domingo, 10 de maio de 2020

Tarde piaste?


O que me parece é que José Pacheco Pereira, que no tempo da “Quadratura” e de António Costa nela, tendo perguntado a este o que achava do AO90, ao que este alardeou a sua disponibilidade – feita de ignorância e de arrogância – para o aceitar, comparando a mudança com a do AO45 (à qual tivera de se adaptar - sem perceber quanto o actual continha, entre outras mazelas, um acervo de inépcias desvirtuadoras da própria pronúncia), Pacheco Pereira não contestara e curvara a cerviz, depois do lançamento sobre a mesa, da questão, posta talvez mais por picardia exibicionista. O certo é que outros vão mantendo a chama do protesto acesa, NUNO PACHECO, em destaque, no Público, era altura de unirem esforços para valer, com seriedade e decisão, contra um tal escândalo de ignominioso rebaixamento, prova de uma definitiva pequenez bem nossa, neste momento, de ortografia ao sabor do freguês, coisa inimaginável num mundo decente.
OPINIÃO   O vírus que atacou a língua portuguesa
A língua é uma coisa viva e o “acordês” é uma língua morta. Foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos sociais e culturais do que o coronavírus.
JOSÉ PACHECO PEREIRA    PÚBLICO, 9 DE MAIO DE 2020
No tempo do Getúlio (Brasil) e de Salazar (Portugal) foram feitos acordos que não prevaleceram, porque, na realidade, quem faz a língua não são as academias, nem os governos. Quem faz a língua é o povo.” Carlos Heitor Cony. Tenho à minha frente uma série de jornais e de outras publicações do Brasil, de Angola, de Cabo Verde, de Moçambique, da Guiné, de Macau e de Timor. São actuais e nenhum respeita o Acordo Ortográfico. Se acrescentar a esses jornais e publicações mais uma série oriunda de Portugal, ou explicitamente recusam o Acordo, ou misturam artigos escritos nas duas línguas, o “acordês” e o português. Já não ponho livros em cima da mesa, romances, poemas, ensaios, porque quanto mais conhecido e criativo é o autor, menos usa o “acordês”.
Por detrás destas publicações está uma série de acordos diplomáticos que, ou estão a ser ilegalmente aplicados, ou foram ratificados e metidos na gaveta, com explícitas declarações de que são para meter na gaveta, ou, por fim, não foram aprovados pelos países que deveriam tê-los incorporado na legislação nacional. Como monumental falhanço diplomático, é um caso exemplar. O problema nem sequer é esse: é que, como falhanço cultural, é uma desgraça, mas, vindo de quem vem, é previsível.0% A razão é muito simples: a língua é uma coisa viva, e o “acordês” é uma língua morta. Foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos sociais e culturais do que o coronavírus, e é mantida moribunda por duas forças infelizmente poderosas nos nossos dias: a inércia e a arrogância de não querer perder a face e admitir o erro. E não adianta virem dizer-me que língua e ortografia são coisas diferentes e que a ortografia é uma convenção, e que há muitos precedentes de acordos. Há, mas nenhum como este, nem no tempo deste.
A ortografia é uma espécie de impressão digital da língua, faz parte da sua identidade e qualidade cultural. Transporta a sua memória e a sua história, as suas raízes nas línguas que foram a sua origem e que a fazem comunicar com as outras línguas com o mesmo tronco latino. E, como ser vivo, a língua e a sua ortografia evoluem todos os dias, traduzindo o dinamismo dos povos e das sociedades onde é falada e escrita. O tragicamente ardido Museu da Língua, em S. Paulo, traduzia esse dinamismo com a enorme vitalidade do português do Brasil, incorporando no vocabulário milhares de novas palavras oriundas de outras línguas trazidas pela emigração ou pelos tempos modernos. Não foi por acaso que este museu foi feito pelo Brasil, com a sua única e excepcional homenagem à língua portuguesa, enquanto por cá ninguém sequer aproveitou a oportunidade da sua desaparição para fazer um museu à língua cá, nem sequer pediu aos brasileiros que fizessem uma réplica cá, com a adaptação necessária. Não, em vez disso, continuamos a manter um Acordo que estraga a nossa língua e que é imposto administrativamente nas escolas e no Estado, para ainda mais afundar a nossa cultura, em tempos de ignorância agressiva.
É por ter lido com indignação um artigo publicado no PÚBLICO por quatro ministros autoglorificando-se pelo que têm feito pela língua portuguesa, numa altura em que toda a gente sabe que tem havido um considerável recuo da presença do português de Portugal por tudo quanto é universidade estrangeira, escola, instituição paga pelos contribuintes como o Instituto Camões, que escrevo. E se a situação não é pior, deve-se ao Brasil. Mas o que mais me encanita é o estarem muito contentes pela “dignificação” da língua portuguesa, quando eles próprios e os seus antecessores do PS e do PSD, desde 1990, são os principais responsáveis por a manter menos digna, menos própria, menos lavada, menos forte, menos saudável, doente. Eu não desisto, porque há ainda muita coisa a fazer contra o Acordo. A língua portuguesa precisa de nós. E não se esqueçam deste facto: o Acordo é impopular
