Traguelho


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