O que me parece é que José Pacheco Pereira, que no tempo da “Quadratura” e de António Costa nela, tendo perguntado a este o que
achava do AO90, ao que este alardeou a sua disponibilidade – feita de
ignorância e de arrogância – para o aceitar, comparando a mudança com a do AO45
(à qual tivera de se adaptar - sem perceber quanto o actual continha, entre
outras mazelas, um acervo de inépcias desvirtuadoras da própria pronúncia), Pacheco Pereira não contestara e curvara a cerviz, depois
do lançamento sobre a mesa, da questão, posta talvez mais por picardia
exibicionista. O certo é que outros vão mantendo a chama do protesto acesa, NUNO PACHECO, em destaque, no Público,
era altura de unirem esforços para valer, com seriedade e decisão, contra um
tal escândalo de ignominioso rebaixamento, prova de uma definitiva pequenez bem
nossa, neste momento, de ortografia ao sabor do freguês, coisa inimaginável num
mundo decente.
OPINIÃO
O vírus que atacou a língua portuguesa
A língua é uma coisa viva e o
“acordês” é uma língua morta. Foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos
sociais e culturais do que o coronavírus.
JOSÉ PACHECO
PEREIRA PÚBLICO, 9 DE MAIO DE 2020
“No tempo do Getúlio (Brasil) e de Salazar (Portugal) foram feitos acordos que não prevaleceram,
porque, na realidade, quem faz a língua não são as academias, nem os governos.
Quem faz a língua é o povo.” Carlos
Heitor Cony. Tenho à minha frente uma
série de jornais e de outras publicações do Brasil, de Angola, de Cabo Verde,
de Moçambique, da Guiné, de Macau e de Timor. São actuais e nenhum respeita o Acordo Ortográfico. Se
acrescentar a esses jornais e publicações mais uma série oriunda de Portugal,
ou explicitamente recusam o Acordo, ou misturam artigos escritos nas duas
línguas, o “acordês” e o português. Já não ponho livros em cima da mesa,
romances, poemas, ensaios, porque quanto mais conhecido e criativo é o
autor, menos usa o “acordês”.
Por
detrás destas publicações está uma série de acordos diplomáticos que, ou estão
a ser ilegalmente aplicados, ou foram ratificados e metidos na gaveta, com
explícitas declarações de que são para meter na gaveta, ou, por fim, não
foram aprovados pelos países que deveriam tê-los incorporado na legislação nacional.
Como monumental falhanço diplomático, é um caso
exemplar. O problema nem sequer é esse: é que, como falhanço cultural, é uma
desgraça, mas, vindo de quem vem, é previsível.0% A razão é muito simples: a língua é uma coisa viva, e
o “acordês” é uma língua morta. Foi ferida por um vírus pior nos seus efeitos
sociais e culturais do que o coronavírus, e é mantida moribunda por duas forças
infelizmente poderosas nos nossos dias: a inércia e a arrogância de não querer
perder a face e admitir o erro. E não adianta virem dizer-me que língua e ortografia
são coisas diferentes e que a ortografia é uma convenção, e que há muitos
precedentes de acordos. Há, mas nenhum como este, nem no tempo deste.
A ortografia
é uma espécie de impressão digital da língua,
faz parte da sua identidade e
qualidade cultural. Transporta a sua memória e a sua história, as suas raízes
nas línguas que foram a sua origem e que a fazem comunicar com as outras
línguas com o mesmo tronco latino. E, como ser vivo, a língua e a sua
ortografia evoluem todos os dias, traduzindo o dinamismo dos povos e das
sociedades onde é falada e escrita. O tragicamente ardido Museu da Língua, em S. Paulo,
traduzia esse dinamismo com a enorme vitalidade do português do Brasil,
incorporando no vocabulário milhares de novas palavras oriundas de outras
línguas trazidas pela emigração ou pelos tempos modernos. Não foi
por acaso que este museu foi feito pelo Brasil, com a sua única e excepcional
homenagem à língua portuguesa, enquanto por cá ninguém sequer aproveitou a
oportunidade da sua desaparição para fazer um museu à língua cá, nem sequer
pediu aos brasileiros que fizessem uma réplica cá, com a adaptação necessária. Não,
em vez disso, continuamos a manter um Acordo que estraga a nossa língua e que é
imposto administrativamente nas escolas e no Estado, para ainda mais afundar a
nossa cultura, em tempos de ignorância agressiva.
É
por ter lido com indignação um artigo publicado no PÚBLICO por quatro ministros
autoglorificando-se pelo que têm feito pela língua portuguesa, numa altura em
que toda a gente sabe que tem havido um considerável recuo da presença do
português de Portugal por tudo quanto é universidade estrangeira, escola,
instituição paga pelos contribuintes como o Instituto Camões, que escrevo. E se a situação não é pior, deve-se ao
Brasil. Mas o que mais me encanita é o estarem muito contentes
pela “dignificação” da língua portuguesa, quando eles próprios e os seus
antecessores do PS e do PSD, desde 1990, são os principais responsáveis por a
manter menos digna, menos própria, menos lavada, menos forte, menos saudável,
doente. Eu não
desisto, porque há ainda muita coisa a fazer contra o Acordo. A língua portuguesa
precisa de nós. E não se esqueçam deste facto: o Acordo é
impopular
É uma causa quixotesca? Não, não é. Há muita coisa que ainda não se fez. Faça-se como o
lóbi das armas nos EUA (eu sei, péssimo exemplo, mas de lóbis percebem eles…)
e, quando houver uma eleição, pergunta-se ao candidato, seja autárquico,
seja legislativo, qual a sua posição. Depois ajuda-se por todos os meios os que
explicitamente são contra o Acordo, de modo a criar um caucus (que vem do latim
e do grego) na Assembleia e noutras instituições para fazer recuar o uso do
Acordo e criar condições para acabar com ele, ou com a sua aplicação imposta,
sorrateira e maliciosa.
Eu não desisto, porque há ainda muita coisa a fazer contra o Acordo. Angarie-se algum dinheiro, e há quem esteja
disposto a dá-lo, seja mais, seja uma contribuição de um euro, façam-se
anúncios de página inteira nos jornais, coloquem-se outdoors nas ruas, peça-se
a escritores, criativos, artistas, cientistas, que escrevam uma frase em defesa
da nossa língua ou façam um desenho, um grafismo, uma história aos quadradinhos,
façam-se bancas nas ruas para recolha de assinaturas com a
presença das muitas pessoas conhecidas e de prestígio que ainda escrevem
português, faça-se uma associação de defesa da língua portuguesa ou dinamize-se
uma que já exista, exija-se direito de antena e pressionem-se os órgãos de
comunicação a darem voz a estes críticos da degradação da língua e da cultura.
A língua portuguesa precisa de nós. E
não se esqueçam deste facto: o Acordo é impopular.
Historiador
COMENTÁRIOS:
rafael.guerra
EXPERIENTE: Ninguém pára a estupidez e ninguém pára
o "acordês"! Tal como Duarte Pacheco Pereira teria sido o possível
descobridor português do Brasil, José Pacheco Pereira poderá vir a ser o
descobridor do português de Portugal.
N. Fonseca INICIANTE: Agora já é tarde. Recordo-me de nas vésperas da
passagem do AO à prática discutir o assunto com colegas. Diziam-me que ''nunca
iria ser implementado'', encolhiam os ombros e passavam a um outro tema de
conversa com a maior rapidez possível. No panorama cultural do país, apenas me
recordo das críticas ferozes do falecido Vasco Graça Moura, que parecia gritar sozinho ao vento. O AO
que agora temos é o resultado da inépcia política dos nossos governantes, na
altura, da demissão das elites perante o assunto e da inércia típica do povo
português face a quaisquer temas de carácter estrutural (importantes mas não
urgentes). Portanto, a culpa é nossa. A culpa é da presente geração presente,
incluindo Pacheco Pereira.
JOSE FERREIRA INICIANTE: Uma das vezes em que estive numa reunião em que me
coube redigir a acta, esta foi-me devolvida com a indicação que a reunião tinha
que ser repetida porque a sua ortografia não respeitava o acordo. Devolvi-a a
quem ma tinha devolvido com a indicação que era assim que eu escrevia e era
assim que tencionava continuar a escrever; e sugerindo ao Senhor Director que
no caso de ter objecções inultrapassáveis à minha ortografia convidasse o
Professor Malaca Casteleiro para me substituir. Ou o convite não foi feito ou o
convidado não aceitou, mas o certo é que nunca mais ouvi falar do assunto.
Opinativo INICIANTE: Pessoalmente o que mais me irrita ainda não é o AO mas
os erros gramaticais que se tornaram banais. Diria que já cerca de 50% dos
comentadores ilustres e políticos com assento no parlamento cometem pecados
gramaticais que me tornam um bocado...arrogante. Obviamente, por uma questão de
senso comum, não adoptei o AO, seja a título formal ou não. Como defensor da
minha Língua nunca o irei usar por considerar que o mesmo é despropositado e
até ofensivo. Agradeço a constante menção sobre um assunto que não pode ser
esquecido. Armando Heleno EXPERIENTE: O Sr Dr
Pacheco Pereira era a personalidade indicada para começar - mas sem medo e em
força - esta cavalgada para repor a normalidade na anormalidade que foi
consentida. Propunha até que aqui, a partir do Público, se começasse esta
alavancagem, decididamente e sem medo. A bola de neve iria engrossar
exponencialmente, até em recursos.
Eduardo Guevara.885833 INICIANTE: Excelente artigo, concordo. O que se conseguiu foi um
aborto ortográfico. JPGarcia INICIANTE: Mais um excelente artigo de JPP.
Bernardo Ribeiro EXPERIENTE: muito me admira é a postura do presidente da
república! De quem tanto respeita a legalidade, e sendo notória a falta de
respeito no caso do AO, continua a assobiar para o lado
Manuel de Campos Dias Figueiredo INICIANTE:
O Presidente da República tem-se
demitido das suas responsabilidades, neste assunto muito sério, o que é
lamentável e triste. Não pode haver nenhum motivo (de ordem legal, cultural,
política ou cívica) que justifique tamanho silêncio comprometedor.
Armando Heleno EXPERIENTE: É também o que, tristemente, me parece. Este deixar
estar, este não te rales, este problema com os amigos brasileiros - apesar da
tragédia ter sido despoletada cá no nosso país, por uns ociosos e presunçosos
da academia das ciências - e que não queremos gerar, deveria ser revertido e
inclusivamente, inscrito na nossa lei máxima, de molde a que mais nenhum
atrevido se aventurasse. Mas esses atrevidos não tenham a situação como
irreversível. A vida dá tanta volta!...
Jose Fernandes INICIANTE: Houve um tempo em que os jornais tinham o seu livro de
estilo, o que implicava uma abordagem coerente da ortografia, entre outros
aspectos. Agora constato que mesmo o público publica português e acordês, à
vontade do cliente. Se o dito é ministro, ou "personalidade", escreve
como lhe dá na tola... Não dá para compreender que se tenha chegado a esta barafunda
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