É uma causa quixotesca? Não, não é. Há muita coisa que ainda não se fez. Faça-se como o lóbi das armas nos EUA (eu sei, péssimo exemplo, mas de lóbis percebem eles…) e, quando houver uma eleição, pergunta-se ao candidato, seja autárquico, seja legislativo, qual a sua posição. Depois ajuda-se por todos os meios os que explicitamente são contra o Acordo, de modo a criar um caucus (que vem do latim e do grego) na Assembleia e noutras instituições para fazer recuar o uso do Acordo e criar condições para acabar com ele, ou com a sua aplicação imposta, sorrateira e maliciosa.
Eu não desisto, porque há ainda muita coisa a fazer contra o Acordo. Angarie-se algum dinheiro, e há quem esteja disposto a dá-lo, seja mais, seja uma contribuição de um euro, façam-se anúncios de página inteira nos jornais, coloquem-se outdoors nas ruas, peça-se a escritores, criativos, artistas, cientistas, que escrevam uma frase em defesa da nossa língua ou façam um desenho, um grafismo, uma história aos quadradinhos, façam-se bancas nas ruas para recolha de assinaturas com a presença das muitas pessoas conhecidas e de prestígio que ainda escrevem português, faça-se uma associação de defesa da língua portuguesa ou dinamize-se uma que já exista, exija-se direito de antena e pressionem-se os órgãos de comunicação a darem voz a estes críticos da degradação da língua e da cultura. A língua portuguesa precisa de nós. E não se esqueçam deste facto: o Acordo é impopular.
Historiador
COMENTÁRIOS:
João Casquilho INICIANTE: Ontem, numa televisão, colaso em vez de colapso.
rafael.guerra EXPERIENTE: Ninguém pára a estupidez e ninguém pára o "acordês"! Tal como Duarte Pacheco Pereira teria sido o possível descobridor português do Brasil, José Pacheco Pereira poderá vir a ser o descobridor do português de Portugal.
N. Fonseca INICIANTE: Agora já é tarde. Recordo-me de nas vésperas da passagem do AO à prática discutir o assunto com colegas. Diziam-me que ''nunca iria ser implementado'', encolhiam os ombros e passavam a um outro tema de conversa com a maior rapidez possível. No panorama cultural do país, apenas me recordo das críticas ferozes do falecido Vasco Graça Moura, que parecia gritar sozinho ao vento. O AO que agora temos é o resultado da inépcia política dos nossos governantes, na altura, da demissão das elites perante o assunto e da inércia típica do povo português face a quaisquer temas de carácter estrutural (importantes mas não urgentes). Portanto, a culpa é nossa. A culpa é da presente geração presente, incluindo Pacheco Pereira.
JOSE FERREIRA INICIANTE: Uma das vezes em que estive numa reunião em que me coube redigir a acta, esta foi-me devolvida com a indicação que a reunião tinha que ser repetida porque a sua ortografia não respeitava o acordo. Devolvi-a a quem ma tinha devolvido com a indicação que era assim que eu escrevia e era assim que tencionava continuar a escrever; e sugerindo ao Senhor Director que no caso de ter objecções inultrapassáveis à minha ortografia convidasse o Professor Malaca Casteleiro para me substituir. Ou o convite não foi feito ou o convidado não aceitou, mas o certo é que nunca mais ouvi falar do assunto.
Opinativo INICIANTE: Pessoalmente o que mais me irrita ainda não é o AO mas os erros gramaticais que se tornaram banais. Diria que já cerca de 50% dos comentadores ilustres e políticos com assento no parlamento cometem pecados gramaticais que me tornam um bocado...arrogante. Obviamente, por uma questão de senso comum, não adoptei o AO, seja a título formal ou não. Como defensor da minha Língua nunca o irei usar por considerar que o mesmo é despropositado e até ofensivo. Agradeço a constante menção sobre um assunto que não pode ser esquecido.      Armando Heleno EXPERIENTE:  O Sr Dr Pacheco Pereira era a personalidade indicada para começar - mas sem medo e em força - esta cavalgada para repor a normalidade na anormalidade que foi consentida. Propunha até que aqui, a partir do Público, se começasse esta alavancagem, decididamente e sem medo. A bola de neve iria engrossar exponencialmente, até em recursos.
Eduardo Guevara.885833 INICIANTE: Excelente artigo, concordo. O que se conseguiu foi um aborto ortográfico.          JPGarcia INICIANTE: Mais um excelente artigo de JPP.
Bernardo Ribeiro EXPERIENTE: muito me admira é a postura do presidente da república! De quem tanto respeita a legalidade, e sendo notória a falta de respeito no caso do AO, continua a assobiar para o lado
Manuel de Campos Dias Figueiredo INICIANTE: O Presidente da República tem-se demitido das suas responsabilidades, neste assunto muito sério, o que é lamentável e triste. Não pode haver nenhum motivo (de ordem legal, cultural, política ou cívica) que justifique tamanho silêncio comprometedor.
Armando Heleno EXPERIENTE: É também o que, tristemente, me parece. Este deixar estar, este não te rales, este problema com os amigos brasileiros - apesar da tragédia ter sido despoletada cá no nosso país, por uns ociosos e presunçosos da academia das ciências - e que não queremos gerar, deveria ser revertido e inclusivamente, inscrito na nossa lei máxima, de molde a que mais nenhum atrevido se aventurasse. Mas esses atrevidos não tenham a situação como irreversível. A vida dá tanta volta!...
Jose Fernandes INICIANTE: Houve um tempo em que os jornais tinham o seu livro de estilo, o que implicava uma abordagem coerente da ortografia, entre outros aspectos. Agora constato que mesmo o público publica português e acordês, à vontade do cliente. Se o dito é ministro, ou "personalidade", escreve como lhe dá na tola... Não dá para compreender que se tenha chegado a esta barafunda


Nenhum comentário: